Processo C‑116/11
Bank Handlowy w Warszawie SA
e
PPHU «ADAX»/Ryszard Adamiak
contra
Christianapol sp. z o.o.
(pedido de decisão prejudicial apresentado pelo Sąd Rejonowy Poznań‑Stare Miasto w Poznaniu)
«Cooperação judiciária em matéria civil — Regulamento (CE) n.° 1346/2000 — Processo de insolvência — Conceito de ‘encerramento do processo’ — Possibilidade de o órgão jurisdicional ao qual foi requerida a abertura de um processo de insolvência secundário apreciar a insolvência do devedor — Possibilidade de abertura de um processo de liquidação enquanto processo de insolvência secundário quando o processo principal é um processo de sauvegarde»
Sumário do acórdão
1. Processo judicial — Pedido de reabertura da fase oral — Pedido para apresentação de observações sobre questões de direito suscitadas pelas conclusões do advogado‑geral — Condições da reabertura (Regulamento de Processo do Tribunal de Justiça, artigo 61.°)
2. Cooperação judiciária em matéria civil — Processos de insolvência — Regulamento n.° 1346/2000 — Âmbito de aplicação — Processos inscritos no Anexo A do regulamento [Regulamento do Conselho n.° 1346/2000, conforme alterado pelo Regulamento n.° 788/2008, artigo 1.°, n.° 1, e 2, alínea a)]
3. Cooperação judiciária em matéria civil — Processos de insolvência — Regulamento n.° 1346/2000— Lei aplicável — Conceito de encerramento do processo — Questão que releva do direito nacional [Regulamento n.° 1346/2000 do Conselho, conforme alterado pelo Regulamento n.° 788/2008, artigo 4.°, n.° 2, alínea j)]
4. Cooperação judiciária em matéria civil — Processos de insolvência — Regulamento n.° 1346/2000 — Processos secundários — Processo principal que prossegue uma finalidade de proteção — Possibilidade de abertura de um processo secundário (Regulamento n.° 1346/2000 do Conselho, conforme alterado pelo Regulamento n.° 788/2008, artigo 27.°)
5. Cooperação judiciária em matéria civil — Processos de insolvência — Regulamento n.° 1346/2000— Processos secundários — Impossibilidade, nesses processos, de examinar a insolvência do devedor
(Regulamento n.° 1346/2000 do Conselho, conforme alterado pelo Regulamento n.° 788/2008, artigo 27.°)
1. V. texto da decisão.
(cf.n.os 26‑30)
2. A partir do momento em que um processo esteja inscrito no Anexo A do Regulamento n.° 1346/2000, relativo aos processos de insolvência, conforme alterado pelo Regulamento n.° 788/2008, deve ser considerado inserido no âmbito de aplicação do referido regulamento. Esta inscrição beneficia do efeito direto e obrigatório que assumem as disposições de um regulamento.
(cf. n.° 33)
3. O artigo 4.°, n.° 2, alínea j), do Regulamento n.° 1346/2000, relativo aos processos de insolvência, conforme alterado pelo Regulamento n.° 788/2008, deve ser interpretado no sentido de que cabe ao direito nacional do Estado‑Membro no qual foi aberto o processo de insolvência determinar em que momento ocorre o encerramento desse processo.
Com efeito, o artigo 4.° do Regulamento n.° 1346/2000 apresenta‑se como uma regra de conflito de leis que substitui as regras nacionais de direito internacional privado. Tal regra de conflito caracteriza‑se por não responder diretamente a uma questão de direito material, mas se limitar a designar a lei da qual depende a resposta a essa questão. Por conseguinte, questões tais como as relativas às condições e aos efeitos do encerramento do processo de insolvência, a propósito das quais o artigo 4.°, n.° 2, alínea j), do regulamento contém um reenvio expresso para o direito nacional, não podem ser objeto de uma interpretação autónoma, mas devem ser decididas em aplicação da lex concursus designada como aplicável.
(cf.n.os 47, 48, 50, 52, disp.1)
4. O artigo 27.° do Regulamento n.° 1346/2000, relativo aos processos de insolvência, conforme alterado pelo Regulamento n.° 788/2008, deve ser interpretado no sentido de que permite a abertura de um processo de insolvência secundário no Estado‑Membro no qual existe um estabelecimento do devedor, quando o processo principal prossiga uma finalidade de proteção. Incumbe ao órgão jurisdicional competente para a abertura de um processo secundário ter em consideração os objetivos do processo principal e levar em conta a economia do regulamento no respeito do princípio da cooperação leal.
(cf. n.° 63, disp. 2)
5. O artigo 27.° do Regulamento n.° 1346/2000, relativo aos processos de insolvência, conforme alterado pelo Regulamento n.° 788/2008, deve ser interpretado no sentido de que o órgão jurisdicional ao qual tenha sido requerida a abertura de um processo de insolvência secundário não pode examinar a insolvência do devedor contra o qual um processo principal foi aberto noutro Estado‑Membro, mesmo quando o processo principal prossiga uma finalidade de proteção.
Com efeito, posto que o processo de insolvência principal aberto num Estado‑Membro é reconhecido em todos os Estados‑Membros logo que produza os seus efeitos no Estado de abertura do processo, a apreciação a respeito do estado de insolvência do devedor feita pelo órgão jurisdicional competente para a abertura do processo principal impõe‑se aos órgãos jurisdicionais aos quais seja eventualmente requerida a abertura de um processo secundário. Acresce que, nos termos do Regulamento n.° 1346/2000, a abertura de um processo principal impõe a prévia verificação pelo órgão jurisdicional competente do estado de insolvência do devedor à luz do seu direito nacional.
(cf.n.os 68‑70, 74, disp. 3)
ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Primeira Secção)
«Cooperação judiciária em matéria civil — Regulamento (CE) n.° 1346/2000 — Processos de insolvência — Conceito de ‘encerramento do processo’ — Possibilidade de o órgão jurisdicional ao qual foi requerida a abertura de um processo de insolvência secundário apreciar a insolvência do devedor — Possibilidade de abertura de um processo de liquidação enquanto processo de insolvência secundário quando o processo principal é um processo de sauvegarde»
No processo C-116/11,
que tem por objeto um pedido de decisão prejudicial nos termos do artigo 267.° TFUE, apresentado pelo Sąd Rejonowy Poznań-Stare Miasto w Poznaniu (Polónia), por decisão de 21 de fevereiro de 2011, entrado no Tribunal de Justiça em 7 de março de 2011, no processo
Bank Handlowy w Warszawie SA,
PPHU «ADAX»/Ryszard Adamiak
contra
Christianapol sp. z o.o.,
O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Primeira Secção),
composto por: A. Tizzano, presidente de secção, A. Borg Barthet, J.-J. Kasel, M. Safjan e M. Berger (relatora), juízes,
advogado-geral: J. Kokott,
secretário: K. Sztranc-Sławiczek, administradora,
vistos os autos e após a audiência de 22 de março de 2012,
vistas as observações apresentadas:
¾ em representação da Bank Handlowy w Warszawie SA, por Z. Skórczyński, consultor jurídico,
¾ em representação da Christianapol sp. z o.o., por M. Barłowski, consultor jurídico, assistido por P. Saigne e M. Le Berre, adwokaci,
¾ em representação do Governo polaco, por M. Szpunar, M. Arciszewski e B. Czech, na qualidade de agentes,
¾ em representação do Governo espanhol, por S. Centeno Huerta, na qualidade de agente,
¾ em representação do Governo francês, por G. de Bergues, B. Beaupère-Manokha e N. Rouam, na qualidade de agentes,
¾ em representação da Comissão Europeia, por M. Wilderspin e A. Stobiecka-Kuik, na qualidade de agentes,
ouvidas as conclusões da advogada-geral na audiência de 24 de maio de 2012,
profere o presente
Acórdão
1 O pedido de decisão prejudicial tem por objeto a interpretação dos artigos 4.°, n.os 1 e 2, alínea j), e 27.° do Regulamento (CE) n.° 1346/2000 do Conselho, de 29 de maio de 2000, relativo aos processos de insolvência (JO L 160, p. 1), conforme alterado pelo Regulamento (CE) n.° 788/2008 do Conselho, de 24 de julho de 2008 (JO L 213, p. 1, a seguir «regulamento»).
2 Este pedido foi apresentado no âmbito de requerimentos, apresentados pela Bank Handlowy w Warszawie SA (a seguir «Bank Handlowy») e pela PPHU «ADAX»/Ryszard Adamiak (a seguir «Adamiak»), de abertura na Polónia de um processo de insolvência contra a Christianapol sp. z o.o. (a seguir «Christianapol»), sociedade de direito polaco a respeito da qual um processo de sauvegarde tinha sido aberto anteriormente em França.
Quadro jurídico
Direito da União
3 Os considerandos 2, 12, 19, 20 e 23 do regulamento preveem:
«(2) O bom funcionamento do mercado interno exige que os processos de insolvência que produzem efeitos transfronteiriços se efetuem de forma eficiente e eficaz. A aprovação do presente regulamento é necessária para alcançar esse objetivo, o qual se insere no âmbito da cooperação judiciária em matéria civil, na aceção do artigo 65.° do Tratado.
[…]
(12) O presente regulamento permite que o processo de insolvência principal seja aberto no Estado-Membro em que se situa o centro dos interesses principais do devedor. O processo tem alcance universal, visando abarcar todo o património do devedor. Para proteger a diversidade dos interesses, o presente regulamento permite que os processos secundários eventualmente instaurados corram paralelamente ao processo principal. Pode-se instaurar um processo secundário no Estado-Membro em que o devedor tenha um estabelecimento. Os efeitos dos processos secundários limitar-se-ão aos ativos situados no território desse Estado. A necessidade de manter a unidade dentro da Comunidade é garantida por normas imperativas de coordenação com o processo principal.
[…]
(19) Os processos de insolvência secundários podem ter diferentes finalidades, para além da proteção dos interesses locais. Pode acontecer que o património do devedor seja demasiado complexo para ser administrado como uma unidade, ou que as diferenças entre os sistemas jurídicos sejam tão substanciais que possam surgir dificuldades decorrentes da extensão dos efeitos produzidos pela lei do Estado de abertura do processo a outros Estados em que se encontrem situados os bens. Por esse motivo, o síndico do processo principal pode requerer a abertura de um processo secundário sempre que a administração eficaz do património assim o exija.
(20) Porém, o processo principal e os processos secundários apenas podem contribuir para uma eficaz liquidação do ativo se houver uma coordenação dos processos paralelos pendentes. […] Para assegurar o papel dominante do processo principal, devem ser atribuídas ao síndico deste processo várias possibilidades de intervenção nos processos secundários simultaneamente pendentes: deve, assim, poder propor um plano de recuperação ou uma concordata, ou requerer a suspensão das operações de liquidação do ativo no processo secundário.
[…]
(23) O presente regulamento deve estabelecer, quanto às matérias por ele abrangidas, normas uniformes sobre o conflito de leis que substituam, dentro do respetivo âmbito de aplicação, as normas internas de direito internacional privado. Salvo disposição em contrário do presente regulamento, deve aplicar-se a lei do Estado-Membro de abertura do processo (lex concursus). Esta norma de conflito de leis deve aplicar-se tanto aos processos principais como aos processos locais. A lex concursus determina todos os efeitos processuais e materiais dos processos de insolvência sobre as pessoas e relações jurídicas em causa, regulando todas as condições de abertura, tramitação e encerramento do processo de insolvência.»
4 Nos termos do seu artigo 1.°, n.° 1, o regulamento é aplicável «aos processos coletivos em matéria de insolvência do devedor que determinem a inibição parcial ou total desse devedor da administração ou disposição de bens e a designação de um síndico».
5 Por «processo de insolvência», há que entender, em conformidade com o artigo 2.°, alínea a), do regulamento, «os processos coletivos a que se refere o n.° 1 do artigo 1.°». A mesmo disposição especifica que «[a] lista destes processos consta do Anexo A».
6 Da lista dos processos que figura no Anexo A do regulamento consta, no que respeita à França, o «processo de sauvegarde».
7 O artigo 3.° do regulamento dispõe:
«1. Os órgãos jurisdicionais do Estado-Membro em cujo território está situado o centro dos interesses principais do devedor são competentes para abrir o processo de insolvência. Presume-se, até prova em contrário, que o centro dos interesses principais das sociedades e pessoas coletivas é o local da respetiva sede estatutária.
2. No caso de o centro dos interesses principais do devedor se situar no território de um Estado-Membro, os órgãos jurisdicionais de outro Estado-Membro são competentes para abrir um processo de insolvência relativo ao referido devedor se este possuir um estabelecimento no território desse outro Estado-Membro. Os efeitos desse processo são limitados aos bens do devedor que se encontrem neste último território.
3. Quando um processo de insolvência for aberto ao abrigo do disposto no n.° 1, qualquer processo de insolvência aberto posteriormente ao abrigo do disposto no n.° 2 constitui um processo secundário. Este processo deve ser um processo de liquidação.
[…]»
8 O artigo 4.° do regulamento prevê:
«1. Salvo disposição em contrário do presente regulamento, a lei aplicável ao processo de insolvência e aos seus efeitos é a lei do Estado-Membro em cujo território é aberto o processo, a seguir designado ‘Estado de abertura do processo’.
2. A lei do Estado de abertura do processo determina as condições de abertura, tramitação e encerramento do processo de insolvência. A lei do Estado de abertura do processo determina, nomeadamente:
[…]
j) As condições e os efeitos do encerramento do processo de insolvência, nomeadamente por concordata;
[…]»
9 O artigo 16.° do regulamento enuncia o princípio do reconhecimento do processo de insolvência no seguintes termos:
«1. Qualquer decisão que determine a abertura de um processo de insolvência, proferida por um órgão jurisdicional de um Estado-Membro competente por força do artigo 3.°, é reconhecida em todos os outros Estados-Membros logo que produza efeitos no Estado de abertura do processo.
[…]»
10 O artigo 25.° do regulamento especifica o âmbito de aplicação deste princípio do seguinte modo:
«1. As decisões relativas à tramitação e ao encerramento de um processo de insolvência proferidas por um órgão jurisdicional cuja decisão de abertura do processo seja reconhecida por força do artigo 16.°, bem como qualquer acordo homologado por esse órgão jurisdicional, são igualmente reconhecidos sem mais formalidades. […]»
11 O artigo 26.° do regulamento prevê uma exceção a este princípio e permite que um Estado-Membro recuse o reconhecimento de um processo de insolvência aberto noutro Estado-Membro se esse reconhecimento «produzir efeitos manifestamente contrários à ordem pública desse Estado, em especial aos seus princípios fundamentais ou aos direitos e liberdades individuais garantidos pela sua Constituição».
12 O artigo 27.° do regulamento dispõe:
«O processo referido no n.° 1 do artigo 3.° que for aberto por um órgão jurisdicional de um Estado-Membro e reconhecido noutro Estado-Membro (processo principal) permite abrir, neste outro Estado-Membro, em cujo território um órgão jurisdicional seja competente por força do n.° 2 do artigo 3.°, um processo de insolvência secundário sem que a insolvência do devedor seja examinada neste outro Estado. Este processo deve ser um dos processos [de liquidação] referidos no Anexo B, ficando os seus efeitos limitados aos bens do devedor situados no território desse outro Estado-Membro.»
13 A tramitação do processo secundário é regida pelos artigos 28.° a 38.° do regulamento. A fim de assegurar a coordenação entre o processo principal e o processo secundário, o artigo 31.°, n.° 1, prevê um dever de cooperação e de informação entre o síndico do processo principal e o do processo secundário.
14 O artigo 33.°, n.° 1, do regulamento permite a suspensão do processo secundário. Dispõe o seguinte:
«O órgão jurisdicional que tiver aberto o processo secundário suspende total ou parcialmente as operações de liquidação quando o síndico do processo principal o requerer, sob reserva da faculdade de nesse caso exigir ao síndico do processo principal que tome todas as medidas adequadas para proteção dos interesses dos credores do processo secundário e de certos grupos de credores. O requerimento do síndico do processo principal só pode ser indeferido se for manifestamente destituído de interesse para os credores do processo principal. A suspensão da liquidação pode ser determinada por um período máximo de três meses. Pode ser prorrogada ou renovada por períodos da mesma duração.»
15 O artigo 34.°, n.° 1, do regulamento, que respeita ao encerramento do processo secundário, prevê:
«Sempre que a lei aplicável ao processo secundário previr a possibilidade de pôr termo a esse processo sem liquidação, através de um plano de recuperação, de uma concordata ou de qualquer medida análoga, a medida pode ser proposta pelo síndico do processo principal.
O encerramento do processo secundário através de uma das medidas a que se refere o primeiro parágrafo apenas se torna definitivo com o acordo do síndico do processo principal ou, na falta do seu acordo, se a medida proposta não afetar os interesses financeiros dos credores do processo principal.»
Direito nacional
16 Em direito francês, o processo de sauvegarde das empresas é regulado pelos artigos L. 620-1 e seguintes do Código Comercial (code de commerce). Na sua versão resultante da Lei n.° 2005-845, de 26 de julho de 2005, aplicável no caso do processo principal, o artigo L. 620-1 previa:
«É instaurado um processo de sauvegarde que será aberto a requerimento de um devedor mencionado no artigo L. 620-2 que comprove a existência de dificuldades, que não possa superar, suscetíveis de conduzir à cessação dos pagamentos. Este processo destina-se a facilitar a reorganização da empresa, a fim de permitir o prosseguimento da atividade económica, a manutenção do emprego e o apuramento do passivo.
O processo de sauvegarde conduz à elaboração de um plano homologado por sentença proferida após um período de observação […]»
Factos na origem do litígio e questões prejudiciais
17 A Christianapol, cuja sede estatutária se situa em Łowyń (Polónia), apresenta-se como a filial a 100% de uma sociedade alemã, ela própria detida a 90% por uma sociedade francesa.
18 Por decisão de 1 de outubro de 2008, o tribunal de commerce de Meaux (França) abriu um processo de insolvência contra a Christianapol. Esse órgão jurisdicional baseou a sua competência na conclusão de que o centro dos interesses principais do devedor se situa em França. O órgão jurisdicional abriu um processo de sauvegarde, com base na conclusão de que o devedor não se encontrava em estado de cessação dos pagamentos, mas que se encontraria nessa situação na falta de uma rápida reestruturação financeira.
19 Em 21 de abril e 26 de junho de 2009, a Bank Handlowy, com sede em Varsóvia (Polónia), na qualidade de credor da Christianapol, requereu ao órgão jurisdicional de reenvio a abertura de um processo de insolvência secundário contra esta sociedade com base no disposto no artigo 27.° do regulamento. A título subsidiário, para o caso de a decisão do tribunal de commerce de Meaux de 1 de outubro de 2008 ser considerada contrária à ordem pública em aplicação do artigo 26.° desse mesmo regulamento, requereu a abertura de um processo de liquidação regido pela lei polaca.
20 Em 20 de julho de 2009, o tribunal de commerce de Meaux homologou um plano de sauvegarde da Christianapol, o qual prevê o pagamento das dívidas escalonado ao longo de 10 anos e profere a proibição da cessão da empresa situada em Łowyń assim como de determinados bens específicos do devedor. O órgão jurisdicional francês manteve os mandatários judiciais anteriormente designados até ao fim do processo de verificação dos créditos e à entrega do relatório final sobre as suas atividades. Além disso, designou um comissário para a execução do plano.
21 Em 2 de agosto de 2009, outro credor, a Adamiak, estabelecido em Łęczyca (Polónia), veio igualmente requerer a abertura de um processo de liquidação regido pela lei polaca.
22 A Christianapol requereu inicialmente o indeferimento do pedido de abertura de um processo de insolvência secundário na Polónia, por ser contrário aos objetivos e à natureza do processo de sauvegarde. Após a aprovação do plano de sauvegarde pelo órgão jurisdicional francês, alegou já não haver lugar a decisão no respeitante ao requerimento de abertura do processo de insolvência secundário, na medida em que o processo principal tinha sido encerrado. Indicou ainda que tinha cumprido as suas obrigações em conformidade com o plano homologado pelo órgão jurisdicional francês. Tal significava que, nos termos do direito polaco, não era devedora de qualquer obrigação pecuniária, pelo que não existia nenhum motivo que justificasse uma declaração de insolvência a seu respeito.
23 O órgão jurisdicional de reenvio solicitou ao tribunal de commerce de Meaux que lhe indicasse se o processo de insolvência, que constituía o processo principal na aceção do regulamento, se encontrava ainda pendente. A resposta do órgão jurisdicional francês não prestou a necessária clarificação. O órgão jurisdicional de reenvio socorreu-se então de um perito.
24 Foi nestas condições que o Sąd Rejonowy Poznań-Stare Miasto w Poznaniu decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça as seguintes questões prejudiciais:
«1) O artigo 4.°, n.os 1 e 2, alínea j), do [regulamento] deve ser interpretado no sentido de que o conceito de ‘encerramento do processo de insolvência’ utilizado nesta disposição deve ser entendido de modo autónomo, independentemente das regulamentações aplicáveis nos sistemas jurídicos dos diferentes Estados-Membros, ou incumbe em exclusivo ao direito do Estado-Membro de abertura do processo determinar em que momento se verifica o encerramento do mesmo?
2) O artigo 27.° do [regulamento] deve ser interpretado no sentido de que o órgão jurisdicional nacional a quem foi feito um pedido de abertura de um processo de insolvência secundário não pode em caso algum examinar a insolvência do devedor contra o qual foi aberto um processo de insolvência principal noutro Estado-Membro, ou no sentido de que esse órgão jurisdicional nacional pode, em certos casos, examinar a realidade da insolvência do devedor, sobretudo quando o processo principal seja um processo de proteção em que o juiz declarou que o devedor não é insolvente (processo francês de sauvegarde)?
3) A interpretação do artigo 27.° do [regulamento] permite a abertura de um processo [de insolvência] secundário, cuja natureza é definida no artigo 3.°, n.° 3, segundo período, [desse] regulamento, no Estado-Membro em cujo território se encontrem todos os bens [do devedor em causa], quando o processo principal, que beneficia de reconhecimento automático, tenha a natureza de um processo de proteção (processo francês de sauvegarde), tenha sido adotado e aprovado um plano de reembolso, cumprido pelo devedor, e o juiz tenha proibido toda e qualquer alienação dos bens do devedor?»
Quanto ao pedido de reabertura da fase oral do processo
25 A fase oral do processo foi encerrada em 24 de maio de 2012 na sequência da apresentação das conclusões da advogada-geral.
26 Por requerimento de 29 de junho de 2012, que deu entrada no Tribunal de Justiça nesse mesmo dia, a Christianapol pediu que o Tribunal de Justiça ordenasse a reabertura da fase oral do processo.
27 Para alicerçar este pedido, alegou que as conclusões da advogada-geral suscitaram várias questões relativas à missão e à influência do síndico no processo de insolvência principal no respeitante ao processo secundário, à questão de saber se o processo de sauvegarde do direito francês constitui um processo de insolvência na aceção do regulamento, bem como à possibilidade de o órgão jurisdicional ao qual foi requerida a abertura de um processo secundário apreciar a insolvência do devedor.
28 A este respeito, há que referir que o Tribunal de Justiça pode em qualquer momento, ouvido o advogado-geral, ordenar a reabertura da fase oral do processo, em conformidade com o disposto no artigo 83.° do seu Regulamento de Processo, nomeadamente se considerar que está insuficientemente esclarecido ou ainda quando a causa deva ser decidida com base num argumento que não foi debatido entre as partes ou entre os interessados referidos no artigo 23.° do Estatuto do Tribunal de Justiça (v., neste sentido, a propósito do artigo 61.° do Regulamento de Processo na sua versão em vigor antes de 1 de novembro de 2012, despacho de 4 de julho de 2012, Feyerbacher, C-62/11, n.° 6 e jurisprudência referida).
29 No presente caso, o Tribunal de Justiça, ouvida a advogada-geral, considera que dispõe de todos os elementos necessários para responder às questões submetidas e que esses elementos foram objeto de discussão perante o Tribunal.
30 Consequentemente, há que indeferir o pedido de reabertura da fase oral do processo apresentado pela Christianapol.
Quanto às questões prejudiciais
Observações preliminares
31 A título liminar, cumpre recordar o âmbito de aplicação do regulamento.
32 A este respeito, importa salientar que, nos termos do seu artigo 1.°, n.° 1, o regulamento se aplica aos processos coletivos em matéria de insolvência do devedor que determinem a inibição parcial ou total desse devedor da administração ou disposição de bens e a designação de um síndico. Por «processo de insolvência», o artigo 2.°, alínea a), do mesmo regulamento entende os processos coletivos a que se refere o n.° 1 do artigo 1.° e especifica que a sua lista consta do Anexo A do mesmo regulamento.
33 Daqui se conclui que, a partir do momento em que um processo esteja inscrito no Anexo A do regulamento, deve ser considerado inserido no âmbito de aplicação do regulamento. Esta inscrição beneficia do efeito direto e obrigatório que assumem as disposições de um regulamento.
34 É pacífico que o processo de sauvegarde aberto, no caso do processo principal, pelo tribunal de commerce de Meaux consta dos processos inscritos, no tocante a França, no Anexo A do regulamento.
35 Resulta desta inscrição, cuja justeza não é objeto de uma questão prejudicial, por um lado, que o processo francês de sauvegarde se insere no âmbito de aplicação do regulamento e, por outro, que a situação de um devedor como a Christianapol, a respeito do qual foi aberto um processo deste tipo, deve ser considerada uma situação de insolvência para efeitos da aplicação deste regulamento.
Quanto à primeira questão
36 Com a primeira questão, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, no essencial, se o artigo 4.°, n.° 2, alínea j), do regulamento deve ser interpretado no sentido de que o conceito de «encerramento do processo de insolvência» assume um significado autónomo, específico do regulamento, ou se cabe ao direito nacional do Estado-Membro no qual foi aberto o processo de insolvência determinar em que momento ocorre o encerramento desse processo.
37 O órgão jurisdicional de reenvio explica que a resposta a esta questão é essencial a fim de determinar se o processo de insolvência principal aberto em França contra a Christianapol ainda corre os seus termos e para lhe permitir pronunciar-se sobre os pedidos, apresentados pela Bank Handlowy e pela Adamiak, de abertura na Polónia, contra o mesmo devedor, de um segundo processo de insolvência principal. O órgão jurisdicional de reenvio considera que, na hipótese de o processo de insolvência principal aberto em França ter sido encerrado, poderá deferir, após verificação à luz do seu direito nacional do estado de insolvência da Christianapol, os pedidos da Bank Handlowy e da Adamiak.
38 Estas considerações suscitam as observações seguintes.
39 Foi acertadamente que o órgão jurisdicional de reenvio qualificou o processo de insolvência aberto em França de processo principal. Com efeito, foi aberto ao abrigo do artigo 3.°, n.° 1, do regulamento.
40 Como referiu o órgão jurisdicional de reenvio, tal processo produz efeitos universais, na medida em que abrange os bens do devedor situados em todos os Estados-Membros. Enquanto estiver em curso o processo de insolvência principal, não pode ser aberto nenhum outro processo principal. Como indica o artigo 3.°, n.os 2 e 3, do regulamento, qualquer processo de insolvência aberto durante este período só pode ser um processo secundário, cujos efeitos estão limitados aos bens do devedor situados no Estado-Membro no qual esse processo é aberto (v., neste sentido, acórdão de 15 de dezembro de 2011, Rastelli Davide e C., C-191/10, Colet., p. I-13209, n.° 15 e jurisprudência referida).
41 Por força do artigo 16.°, n.° 1, do regulamento, o processo de insolvência principal aberto num Estado-Membro é reconhecido em todos os outros Estados-Membros logo que produza efeitos no Estado de abertura do processo. Esta regra implica que os órgãos jurisdicionais dos outros Estados-Membros reconhecem a decisão que abre um processo de insolvência principal, sem poderem fiscalizar a apreciação que o primeiro órgão jurisdicional levou a cabo sobre a respetiva competência (v., neste sentido, acórdãos de 2 de maio de 2006, Eurofood IFSC, C-341/04, Colet., p. I-3813, n.os 39 e 42, e de 21 de janeiro de 2010, MG Probud Gdynia, C-444/07, Colet., p. I-417, n.os 27 e 29). O artigo 25.° do regulamento estende esta regra de reconhecimento a todas as decisões relativas à tramitação e ao encerramento do processo.
42 No caso do processo principal, a abertura do processo de insolvência principal pelo tribunal de commerce de Meaux teve por base, nomeadamente, a conclusão de que o centro dos interesses principais do devedor, critério exclusivo de competência internacional previsto pelo artigo 3.°, n.° 1, do regulamento, se situava em França. Como referiu a advogada-geral no n.° 44 das suas conclusões, esta conclusão está abrangida pelo princípio do reconhecimento que está obrigado a observar o órgão jurisdicional de reenvio.
43 Donde se conclui que, na hipótese de se dever considerar que foi encerrado o processo de insolvência principal aberto em França contra a Christianapol, o órgão jurisdicional de reenvio só poderia abrir um segundo processo principal na Polónia na medida em que fosse possível demonstrar que, posteriormente à abertura do primeiro processo principal em França, o centro dos interesses principais da Christianapol foi transferido para a Polónia.
44 É com base nestas observações que importa examinar como deve ser estabelecido o significado do conceito de «encerramento do processo de insolvência».
45 Como recordou o Tribunal de Justiça, o regulamento não se destina a instituir um processo de insolvência uniforme, mas, como resulta do seu segundo considerando, a garantir que os processos de insolvência que produzem efeitos transfronteiriços se efetuem de forma eficiente e eficaz (acórdão Eurofood IFSC, já referido, n.° 48). Para esse efeito, fixa regras de competência e de reconhecimento, bem como regras relativas ao direito aplicável nesse domínio.
46 A questão da lei aplicável a um processo de insolvência é regulada pelo artigo 4.° do regulamento, o qual, no seu n.° 1, designa para este efeito a lei do Estado-Membro em cujo território foi aberto o processo. O n.° 2, alínea j), do referido artigo especifica que esta lei determina designadamente as condições e os efeitos do encerramento do processo de insolvência.
47 Assim, o artigo 4.° do regulamento apresenta-se como uma regra de conflito de leis, qualificação confirmada pelo considerando 23 do regulamento, o qual indica que as regras de conflito uniformes previstas pelo regulamento substituem as regras nacionais de direito internacional privado.
48 Como observou a advogada-geral no n.° 32 das suas conclusões, uma regra de conflito caracteriza-se por não responder diretamente a uma questão de direito material, mas se limitar a designar a lei da qual depende a resposta a essa questão.
49 Sendo certo que, em caso de dúvida, as disposições do direito da União devem, em conformidade com os seus termos, ser objeto de interpretação autónoma e uniforme que deve ser procurada tendo em conta o contexto da disposição e o objetivo prosseguido pela regulamentação em causa, o Tribunal de Justiça enunciou, todavia, que este princípio é unicamente aplicável às disposições que não contenham nenhuma remissão expressa para o direito dos Estados-Membros para determinar o seu sentido e alcance (v., neste sentido, acórdão de 20 de outubro de 2011, Interedil, C-396/09, Colet., p. I-9915, n.° 42 e jurisprudência referida).
50 Por conseguinte, questões tais como as relativas às condições e aos efeitos do encerramento do processo de insolvência, a propósito das quais o artigo 4.°, n.º 2, alínea j), do regulamento contém um reenvio expresso para o direito nacional, não podem ser objeto de uma interpretação autónoma, mas devem ser decididas em aplicação da lex concursus designada como aplicável.
51 Esta análise não está em contradição com o facto de, no n.° 54 do acórdão Eurofood IFSC, já referido, no qual se basearam a Christianapol e o Governo francês, o Tribunal de Justiça ter declarado que o conceito de «decisão que determin[a] a abertura de um processo de insolvência» na aceção do artigo 16.°, n.° 1, do regulamento deve ser definido em função de dois critérios próprios ao regulamento. Com efeito, diversamente do artigo 4.° do regulamento, o referido artigo 16.°, n.° 1, não contém qualquer reenvio expresso para o direito nacional, mas fixa uma regra imediatamente aplicável, na forma de um princípio do reconhecimento a favor da decisão de abertura que foi proferida em primeiro lugar.
52 À luz destas considerações, há que responder à primeira questão que o artigo 4.°, n.° 2, alínea j), do regulamento deve ser interpretado no sentido de que cabe ao direito nacional do Estado-Membro no qual foi aberto o processo de insolvência determinar em que momento ocorre o encerramento desse processo.
Quanto à terceira questão
53 Com a terceira questão, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, no essencial, se o artigo 27.° do regulamento deve ser interpretado no sentido de que permite a abertura de um processo de insolvência secundário no Estado-Membro no qual se encontra a integralidade dos bens do devedor, quando o processo principal prossiga uma finalidade de proteção.
54 A título liminar, importa referir que a resposta a esta questão só pode ser pertinente para a decisão do litígio na causa principal na hipótese de o processo de insolvência principal aberto em França estar ainda em curso, o que incumbe ao órgão jurisdicional de reenvio determinar tendo em conta a resposta dada à primeira questão.
55 Ao dispor que a abertura de um processo de insolvência principal num Estado-Membro permite a abertura de um processo secundário noutro Estado-Membro em cujo território o devedor possua um estabelecimento, o artigo 27.°, primeiro período, do regulamento não estabelece nenhuma distinção em função da finalidade do processo principal.
56 A mesma generalidade de termos encontra-se no artigo 3.°, n.° 3, do regulamento, o qual prevê que, quando tenha sido aberto um processo principal, qualquer processo de insolvência aberto posteriormente por um órgão jurisdicional que baseie a sua competência na existência de um estabelecimento do devedor constitui um processo secundário.
57 Estas disposições devem, pois, ser entendidas no sentido de que também autorizam a abertura de um processo secundário quando o processo principal, à semelhança do processo francês de sauvegarde, tem uma finalidade de proteção.
58 A interpretação sustentada pela Christianapol e pelo Governo francês, segundo a qual a abertura de um processo principal com uma finalidade de proteção obsta à abertura de um processo secundário, para além de ser inconciliável com o teor das disposições em causa, seria contrária à posição que é reconhecida, no sistema instituído pelo regulamento, aos processos secundários. A este respeito, cumpre salientar que, embora os processos secundários visem, nomeadamente, assegurar a proteção dos interesses locais, podem também prosseguir, como recorda o considerando 19 do regulamento, outros objetivos. É esta a razão pela qual podem ser abertos a pedido do síndico do processo principal, quando esta medida corresponda ao interesse de uma administração eficaz do património.
59 Mas é também certo que, como salientou o órgão jurisdicional de reenvio, com a abertura de um processo secundário, o qual, em conformidade com o artigo 3.°, n.° 3, do regulamento, deve ser um processo de liquidação, se corre o risco de contrariar a finalidade prosseguida por um processo principal de natureza protetora.
60 A este respeito, cabe referir que o regulamento prevê um certo número de regras imperativas de coordenação destinadas a garantir, como exprime o seu considerando 12, a unidade necessária dentro da Comunidade. Neste sistema, como especifica o considerando 20 do regulamento, o processo principal ocupa um papel dominante relativamente ao processo secundário.
61 Assim, o síndico do processo principal dispõe de determinadas prerrogativas que lhe permitem influenciar o processo secundário de modo a que este último não coloque em perigo a finalidade de proteção do processo principal. Ao abrigo do artigo 33.°, n.° 1, do regulamento, pode requerer a suspensão das operações de liquidação, é certo que por um período limitado a três meses, mas que pode ser prorrogado ou renovado por períodos da mesma duração. Em conformidade com o artigo 34.°, n.° 1, do mesmo regulamento, o síndico do processo principal pode propor que seja posto termo ao processo secundário através de um plano de recuperação, de uma concordata ou de qualquer medida análoga. Durante o período de suspensão previsto pelo artigo 33.°, n.° 1, do regulamento, o síndico do processo principal, ou o devedor com o seu acordo, são, nos termos do artigo 34.°, n.° 3, os únicos habilitados a fazer essa proposta.
62 Em virtude do princípio da cooperação leal inscrito no artigo 4.°, n.° 3, UE, incumbe ao órgão jurisdicional competente para a abertura de um processo secundário, quando aplica estas disposições, ter em consideração os objetivos do processo principal e levar em conta a economia do regulamento, o qual visa, como foi recordado nos n.os 45 e 60 do presente acórdão, assegurar um funcionamento eficiente e eficaz dos processos de insolvência transfronteiriços através de uma coordenação imperativa dos processos principal e secundário que garanta a primazia do processo principal.
63 Há, pois, que responder à terceira questão que o artigo 27.° do regulamento deve ser interpretado no sentido de que permite a abertura de um processo de insolvência secundário no Estado-Membro no qual existe um estabelecimento do devedor, quando o processo principal prossiga uma finalidade de proteção. Incumbe ao órgão jurisdicional competente para a abertura de um processo secundário ter em consideração os objetivos do processo principal e levar em conta a economia do regulamento no respeito do princípio da cooperação leal.
Quanto à segunda questão
64 Com a segunda questão, o órgão jurisdicional de reenvio pretende saber, no essencial, se o artigo 27.° do regulamento deve ser interpretado no sentido de que o órgão jurisdicional ao qual tenha sido requerida a abertura de um processo de insolvência secundário não pode examinar a insolvência do devedor contra o qual um processo principal foi aberto noutro Estado-Membro, mesmo quando este último processo prossiga uma finalidade de proteção.
65 Segundo o artigo 27.°, primeiro período, do regulamento, a abertura de um processo de insolvência principal num Estado-Membro «permite abrir» um processo secundário noutro Estado-Membro no território do qual o devedor possua um estabelecimento «sem que a insolvência do devedor seja examinada neste outro Estado».
66 Como reconheceu a advogada-geral no n.° 75 das suas conclusões, a formulação assim utilizada está eivada de uma certa ambiguidade no tocante à questão de saber se, no momento da abertura de tal processo, o exame da insolvência do devedor não é necessário, mas permanece possível, ou se não é autorizado.
67 Nestas condições, cumpre interpretar a formulação utilizada no artigo 27.°, primeiro período, do regulamento à luz da economia geral e da finalidade do regulamento no qual se insere (v., neste sentido, acórdão de 19 de junho de 1980, Roudolff, 803/79, Recueil, p. 2015, n.° 7).
68 A este respeito, cabe recordar que, como enunciado no n.° 32 do presente acórdão, o regulamento se aplica unicamente aos processos em matéria de insolvência. No tocante aos critérios que concretamente permitem concluir pela existência de tal situação, não indicando uma definição do conceito de insolvência, o regulamento reenvia para o direito nacional. Daqui se conclui que a abertura de um processo principal impõe a prévia verificação pelo órgão jurisdicional competente do estado de insolvência do devedor à luz do seu direito nacional.
69 Cabe ainda recordar que, por força do artigo 16.°, n.° 1, do regulamento, o processo de insolvência principal aberto num Estado-Membro é reconhecido em todos os Estados-Membros logo que produza os seus efeitos no Estado de abertura do processo.
70 Nestas condições, como sustentaram os Governos espanhol e francês, a apreciação a respeito do estado de insolvência do devedor feita pelo órgão jurisdicional competente para a abertura do processo principal impõe-se aos órgãos jurisdicionais aos quais seja eventualmente requerida a abertura de um processo secundário.
71 Esta interpretação é a única que permite evitar as dificuldades inelutáveis que resultariam, na falta de uma definição do conceito de insolvência no regulamento, da aplicação de conceções nacionais divergentes do conceito de insolvência por órgãos jurisdicionais diferentes. Ao que acresce que, como observou o Governo francês, a insolvência deve ser objeto de uma apreciação global, à luz da situação patrimonial do devedor como se apresenta globalmente no conjunto dos Estados-Membros, e não de apreciações isoladas, limitadas à tomada em conta dos ativos localizados num determinado território.
72 As divergências de apreciação de um órgão jurisdicional para outro seriam incompatíveis com o objetivo do funcionamento eficiente e eficaz dos processos de insolvência transfronteiriços que o regulamento pretende realizar através da coordenação dos processos principal e secundário no respeito da primazia do processo principal. A este respeito, importa recordar que, como decorre do n.° 58 do presente acórdão, embora a abertura de um processo secundário possa ser requerida, nomeadamente, por credores locais, pode igualmente ser requerida pelo síndico do processo principal no interesse de uma gestão mais eficiente do património do devedor.
73 Cumpre, porém, realçar que, quando retira as consequências da constatação da insolvência efetuada no quadro do processo principal, o órgão jurisdicional ao qual tenha sido requerida a abertura de um processo secundário deve ter em consideração os objetivos do referido processo principal e levar em conta a economia do regulamento, bem como os princípios em que o mesmo assenta.
74 Há, pois, que responder à segunda questão que o artigo 27.° do regulamento deve ser interpretado no sentido de que o órgão jurisdicional ao qual tenha sido requerida a abertura de um processo de insolvência secundário não pode examinar a insolvência do devedor contra o qual um processo principal foi aberto noutro Estado-Membro, mesmo quando o processo principal prossiga uma finalidade de proteção.
Quanto às despesas
75 Revestindo o processo, quanto às partes na causa principal, a natureza de incidente suscitado perante o órgão jurisdicional de reenvio, compete a este decidir quanto às despesas. As despesas efetuadas pelas outras partes para a apresentação de observações ao Tribunal de Justiça não são reembolsáveis.
Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Primeira Secção) declara:
1) O artigo 4.°, n.° 2, alínea j), do Regulamento (CE) n.° 1346/2000 do Conselho, de 29 de maio de 2000, relativo aos processos de insolvência, conforme alterado pelo Regulamento (CE) n.° 788/2008 do Conselho, de 24 de julho de 2008, deve ser interpretado no sentido de que cabe ao direito nacional do Estado-Membro no qual foi aberto o processo de insolvência determinar em que momento ocorre o encerramento desse processo.
2) O artigo 27.° do Regulamento n.° 1346/2000, conforme alterado pelo Regulamento n.° 788/2008, deve ser interpretado no sentido de que permite a abertura de um processo de insolvência secundário no Estado-Membro no qual existe um estabelecimento do devedor, quando o processo principal prossiga uma finalidade de proteção. Incumbe ao órgão jurisdicional competente para a abertura de um processo secundário ter em consideração os objetivos do processo principal e levar em conta a economia do regulamento no respeito do princípio da cooperação leal.
3) O artigo 27.° do Regulamento n.° 1346/2000, conforme alterado pelo Regulamento n.° 788/2008, deve ser interpretado no sentido de que o órgão jurisdicional ao qual tenha sido requerida a abertura de um processo de insolvência secundário não pode examinar a insolvência do devedor contra o qual um processo principal foi aberto noutro Estado-Membro, mesmo quando o processo principal prossiga uma finalidade de proteção.
Assinaturas
* Língua do processo: polaco.
apresentadas em 24 de maio de 2012 (1)
Processo C-116/11
Bank Handlowy e Ryszard Adamiak
contra
Christianapol sp. z o.o.
[pedido de decisão prejudicial apresentado pelo Sąd Rejonowy Poznań Stare Miasto w Poznań (Polónia)]
«Regulamento (CE) n.° 1346/2000 — Processo de insolvência — Momento do encerramento do processo de insolvência — Exame da insolvência no processo secundário — Relação entre processo principal e processo secundário, quando o processo principal é um processo de recuperação»
I — Introdução
1. O pedido de decisão prejudicial em apreço diz respeito à interpretação do Regulamento (CE) n.° 1346/2000 do Conselho, de 29 de maio de 2000, relativo aos processos de insolvência (2) (a seguir «regulamento relativo aos processos de insolvência» ou «regulamento»). Este regulamento prevê, em caso de insolvência com incidência internacional, essencialmente duas possibilidades: a instauração de um processo principal e a instauração de um processo territorial ou secundário (3).
2. O processo de insolvência principal é instaurado no centro dos interesses principais do devedor. Abarca todo o património do devedor em todos os Estados-Membros, tem efeito universal e rege-se pela legislação do Estado em que foi instaurado. Pelo contrário, os processos territoriais e secundários são limitados geograficamente ao território do Estado-Membro em que foram instaurados, incluem apenas os bens situados neste Estado-Membro e regem-se pela sua legislação. Em caso de coexistência de processos principais, por um lado, e de processos territoriais e secundários, por outro, o regulamento estabelece várias obrigações de cooperação e coordenação entre os vários processos.
3. A particularidade do caso em apreço reside no facto de o processo principal instaurado em França ser um procédure de sauvegarde (a seguir «processo desauvegarde»), que visa a reestruturação. Desta particularidade resultam as três questões que o Sąd Rejonowy Poznań Stare Miasto w Poznaniu (4) colocou ao Tribunal de Justiça. Por isso, o presente pedido de decisão prejudicial dá ao Tribunal de Justiça a oportunidade de concretizar a relação entre o processo principal e o processo secundário.
II — Quadro jurídico
A — Direito da União
4. Nos termos do artigo 1.°, n.° 1, o regulamento relativo aos processos de insolvência «é aplicável aos processos coletivos em matéria de insolvência do devedor que determinem a inibição parcial ou total desse devedor da administração ou disposição de bens e a designação de um síndico.»
5. O artigo 2.° define, para efeitos do regulamento, na alínea a), «processos de insolvência» como os processos coletivos a que se refere o n.° 1 do artigo 1.° A lista destes processos consta do anexo A»; a alínea c) diz respeito ao «processo de liquidação», definindo-o como «um processo de insolvência na aceção da alínea a) que determine a liquidação dos bens do devedor, incluindo os casos em que o processo for encerrado através de concordata ou de qualquer outra medida que ponha fim à situação de insolvência, ou em virtude da insuficiência do ativo. A lista destes processos consta do anexo B».
6. O artigo 3.° determina a competência internacional:
«1. Os órgãos jurisdicionais do Estado-Membro em cujo território está situado o centro dos interesses principais do devedor são competentes para abrir o processo de insolvência. Presume-se, até prova em contrário, que o centro dos interesses principais das sociedades e pessoas coletivas é o local da respetiva sede estatutária.
2. No caso de o centro dos interesses principais do devedor se situar no território de um Estado-Membro, os órgãos jurisdicionais de outro Estado-Membro são competentes para abrir um processo de insolvência relativo ao referido devedor se este possuir um estabelecimento no território desse outro Estado-Membro. Os efeitos desse processo são limitados aos bens do devedor que se encontrem neste último território.
3. Quando um processo de insolvência for aberto ao abrigo do disposto no n.° 1, qualquer processo de insolvência aberto posteriormente ao abrigo do disposto no n.° 2 constitui um processo secundário. Este processo deve ser um processo de liquidação.
4. Nenhum processo territorial de insolvência referido no n.° 2 pode ser aberto antes da abertura de um processo principal de insolvência ao abrigo do n.° 1, salvo se:
a) Não for possível abrir um processo de insolvência ao abrigo do n.° 1 em virtude das condições estabelecidas pela legislação do Estado-Membro em cujo território se situa o centro dos interesses principais do devedor;
b) A abertura do processo territorial de insolvência for requerida por um credor que tenha residência habitual, domicílio ou sede no Estado-Membro em cujo território se situa o estabelecimento, ou cujo crédito tenha origem na exploração desse estabelecimento.»
7. O artigo 4.° do regulamento estipula, sob a epígrafe «Lei aplicável», o seguinte:
«1. Salvo disposição em contrário do presente regulamento, a lei aplicável ao processo de insolvência e aos seus efeitos é a lei do Estado-Membro em cujo território é aberto o processo, a seguir designado ‘Estado de abertura do processo’.
2. A lei do Estado de abertura do processo determina as condições de abertura, tramitação e encerramento do processo de insolvência. A lei do Estado de abertura do processo determina, nomeadamente:
[…]
j) As condições e os efeitos do encerramento do processo de insolvência, nomeadamente por concordata;
k) Os direitos dos credores após o encerramento do processo de insolvência;
[…]»
8. O artigo 16.° diz respeito ao reconhecimento de processos de insolvência. O seu n.° 1 tem a seguinte redação:
«Qualquer decisão que determine a abertura de um processo de insolvência, proferida por um órgão jurisdicional de um Estado-Membro competente por força do artigo 3.°, é reconhecida em todos os outros Estados-Membros logo que produza efeitos no Estado de abertura do processo.»
9. O artigo 26.° contém uma norma relativa à ordem pública, com o seguinte teor:
«Qualquer Estado-Membro pode recusar o reconhecimento de um processo de insolvência aberto noutro Estado-Membro ou [a] execução de uma decisão proferida no âmbito de um processo dessa natureza, se esse reconhecimento ou execução produzir efeitos manifestamente contrários à ordem pública desse Estado, em especial aos seus princípios fundamentais ou aos direitos e liberdades individuais garantidos pela sua Constituição.»
10. O artigo 27.° introduz o capítulo III, com o título «Processos de insolvência secundários» e determina o seguinte, sob a epígrafe «Abertura»:
«O processo referido no n.° 1 do artigo 3.° que for aberto por um órgão jurisdicional de um Estado-Membro e reconhecido noutro Estado-Membro (processo principal) permite abrir, neste outro Estado-Membro, em cujo território um órgão jurisdicional seja competente por força do n.° 2 do artigo 3.°, um processo de insolvência secundário sem que a insolvência do devedor seja examinada neste outro Estado. Este processo deve ser um dos processos referidos no anexo B, ficando os seus efeitos limitados aos bens do devedor situados no território desse outro Estado-Membro.»
11. O artigo 33.° regula a «Suspensão da liquidação» e tem a seguinte redação:
«1. O órgão jurisdicional que tiver aberto o processo secundário suspende total ou parcialmente as operações de liquidação quando o síndico do processo principal o requerer, sob reserva da faculdade de nesse caso exigir ao síndico do processo principal que tome todas as medidas adequadas para proteção dos interesses dos credores do processo secundário e de certos grupos de credores. O requerimento do síndico do processo principal só pode ser indeferido se for manifestamente destituído de interesse para os credores do processo principal. A suspensão da liquidação pode ser determinada por um período máximo de três meses. Pode ser prorrogada ou renovada por períodos da mesma duração.
2. O órgão jurisdicional referido no n.° 1 põe termo à suspensão das operações de liquidação:
¾ a requerimento do síndico do processo principal,
¾ oficiosamente, a requerimento de um credor ou do síndico do processo secundário, se essa medida tiver deixado de ser justificada, nomeadamente pelo interesse dos credores quer do processo principal quer do processo secundário.»
12. O artigo 34.° diz respeito às «Medidas que põem termo ao processo secundário de insolvência»:
«1. Sempre que a lei aplicável ao processo secundário previr a possibilidade de pôr termo a esse processo sem liquidação, através de um plano de recuperação, de uma concordata ou de qualquer medida análoga, a medida pode ser proposta pelo síndico do processo principal.
O encerramento do processo secundário através de uma das medidas a que se refere o primeiro parágrafo apenas se torna definitivo com o acordo do síndico do processo principal ou, na falta do seu acordo, se a medida proposta não afetar os interesses financeiros dos credores do processo principal.
2. Qualquer limitação dos direitos dos credores, como uma moratória ou um perdão de dívida, decorrente de uma das medidas a que se refere o n.° 1 que tenha sido proposta no âmbito de um processo secundário, só pode produzir efeitos nos bens do devedor não afetados por esse processo se houver acordo de todos os credores interessados.
3. Durante a suspensão das operações de liquidação determinada ao abrigo de artigo 33.°, só o síndico do processo principal, ou o devedor com o seu consentimento, pode propor no âmbito do processo secundário quaisquer das medidas previstas no n.° 1 do presente artigo; nenhuma outra proposta relativa a uma medida dessa natureza pode ser sujeita a votação ou homologada.»
13. O artigo 37.° regula a situação em que um processo territorial é instaurado antes da abertura do processo principal, prevendo o seguinte:
«O síndico do processo principal pode requerer a conversão de um processo referido no anexo A anteriormente aberto noutro Estado-Membro num processo de liquidação, se a conversão se revelar útil aos interesses dos credores do processo principal.»
14. O anexo A do regulamento designa os processos de insolvência dos Estados-Membros que são processos de insolvência a que se refere o artigo 2.°, alínea a). O anexo B inclui uma discriminação semelhante dos processos de liquidação a que se refere o artigo 2.°, alínea c).
B — Direito nacional
15. O direito francês conhece três tipos de processos de insolvência, discriminados no anexo A do regulamento: o processo de sauvegarde, o processo deredressement judiciaire e o processo de liquidation judiciaire.
16. O processo de sauvegarde é regulado pelo artigo L620-1 e seguintes do Código Comercial (Code de commerce) na redação que lhe foi dada pela lei n.° 2005-845, de 26 de julho de 2005. Estes preveem que a instauração deste processo de recuperação preventivo só pode ser requerida pelo próprio devedor, se e na medida em que este comprovar a existência de dificuldades de pagamento.
17. O objetivo do processo de sauvegarde é a continuação da atividade económica da empresa (poursuite de l’activité économique de l’entreprise), a manutenção de postos de trabalho (maintien de l’emploi) e a redução da dívida (apurement du passif). Por outro lado, o processo de recuperação preventivo também visa permitir a reorganização (réorganisation) da empresa.
III — Processo principal e questões prejudiciais
18. Por acórdão de 1 de outubro de 2008, o Tribunal de commerce de Meaux (França) abriu contra o devedor Christianapol sp. z. o.o., com sede na Polónia (a seguir Christianapol), um processo de insolvência, concretamente um processo de sauvegarde nos termos do direito francês.
19. O órgão jurisdicional francês designou mandatários judiciais, em representação dos credores, e administradores judiciais (5) e declarou que a Christianapol «não está numa situação de cessação dos pagamentos, pois os seus recursos financeiros previsionais revelam-se positivos».(6) O órgão jurisdicional francês baseou a sua competência na conclusão de que o centro dos interesses principais do devedor se situa em França, fundamentando a sua avaliação no facto de a Christianapol pertencer a um grupo de empresas cujo centro dos interesses principais se situa em França. Porém, todo o património da Christianapol, incluindo as suas unidades de produção, situa-se na Polónia.
20. O processo instaurado pelo Tribunal de commerce de Meaux é, no entender deste e no entender do órgão jurisdicional de reenvio, um processo de insolvência principal na aceção do artigo 3.°, n.° 1, do regulamento.
21. Em 21 de abril de 2009, um credor da Christianapol sedeado na Polónia, o Bank Handlowy w Warszawie SA (a seguir «Bank Handlowy»), requereu ao Sąd Rejonowy Poznań (órgão jurisdicional de reenvio) a abertura de um processo secundário na aceção do artigo 27.° do regulamento relativo aos processos de insolvência. Subsidiariamente, para o caso de o acórdão do Tribunal de commerce de Meaux não ser reconhecido por motivo de violação da ordem pública da Polónia, conforme o disposto no artigo 26.° do regulamento, o mesmo credor requereu, em 26 de junho de 2009, a abertura de um processo de insolvência, com a consequente liquidação dos bens do devedor. Contudo, o Bank Handlowy não precisou então se pedia a abertura de um processo principal nos termos do artigo 3.°, n.° 1, ou de um processo territorial nos termos do artigo 3.°, n.° 4, alínea b), do regulamento.
22. Em 20 de julho de 2009, o Tribunal de commerce de Meaux homologou o plano de proteção apresentado pelo devedor, que previa que os credores abrangidos pelo plano de pagamento seriam ressarcidos em pagamentos escalonados em 10 anos. Além disso, na mesma decisão o Tribunal designou um comissário para a execução do plano (commissaire à l’exécution du plan). Os administradores da insolvência anteriormente designados foram mantidos até ao fim do processo de verificação dos créditos e à entrega do relatório final sobre as suas atividades.
23. Em 2 de agosto de 2009, um outro credor da Christianapol, a P.P.H.U. «Adax» Ryszard Adamiak (com sede na Polónia), requereu igualmente ao órgão jurisdicional de reenvio a abertura de um processo de liquidação nos termos do direito polaco, também sem clarificar se pretendia a abertura de um processo principal ou territorial.
24. A Christianapol requereu inicialmente o indeferimento do pedido de abertura de um processo secundário na Polónia, por ser contrário aos objetivos e à natureza do processo de sauvegarde. Após a aprovação do plano de proteção, a Christianapol requereu o arquivamento do processo secundário, uma vez que o processo principal tinha sido encerrado. Requereu, além disso, o indeferimento dos restantes pedidos de declaração de insolvência porque cumpria as suas obrigações segundo a concordata aprovada pelo órgão jurisdicional francês, pelo que não era devedora de qualquer obrigação pecuniária.
25. Neste contexto, o órgão jurisdicional polaco solicitou ao Tribunal de commerce de Meaux informação sobre se, após a aprovação do plano de proteção, continuava pendente um processo principal em França. Nem a resposta do Tribunal de commerce de Meaux nem a perícia ordenada relativamente a esta questão permitiram obter a clarificação dessa questão.
26. No entanto, segundo o próprio órgão jurisdicional polaco declarou, o seu procedimento futuro dependerá do termo do processo francês: se este for encerrado, o órgão jurisdicional polaco considera-se em condições de instaurar um novo processo principal na Polónia; se o processo em França ainda não estiver encerrado, o órgão jurisdicional polaco instaurará somente um processo secundário.
27. Por despacho de 21 de fevereiro de 2011, o órgão jurisdicional de reenvio suspendeu a instância e apresentou ao Tribunal de Justiça as seguintes questões:
«1. O artigo 4.°, n.os 1 e 2, alínea j), do Regulamento (CE) n.° 1346/2000 deve ser interpretado no sentido de que o conceito de ‘encerramento do processo de insolvência’ utilizado nesta disposição deve ser entendido de modo [autónomo], independentemente das regulamentações aplicáveis nos sistemas jurídicos dos diferentes Estados-Membros, ou incumbe em exclusivo ao direito do Estado-Membro de abertura do processo determinar em que momento se verifica o encerramento do mesmo?
2. O artigo 27.° do Regulamento n.° 1346/2000 deve ser interpretado no sentido de que o órgão jurisdicional nacional a quem foi feito um pedido de abertura de um processo de insolvência secundário não pode em caso algum examinar a insolvência do devedor contra o qual foi aberto um processo de insolvência principal noutro Estado-Membro, ou no sentido de que esse órgão jurisdicional nacional pode, em certos casos, examinar a realidade da insolvência do devedor, sobretudo quando o processo principal seja um processo de proteção em que o juiz declarou que o devedor não é insolvente (processo francês desauvegarde)?
3. A interpretação do artigo 27.° do Regulamento n.° 1346/2000 permite a abertura de um processo secundário, cuja natureza é definida no artigo 3.°, n.° 3, segundo período, do referido regulamento, no Estado-Membro em cujo território se encontrem todos os bens da pessoa declarada insolvente, quando o processo principal, que beneficia de reconhecimento automático, tenha a natureza de um processo de proteção (processo francês de sauvegarde), tenha sido adotado e aprovado um plano de reembolso, cumprido pelo devedor[,] e o juiz tenha proibido toda e qualquer alienação dos bens do devedor?»
O Bank Handlowy, a Christianapol, os Governos francês, espanhol e polaco e a Comissão participaram no processo perante o Tribunal de Justiça.
IV — Apreciação jurídica
A — Quanto à primeira questão prejudicial
28. Em primeiro lugar, o órgão jurisdicional de reenvio pretende saber se o momento de encerramento do processo de insolvência é definido pelo direito nacional ou se, pelo contrário, deve ser definido de modo autónomo, à luz do direito da União. O órgão jurisdicional de reenvio refere, neste aspeto, a decisão do Tribunal de Justiça no processo Eurofood (7) e questiona se os princípios sobre a abertura de um processo de insolvência aí definidos também podem ser transpostos para o seu encerramento.
29. A República francesa e a Christianapol entendem que o encerramento deve ser interpretado de modo autónomo, à luz do direito da União, no sentido de que um processo de insolvência deve ser considerado encerrado assim que o devedor tiver recuperado o poder de dispor sobre os seus bens e o síndico tiver terminado as suas funções. Não é esta a minha perspetiva.
30. A lei aplicável aos processos de insolvência é determinada no artigo 4.° do regulamento. Este estabelece, no n.° 1, que é aplicável a lei do Estado-Membro em cujo território é aberto o processo (lex concursus). O n.° 2 precisa, numa enumeração exemplificativa (8), as áreas abrangidas pela lex concursus. O artigo 4.°, n.° 2, alínea j), menciona «as condições e os efeitos do encerramento do processo de insolvência, nomeadamente por concordata». De acordo com a letra do artigo 4.°, este é uma norma de conflitos que remete a questão do encerramento de um processo de insolvência para a legislação nacional.
31. O mesmo é confirmado pelo vigésimo terceiro considerando do regulamento, que determina que este deve estabelecer, quanto às matérias por ele abrangidas, «normas uniformes sobre o conflito de leis que substituam, dentro do respetivo âmbito de aplicação, as normas internas de direito internacional privado». Segundo esse considerando, a lex concursus determina «todos os efeitos processuais e materiais dos processos de insolvência sobre as pessoas e relações jurídicas em causa, regulando todas as condições de abertura, tramitação e encerramento do processo de insolvência».
32. Uma disposição sobre o conflito de leis caracteriza-se por não responder diretamente a uma questão de direito material e determinar unicamente por que lei a resposta se rege. Porém, uma definição autónoma da noção de «encerramento de um processo de insolvência», à luz do direito da União, como a França e a Christianapol concebem, determinaria o momento de encerramento do processo diretamente ao nível da União (e, como tal, criaria diretamente uma norma material), em vez de apenas remeter para a legislação nacional do Estado-Membro de abertura. Isso contraria a letra do artigo 4.° e do vigésimo terceiro considerando do regulamento.
33. Embora o Governo francês assinale, com razão, que as normas do direito da União, em caso de dúvidas quanto ao seu teor, devem ser interpretadas de modo autónomo e uniforme, tendo em conta o contexto da disposição e o objetivo prosseguido pelas normas em causa (9). No caso de normas sobre o conflito de leis, isso não deve levar a que uma disposição perca a sua natureza de norma de conflitos, na medida em que a questão de direito material é respondida logo ao nível da União. Deste modo, o Tribunal de Justiça também decidiu que o princípio de interpretação e aplicação uniforme do direito da União só é aplicável às disposições que não contenham nenhuma remissão expressa para o direito dos Estados-Membros para determinar o seu sentido e alcance (10). Contudo, o artigo 4.°, devido à sua remissão expressa para a lex concursus, não é passível de uma interpretação autónoma à luz do direito da União.
34. Também os objetivos do regulamento se opõem a uma interpretação autónoma, à luz do direito da União, do encerramento do processo. Como decorre do décimo primeiro considerando do regulamento, este não visa a criação de uma lei uniforme em matéria de insolvência, nem através de um processo de insolvência uniforme em toda a Europa, nem através do estabelecimento de direito material uniforme. Pelo contrário, o referido considerando parte do princípio de que não é praticável instituir um processo de insolvência uniforme de alcance universal. O regulamento limita-se, assim, como mostra o seu sexto considerando, às disposições sobre a competência e a coordenação de processos que correm termos em paralelo, e sobre a coexistência de diferentes normas dos Estados-Membros, e às normas relativas ao reconhecimento de decisões proferidas no âmbito de processos de insolvência. A regulação autónoma de questões processuais essenciais como, por exemplo, o encerramento de um processo, levaria a uma transformação sub-reptícia numa lei uniforme da insolvência, que não é assim prevista pelo regulamento.
35. No processo Eurofood, o Tribunal de Justiça definiu autonomamente, à luz do direito da União, as condições para uma «decisão que determin[a] a abertura de um processo de insolvência» (11). Todavia, ao contrário do que entendem a França e a Christianapol, esta decisão não é transponível para o caso em apreço.
36. Em primeiro lugar, o objeto da questão prejudicial no processo Eurofood era a expressão «[q]ualquer decisão que determine a abertura de um processo de insolvência» na aceção do artigo 16.° do regulamento, e não na aceção do artigo 4.° Em si, o artigo 16.° não tem natureza de norma de conflitos; pelo contrário, estabelece uma regra material, na medida em que determina a prioridade do processo de insolvência aberto em primeiro lugar. Deste modo, o artigo 16.°, ao contrário do artigo 4.°, é passível de uma interpretação autónoma à luz do direito da União.
37. Como acabo de referir, a interpretação adotada no acórdão Eurofood não tinha o objetivo de enunciar critérios gerais para se considerar, em princípio, aberto um processo de insolvência. Este aspeto é determinado pela lex concursus, referida no artigo 4.° Pelo contrário, o objetivo era garantir a aplicação uniforme do artigo 16.°, o que aliás era necessário, dado esse artigo ter natureza de norma material. O artigo 16.° serve para identificar a lex concursus aplicável. Para se poder aplicar a remissão do artigo 4.°, é necessário definir a ordem jurídica para a qual se deve remeter. O artigo 16.° rege este ponto, concedendo prioridade ao processo aberto em primeiro lugar. Contudo, esta regra de prioridade ficaria privada do seu efeito prático se em cada Estado-Membro fosse determinado de forma diferente qual o processo aberto em primeiro lugar. Para obviar a esta situação, era necessária uma interpretação uniforme da expressão «abertura» do artigo 16.°, como sucedeu no acórdão Eurofood.
38. Porém, o encerramento de um processo de insolvência não é comparável com a situação anterior à abertura do processo. Assim que é aberto um processo de insolvência na aceção do regulamento relativo aos processos de insolvência, o mesmo é reconhecido em todos os outros Estados-Membros, em conformidade com o artigo 16.°, n.° 1, impedindo assim a abertura de outros processos principais. Antes da abertura do processo, poderão surgir conflitos de competência, devido às regras distintas dos Estados-Membros, como o mostrou o processo Eurofood (12). Após a abertura de um processo principal, já não se podem verificar conflitos de competência, porque o regulamento criou, no artigo 16.°, um mecanismo adequado para evitar precisamente isso mesmo.
39. Como o caso em apreço evidencia, deixar que a questão do encerramento do processo seja decidida pela legislação nacional pode causar dificuldades na prática. Mas uma interpretação autónoma do conceito de encerramento do processo também não eliminaria essas dificuldades. Com efeito, a serem definidos critérios autónomos à luz do direito da União, os tribunais do Estado-Membro em que se pretende abrir um processo secundário terão de determinar se desses critérios são cumpridos no Estado-Membro do processo principal, o que, na prática, poderá ser igualmente difícil.
40. Assim, seria desejável que o legislador da União proporcionasse clareza no sentido, por exemplo, de ser exigido aos Estados-Membros que comuniquem o momento em que os processos mencionados nos anexos A e B são considerados encerrados do ponto de vista nacional, ou através da criação de um sistema de informação adequado. Contudo, as dificuldades práticas não justificam um desvio à letra e ao sistema criado pelo regulamento.
41. Por conseguinte, deve responder-se à primeira questão prejudicial que o artigo 4.°, n.os 1 e 2, alínea j), do regulamento deve ser interpretado no sentido de que só o direito nacional determina em que momento se verifica o «encerramento do processo de insolvência». Deste modo, no caso em apreço, só o direito francês determina se o processo aí pendente está encerrado ou não.
42. Dado que o órgão jurisdicional de reenvio, no seu pedido de decisão prejudicial, fez uma indicação neste sentido, permito-me ainda uma última observação, com vista a dar uma resposta útil: caso o processo em França esteja encerrado, é incontestável que o órgão jurisdicional de reenvio ficará impedido de abrir um processo secundário. Contudo, também ficará impedido de abrir um novo processo principal.
43. O órgão jurisdicional francês justificou a sua competência pelo facto de o centro dos interesses principais do devedor (Center of Main Interests — COMI) se situar em França, tendo, por isso, aberto um processo de insolvência principal em conformidade com o anexo A do regulamento. Contudo, no caso em apreço esta asserção parece ser questionável, na medida em que todo o património e as unidades de produção da Christianapol se situam na Polónia. No processo Interedil (13), o Tribunal de Justiça decidiu que o centro dos interesses principais deve ser identificado em função de critérios simultaneamente objetivos e determináveis por terceiros, o que também decorre do décimo terceiro considerando do regulamento (14). No caso das sociedades, o artigo 3.°, n.° 1, segundo período, do regulamento estabelece ainda a presunção de que o centro dos interesses principais é o local da respetiva sede estatutária. Face ao exposto, são vários os elementos que militam a favor de que o COMI da Christianapol se situava na Polónia.
44. Todavia, o órgão jurisdicional de reenvio não pode ignorar a afirmação do órgão jurisdicional francês de que o COMI se situa em França. A decisão de abertura do órgão jurisdicional francês deve ser reconhecida por todos os outros órgãos jurisdicionais dos Estados-Membros (15) e não pode ser fiscalizada (16). O artigo 25.° amplia este princípio de reconhecimento mútuo a todas as decisões relativas à tramitação e ao encerramento de um processo de insolvência, abrangendo, deste modo, também a decisão, do órgão jurisdicional que procedeu à abertura, de que o COMI se situa em França. Contudo, para poder abrir um processo principal, o órgão jurisdicional polaco teria de começar por determinar, em conformidade com o artigo 3.°, n.° 1, que o COMI do devedor se situa na Polónia. Todavia, desde que as circunstâncias factuais não se tenham alterado desde a abertura do processo francês de sauvegarde, o princípio de reconhecimento mútuo atrás explanado e já confirmado múltiplas vezes pelo Tribunal de Justiça opõe-se a essa determinação, porque equivaleria a uma fiscalização, a título acessório, da decisão francesa, algo que não é admitido pelo regulamento.
45. O reconhecimento também não pode ser recusado com recurso ao artigo 26.° do regulamento. O artigo 26.°, como o Tribunal de Justiça já decidiu no processo Eurofood (17), deve ser interpretado de forma estrita. Só se verifica uma violação da ordem pública se o reconhecimento ou execução violar um princípio fundamental do Estado requerido e por isso infringir, de forma inaceitável, a ordem jurídica desse Estado (18). No caso em apreço, tal não é evidente, não tendo tampouco sido argumentado pelas partes.
B — Quanto à terceira questão prejudicial
46. Com a sua terceira questão prejudicial, o órgão jurisdicional de reenvio pretende saber, no essencial, se um processo secundário também pode ser aberto nas circunstâncias do caso em apreço, isto é, quando o processo principal é um processo de recuperação e todo o património do devedor se situa no Estado-Membro em que a abertura de um processo secundário foi requerida., Como a questão de saber se, num caso dessa natureza, se pode sequer abrir um processo secundário logicamente precede a segunda questão prejudicial, isto é, a questão de saber, nessa eventualidade, como o processo é aberto, começarei por abordar a terceira questão prejudicial.
47. Subjacente a esta questão prejudicial está o facto de todo o património do devedor se situar na Polónia. A abertura de um processo de liquidação nos termos do direito polaco levaria, segundo as declarações do órgão jurisdicional de reenvio, a que a produção da Christianapol tivesse de ser suspensa e a exploração fechada, o que impediria uma reestruturação. Os objetivos do processo de recuperação francês seriam frustrados e o cumprimento do plano de proteção ficaria em risco. O órgão jurisdicional de reenvio questiona-se, portanto, se o facto de o processo principal ser um processo de recuperação obsta à admissibilidade de processos secundários.
1. Aplicabilidade do regulamento
48. Em primeiro lugar, deve esclarecer-se a questão da aplicabilidade do regulamento também a processos de recuperação. Segundo alega o Bank Handlowy, o regulamento é aplicável aos processos mencionados no anexo A, mas apenas quando esses processos, em concreto, cumprem as condições do artigo 1.°, n.° 1, do regulamento. Uma vez que o Tribunal de commerce de Meaux declarou, quando da abertura do processo de sauvegarde, que a Christianapol não é insolvente, o regulamento não é aplicável ao processo realizado em França. Por este motivo, o órgão jurisdicional polaco poderia recusar o reconhecimento do processo francês e abrir um novo processo principal independentemente deste.
49. Entendo, pelo contrário, que o regulamento relativo aos processos de insolvência também é aplicável neste caso, em que o processo principal é um processo de recuperação. O artigo 2.°, alínea a), define, com referência ao artigo 1.°, n.° 1, os processos de insolvência abrangidos pelo âmbito de aplicação do regulamento, remetendo, para o efeito, para os processos discriminados no anexo A do regulamento. Quando um processo está enumerado nessa lista, deve presumir-se que o regulamento é aplicável. Por conseguinte, o mesmo deve ser presumido no caso do processo francês de sauvegarde, que integra a lista do anexo A.
50. Os considerandos (19) e o teor do artigo 2.° demonstram que, adicionalmente, devem ser cumpridas as condições do artigo 1.°, n.° 1, para que o regulamento seja aplicável. Contudo, o regulamento não contém qualquer definição o conceito de «insolvência». A diferente conformação dos regimes de insolvência dos Estados-Membros e o entendimento, em parte bastante distinto, do que significa insolvência, também obstam a uma definição desse conceito. O regulamento tampouco visa uniformizar os processos de insolvência (20). Como o relatório explicativo da Convenção Europeia relativa aos processos de insolvência (21) mostra (22), é essencial para a aplicabilidade do regulamento que o processo no caso em apreço seja, da perspetiva do respetivo Estado-Membro, um processo de insolvência. Em caso de dúvida sobre se se trata de um processo na aceção do artigo 1.°, n.° 1, do regulamento, em particular, se o processo assenta na insolvência do devedor, deve, portanto, recorrer-se ao entendimento do Estado-Membro em que este processo é realizado.
51. Na audiência, o Governo francês declarou que a insolvência iminente do devedor é uma condição para a abertura de um processo de sauvegarde, pelo que, na perspetiva do legislador francês, no caso em apreço o devedor é insolvente e, consequentemente, as condições do artigo 1.°, n.° 1, encontram-se preenchidas.
52. O regulamento é, portanto, igualmente aplicável ao processo francês de sauvegarde.
2. Admissibilidade de processos secundários relativos a processos de recuperação principais
53. Dados os objetivos distintos dos processos de recuperação e de liquidação, coloca-se agora a questão de saber se os processos secundários ficam eventualmente excluídos se o processo principal, como sucede no caso em apreço, for um processo de recuperação.
54. Como o Governo espanhol também assinalou, o regulamento não distingue, no momento da instauração de processos secundários, consoante a natureza do processo principal. Quando um processo referido no anexo A está pendente como processo principal, os artigos 3.°, n.° 3, e 27.° admitem a abertura de um processo secundário, independentemente da natureza do processo principal. Textualmente, o regulamento autoriza, portanto, também em caso de processos principais sob a forma de processos de recuperação, a instauração de um processo secundário.
55. A exposição do órgão jurisdicional de reenvio mostra claramente que um processo de liquidação secundário pode perturbar ou até eliminar os objetivos de um processo de recuperação dessa natureza, o que seria, de facto, um resultado indesejável. Atendendo, em particular, a que as leis em matéria de insolvência de muitos Estados-Membros se afastam de processos de liquidação puros para consagrarem processos de recuperação e reorganização, e tendo em conta os aditamentos efetuados no anexo A do regulamento nos últimos anos (23), no sentido de incluir um número crescente de processos de recuperação, torna-se evidente que estes processos adquiriram uma importância cada vez maior, pelo que também devem ser abrangidos pelo regulamento.
56. Todavia, à exceção dos aditamentos ao anexo, o regulamento permaneceu inalterado pelo que, em casos concretos, o seu teor pode dar azo a contradições e problemas práticos, como o caso em apreço demonstra. Para que também seja possível executar processos de recuperação eficaz e eficientemente no âmbito do regulamento, é necessária uma interpretação das normas aplicáveis em matéria de coordenação processual orientada pelos objetivos do regulamento, interpretação essa que, como a Christianapol assinala com justeza, considere a evolução do regulamento. Uma interpretação nesse sentido permitirá atenuar as consequências negativas da instauração de um processo secundário descritas pelo órgão jurisdicional de reenvio.
57. Entendo, por este motivo, não ser necessária uma proibição generalizada da abertura de processos secundários relativamente a processos de recuperação principais.
58. Aliás, a interpretação, defendida pela Christianapol e por França, de que em geral não é possível abrir processos secundários no caso de processos de recuperação, está aliás fora de questão face aos objetivos prosseguidos com os processos secundários. Os processos secundários destinam-se, em particular, a proteger os credores locais, aos quais se pretende possibilitar a execução de um processo de insolvência local na sua língua e numa ordem jurídica que lhes seja familiar, facilitando a invocação dos seus direitos. A proibição generalizada de processos secundários no caso de processos de recuperação principais afetaria o regulamento na sua essência, na medida em que um complexo de processos fundamental previsto nas suas disposições seria completamente excluído. Esta consequência não seria compatível com o conceito de base do regulamento relativo aos processos de insolvência e iria além do necessário para a proteção de processos de recuperação.
3. Coordenação de processos principais e secundários no caso de processos de recuperação
59. Resta analisar como será possível coordenar processos principais e secundários na aceção do regulamento, quando o processo principal é um processo de recuperação e o processo secundário um processo de liquidação.
60. Por um lado, o regulamento prevê várias medidas que permitem ter em conta os objetivos do processo principal e garantir a unidade do processo de insolvência (24),mesmo quando o processo secundário é tramitado como processo de liquidação. Além disso, as partes nesse processo secundário devem respeitar os objetivos do regulamento e contribuir para que o processo principal não seja perturbado e os seus objetivos não sejam frustrados. Finalmente, os efeitos materiais do processo principal também devem ser respeitados no processo secundário.
a) Medidas no regulamento
61. O papel dominante do processo principal sobre o processo secundário, previsto no regulamento (25), permite ao síndico do processo principal influenciar o processo secundário sob múltiplas formas. Deste modo, o síndico pode, nos termos do artigo 33.°, n.° 1, requerer a suspensão da liquidação (26), independentemente da eventual possibilidade de suspensão na legislação nacional. O artigo 33.° estabelece, nesta medida, um fundamento autónomo para a suspensão. Além disso, o artigo 34.°, n.° 1, concede também ao síndico do processo principal o direito de propor um plano de recuperação, uma concordata ou quaisquer medidas análogas com vista a pôr termo ao processo secundário. Durante uma suspensão da liquidação nos termos do artigo 33.°, o artigo 34.°, n.° 3 do regulamento concede-lhe mesmo este direito em exclusivo. Deste modo, o síndico do processo principal pode evitar ou atrasar, pelo menos em parte, a liquidação dos bens do devedor para os poder usar para o processo de recuperação. Pode também promover eventuais soluções de recuperação no processo secundário.
62. Por outro lado, o regulamento permite, independentemente de uma proposta do síndico do processo principal, que se optem por soluções de recuperação também no processo secundário. Como o Governo espanhol assinalou com justeza, o artigo 27.°, segundo período, prevê apenas que o processo secundário deve ser um dos processos mencionados no anexo B. No entanto, o regulamento não estipula como esse processo deve ser concluído, pelo que é suficiente que esse processo possa terminar, em princípio, com a liquidação dos bens do devedor. Porém, se a lex concursus (27) desse processo secundário também previr soluções de recuperação, as mesmas podem ser igualmente utilizadas (28). Esta interpretação é confirmada pelo artigo 2.°, alínea c), do regulamento, que inclui no conceito de «processo de liquidação» os processos que possam ser encerrados «através de concordata ou de qualquer outra medida que ponha fim à situação de insolvência», partindo, deste modo, do princípio de que os processos de liquidação não têm necessariamente de terminar na liquidação dos bens.
63. Consequentemente, o regulamento relativo aos processos de insolvência permite, através dos mecanismos especificados, atenuar as consequências negativas de um processo secundário. Contudo, estes não representam uma solução definitiva e satisfatória do problema. Por um lado, importa considerar os processos secundários abertos em Estados-Membros em que não existe um processo único. Para satisfazer os requisitos do artigo 3.°, n.° 3, segundo período, devem recorrer a processos que possam terminar numa liquidação. É possível que o direito nacional não permita que processos desta natureza recorram a opções de encerramento que contribuam para uma recuperação, o que pode conduzir a resultados divergentes, em função da estrutura dos regimes de insolvência dos Estados-Membros. Isso contraria o princípio de segurança jurídica.
64. Por outro lado, as obrigações de coordenação e informação existentes, porque regulam o problema de forma meramente fragmentária, não conseguem excluir totalmente que a recuperação integral possa ser posta em perigo. Deste modo, a implementação de eventuais medidas de recuperação, também possíveis no processo secundário, como por exemplo uma moratória ou um perdão de dívida, depende do acordo de todos os credores interessados, como o demonstra o artigo 34.°, n.° 2, do regulamento. Tão-pouco a suspensão da liquidação por períodos de três meses é comparável com a suspensão definitiva da liquidação. Acresce que o direito de proposta do síndico, que lhe é concedido pelo artigo 34, n.° 1, não impede a liquidação caso esta seja decidida pelo organismo competente no processo secundário.
65. Por conseguinte, seria conveniente dispor de regras expressas de coordenação de processos de recuperação. Também me parecem existir argumentos a favor da admissão de processos de recuperação como processos secundários. Como ficou acima demonstrado, o regulamento já permite processos de recuperação paralelos em muitos casos, pelo que seria uma mera consequência lógica admiti-los expressamente e estabelecer regras adequadas em matéria de coordenação. Esta decisão, todavia, incumbe ao legislador da União.
b) Obrigação de respeitar os objetivos do processo principal
66. Enquanto não forem introduzidas alterações ao regulamento para sua clarificação, as partes devem respeitar os objetivos do processo principal, através dos instrumentos existentes e no âmbito do direito nacional. O princípio da cooperação leal com a União (artigo 4.°, n.° 3, TUE) obriga o órgão jurisdicional do processo secundário a considerar os objetivos do processo principal em todas as medidas a tomar e a garantir o respeito pelo sistema instituído pelo regulamento, que parte do princípio da confiança mútua, da exigência de coordenação de processos principais e secundários, do objetivo da criação de processos transfronteiriços eficientes e eficazes, e da prevalência do processo principal (29).
67. Isto é válido para todas as medidas previstas no direito nacional, nomeadamente, para decisões discricionárias ou para a escolha de entre várias opções, devendo ser selecionada a medida mais adequada a respeitar os objetivos do processo principal. A participação do síndico do processo principal no processo secundário também deve ser garantida pelo direito nacional.
68. Como a Comissão considera com justeza, o regulamento não obriga, em geral, à abertura de um processo secundário, apenas a permite. A decisão sobre se é sequer aberto um processo secundário continua, portanto, a caber ao órgão jurisdicional competente. E também nessa decisão, o mesmo órgão tem de considerar os objetivos do regulamento, bem como os efeitos do processo principal, analisando em particular se os credores envolvidos no processo principal, que aprovaram um plano de proteção, tentarão iludir as suas obrigações decorrentes desse plano de proteção através da instauração de um processo secundário.
c) Efeitos do processo principal
69. Além disso, os efeitos do despacho adotado pelo Tribunal de commerce de Meaux devem ser respeitados também do ponto de vista material. O artigo 25.° estabelece o dever de reconhecimento para todas «[a]s decisões relativas à tramitação e ao encerramento de um processo de insolvência proferidas por um órgão jurisdicional […]». O plano de proteção adotado em França é, indubitavelmente, uma decisão nesta aceção. Por conseguinte, as medidas estabelecidas nesse plano de proteção devem ser levadas em conta, tanto do ponto de vista processual como do ponto de vista do direito material.
70. Neste contexto, são determinantes os efeitos que o direito francês atribui ao plano de proteção (30). Como a Comissão sublinhou, as decisões contidas nesse plano devem ser consideradas ao nível material, face, por exemplo, à questão de saber em que medida o plano de proteção alterou o conteúdo dos créditos dos credores que apresentaram um pedido de declaração de insolvência secundário ou se o pedido de abertura de um processo secundário foi apresentado abusivamente por um credor envolvido no processo principal e que aprovou o plano de proteção.
71. Por conseguinte, a terceira questão deve ser respondida no sentido de que o artigo 27.° do regulamento permite a abertura de um processo secundário também quando o processo principal é um processo de recuperação.
C — Quanto à segunda questão prejudicial
72. Com a sua segunda questão prejudicial, o órgão jurisdicional de reenvio pretende saber se o artigo 27.° do regulamento, que regula a abertura de um processo secundário, proíbe o órgão jurisdicional do processo secundário de examinar a insolvência do devedor ou se, pelo contrário, este órgão jurisdicional pode examinar, em determinadas situações, a existência de insolvência do devedor.
73. Em algumas versões linguísticas do regulamento, o artigo 27.°, primeiro período, pode, na perspetiva do órgão jurisdicional de reenvio, ser entendido no sentido de que a insolvência do devedor não tem de ser examinada quando da abertura de um processo secundário (mas pode ser examinada); pelo contrário, noutras versões linguísticas, o mesmo artigo também pode ser lido no sentido de que a questão da insolvência do devedor não pode ser examinada pelo órgão jurisdicional competente.
74. Todavia, no meu entender, a comparação das versões linguísticas não evidencia esta discrepância. Pelo contrário, as versões linguísticas que comparei (31) contêm um elemento facultativo. A Comissão chega à mesma conclusão quanto às versões linguísticas que examinou. Ao contrário das declarações do órgão jurisdicional de reenvio, esta conclusão decorre também, em particular, da versão alemã («kann eröffnen») e da versão francesa («permet d’ouvrir»). Também a versão finlandesa, que assume, paralelamente à versão alemã, uma importância particular pelo facto de o regulamento ter sido adotado por iniciativa da Finlândia e da Alemanha (32), inclui inequivocamente um elemento facultativo («voi (…) aloittaa»).
75. Porém, isso não esclarece se o órgão jurisdicional do processo secundário pode examinar a insolvência do devedor no caso de abertura de um processo secundário. Com efeito, a expressão «permite» constante do artigo 27.° não é inequívoca. Por isso, tanto se pode referir à possibilidade geral de abertura de um processo secundário, como à questão da análise da insolvência em caso de abertura do processo secundário. Deste modo, deve recorrer-se aos objetivos do regulamento e à finalidade da disposição concreta (33) para determinar o seu significado.
76. O artigo 27.° tem por finalidade tornar dispensável um segundo exame por parte do órgão jurisdicional do processo secundário, contribuindo assim para acelerar o processo. Aparentemente, o legislador partiu do princípio de que um novo exame é dispensável, porque a insolvência do devedor já foi examinada quando da abertura do processo principal. O processo secundário abrange necessariamente bens do devedor já cobertos pela inibição de administração ou disposição de bens determinada no processo principal, o que torna desnecessário um novo exame da insolvência. No entanto, já nem sempre é esse o caso, tendo em conta a evolução, acima referida, das leis de insolvência para os processos de recuperação e os concomitantes aditamentos ao anexo A.
77. Além disso, o artigo 27.° do regulamento parte do princípio de que, se o órgão jurisdicional do processo secundário examinar a insolvência, existe o risco de o órgão jurisdicional competente ajuizar de forma distinta, por exemplo, porque a causa da insolvência do processo principal não ser conhecida e por isso recusa a abertura de um processo secundário. O regulamento não inclui qualquer definição do significado de insolvência. Como já foi mencionado, essa decisão incumbe em exclusivo aos Estados-Membros e diverge consideravelmente no seio da União Europeia. O artigo 27.° visa evitar eventuais problemas resultantes destas divergências. Contudo, não é possível transpor, sem restrições, este objetivo para os processos de recuperação, atendendo às finalidades prosseguidas pelos processos de recuperação e à sua tramitação.
78. Da mesma forma, o objetivo da celeridade processual não é necessariamente afetado num caso como o vertente. Com efeito, pretende-se somente evitar a repetição do exame da insolvência. Todavia, se o órgão jurisdicional polaco estivesse impedido de examinar a insolvência da Christianapol antes da abertura do processo de liquidação, poderia verificar-se a abertura de processo de liquidação contra um devedor que, entretanto, já voltou a ser solvente (também da perspetiva francesa). Este resultado não é, contudo, compatível com os objetivos do regulamento, além de que representaria uma ingerência excessiva nas normas processuais em vigor nos Estados-Membros, na medida em que seria criado um processo que não é só instaurado sem causa de insolvência conhecida ao nível nacional, é-o sem causa nenhuma de insolvência.
79. Além disso, este entendimento do artigo 27.° do regulamento poderia impedir os devedores de requerer atempadamente a abertura de um processo de recuperação. Com efeito, estes correriam o risco de serem expostos a um processo de liquidação num outro Estado-Membro sem exame prévia da insolvência, ainda que a respetiva situação financeira tivesse até então eventualmente voltado a melhorar.
80. Consequentemente, e também atendendo ao exposto sobre a terceira questão prejudicial (34), o exame da insolvência por parte do órgão jurisdicional do processo secundário é necessário se o processo principal for um processo de recuperação. Pelo contrário, se o processo principal não for um processo de recuperação ou de reestruturação, mas sim um processo de liquidação, o órgão jurisdicional do processo secundário fica impedido de realizar um novo exameda insolvência pelos motivos supramencionados.
81. Por conseguinte, deve responder-se à segunda questão prejudicial que o órgão jurisdicional do processo secundário pode examinar a insolvência do devedor se o processo principal for um processo de recuperação que não determine a insolvência do devedor.
V — Conclusão
82. À luz das considerações precedentes, proponho que o Tribunal de Justiça responda do seguinte modo às questões prejudiciais:
1. O artigo 4.°, n.os 1 e 2, alínea j), do Regulamento n.° 1346/2000 deve ser interpretado no sentido de que só o direito nacional determina em que momento se verifica o «encerramento do processo de insolvência».
2. O artigo 27.° do Regulamento n.° 1346/2000 deve ser interpretado no sentido de que o órgão jurisdicional nacional a que foi requerida a abertura de um processo de insolvência secundário pode examinar a insolvência do devedor se o processo principal for um processo de recuperação.
3. A interpretação do artigo 27.° do Regulamento n.° 1346/2000 permite que seja aberto um processo de insolvência secundário, mesmo quando o processo principal, sujeito a reconhecimento automático, seja um processo de recuperação ou reestruturação (como, por exemplo, o processo francês de sauvegarde).
1 — Língua original: alemão.
2 — JO L 160, p. 1, com a redação que lhe foi dada pelo Regulamento (CE) n.° 630/2005 do Conselho, de 12 de abril de 2005 (JO L 100, p. 1), e pelo Regulamento (CE) n.° 694/2006 do Conselho, de 27 de abril de 2006 (JO L 121, p. 1).
3 — No seu artigo 3.°, o regulamento distingue estes conceitos. Por processos secundários entendem-se, nos termos do artigo 3.°, n.° 3, os processos que são instaurados após a abertura do processo principal. Por sua vez, os processos territoriais são, em conformidade com o artigo 3.°, n.° 4, os processos que são instaurados antes da abertura do processo principal. Será esta a terminologia que utilizarei doravante.
4 — Tribunal da circunscrição de Poznań-cidade velha.
5 — Mandataire judiciaire e administrateur judiciaire.
6 — «Que Christianapol Sp. Z. o.o, n’est pas en état de cessation de paiments, puisque la trésorerie prévisionelle s’avère positive.».
7 — Acórdão de 2 de maio de 2006, Eurofood IFSC (C-341/04, Colet., p. I-03813).
8 — V. acórdão de 21 de janeiro de 2012, MG Probud Gdynia sp. z.o.o. (C-444/07, Colet., p. I-417, n.° 25).
9 — V. minhas conclusões de 10 de março de 2011, Interedil (acórdão de 20 de outubro de 2011, C-396/09, Colet., p. I-9915, n.° 39), e os acórdãos de 2 de abril de 2009, A (C-523/07, Colet., p. I-2805, n.° 34), e de 6 de março de 2008, Nordania Finans e BG Factoring (C-98/07, Colet., p. I—1281, n.° 17 e jurisprudência aí referida).
10 — V. acórdãos de 14 de fevereiro de 2012, Flachglas Torgau (C-204/09, n.° 37), e de 2 de abril de 2009, A (referido na nota 9, n.° 34 e jurisprudência aí referida).
11 — Referido na nota 7, n.° 54.
12 — Já referido na nota 7.
13 — Acórdão de 20 de outubro de 2011, Interedil (C-396/09, Colet., p. I 9915, n.° 49). A este respeito, v. também as minhas conclusões de 10 de março de 2011 neste processo, n.° 57.
14 — «O ‘centro dos interesses principais’ do devedor deve corresponder ao local onde o devedor exerce habitualmente a administração dos seus interesses, pelo que é determinável por terceiros.»
15 — V. o vigésimo segundo considerando do regulamento: «O presente regulamento deve prever o reconhecimento imediato de decisões relativas à abertura, tramitação e encerramento dos processos de insolvência abrangidos pelo seu âmbito de aplicação […]. […] O reconhecimento das decisões proferidas pelos órgãos jurisdicionais dos Estados-Membros tem de assentar no princípio da confiança mútua. […] A decisão proferida pelo órgão jurisdicional que proceder à abertura em primeiro lugar deve ser reconhecida nos demais Estados-Membros; […].»
16 — V. também acórdão de 2 de maio de 2006, Eurofood, referido na nota 7, n.° 42, e acórdão de 21 de janeiro de 2010, MG Probud Gdynia, já referido na nota 8, n.° 29.
17 — Já referido na nota 7, n.os 62 e segs.
18 — V. também o vigésimo segundo considerando, o qual determina que «[…] os motivos do não reconhecimento devem ser reduzidos ao mínimo.»
19 — Cf. o décimo considerando: «[…] Para que o presente regulamento seja aplicável, os processos […] devem […] respeitar o disposto no presente regulamento […].»
20 — V. o décimo primeiro considerando.
21 — Relatório Virgós-Schmit. Vários considerandos do regulamento baseiam-se neste relatório. Relativamente à sua relevância para a interpretação do regulamento, v. as conclusões do advogado-geral Jacobs de 27 de setembro de 2005, Eurofood IFSC (C-341/04, Colet, p. I-3813, n.° 2). Não foi publicado no Jornal Oficial, embora conste como documento do Conselho da União Europeia de 8 de julho de 1996 (6500/1/96).
22 — Virgós/Schmit, Report on the Convention on Insolvency Proceeedings, n.° 49.
23 — O processo francês de sauvegarde, por exemplo, só foi integrado posteriormente no anexo A do regulamento, pelo Regulamento (CE) n.° 694/2006 do Conselho, de 27 de abril de 2006 (JO L 121, p. 1).
24 — V. décimo segundo considerando: «[…] A necessidade de manter a unidade dentro da Comunidade é garantida por normas imperativas de coordenação com o processo principal.»
25 — V., além das normas relativas à coordenação processual constante do regulamento, o seu vigésimo considerando, que menciona o «papel dominante» do processo principal.
26 — Ainda que apenas por períodos de três meses. Contudo, decorre do artigo 33.°, n.° 1, quarta frase, que este período pode ser prorrogado sem restrições («[…] Pode ser prorrogada ou renovada por períodos da mesma duração»). V., a este respeito, a versão linguística inglesa «It may be continued or renewed for similar periods», a versão linguística francesa «Elle peut être prolongée ou renouvelée pour des périodes de même durée» ou a versão linguística espanhola «Podrá prolongarse o renovarse por períodos de la misma duración».
27 — Esta é definida no artigo 28.° para os processos secundários.
28 — Tal é o caso, por exemplo, de todos os Estados-Membros cujo regime de insolvência parte de um processo único.
29 — V. vigésimo terceiro, segundo e décimo segundo considerandos.
30 — Cf. vigésimo segundo considerando: «[…] Assim sendo, o reconhecimento automático deve conduzir a que os efeitos conferidos ao processo pela lei do Estado de abertura se estendam a todos os outros Estados-Membros. […]».
31 — Cf. a versão alemã «so kann […] eröffnen, ohne dass […] die Insolvenz des Schuldners geprüft wird», a versão francesa «permet d’ouvrir, […] une procédure secondaire d’insolvabilité sans que l’insolvabilité du débiteur soit examinée», a versão inglesa «shall permit […] the opening of secondary insolvency proceedings without the debtor’s insolvency being examined», a versão espanhola «permitirá abrir […] sin que sea examinada en dicho Estado la insolvencia del deudor», a versão italiana «permette di aprire […] senza che in questo altro Stato sia esaminata l’insolvenza del debitore», a versão grega «καθιστά δυνατή» e a versão finlandesa «voi […] aloittaa sekundäärimenettelyn ilman, että velallisen maksukyvyttömyyttä tutkitaan tässä toisessa valtiossa».
32 — V. segundo parágrafo do preâmbulo do regulamento.
33 — Ainda que se considere que o elemento facultativo do artigo 27.° se refere somente à questão da abertura do processo secundário e que, assim, esta disposição constitui uma proibição geral do exame da insolvência, esta proibição terá de ser interpretada e aplicada tendo em conta a finalidade e os objetivos do regulamento.
34 — Cf. n.° 57 e segs.