Processo C‑400/10 PPU
J. McB.
contra
L. E.
(pedido de decisão prejudicial apresentado pela Supreme Court)
«Cooperação judiciária em matéria civil – Matérias matrimonial e de responsabilidade parental – Convenção de Haia de 25 de Outubro de 1980 sobre os Aspectos Civis do Rapto Internacional de Crianças – Regulamento (CE) n.° 2201/2003 – Menores cujos progenitores não contraíram matrimónio – Direito de guarda do pai – Interpretação do conceito de ‘direito de guarda’ – Princípios gerais de direito e Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia»
Sumário do acórdão
1. Direitos fundamentais – Respeito pela vida privada e familiar
(Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia, artigo 7.°)
2. Cooperação judiciária em matéria civil – Competência, reconhecimento e execução de decisões em matéria matrimonial e de responsabilidade parental – Regulamento n.° 2201/2003 – Direito de guarda
(Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia, artigos 7.° e 24.°; Regulamento n.° 2201/2003 do Conselho, artigo 2.°, n.° 11)
1. Resulta do artigo 52.°, n.° 3, da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia que, na medida em que esta prevê direitos correspondentes a direitos garantidos pela Convenção Europeia para Protecção dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais, o seu sentido e o seu alcance são iguais aos conferidos por esta Convenção. Todavia, esta disposição não obsta a que o direito da União conceda uma protecção mais ampla. No que diz respeito ao artigo 7.° da mesma Carta, segundo o qual todas as pessoas têm direito ao respeito pela sua vida privada e familiar, pelo seu domicílio e pelas suas comunicações, a sua redacção é idêntica à do artigo 8.°, n.° 1, da convenção, salvo na medida em que utiliza as expressões «sua correspondência» em vez de «suas comunicações». Assim sendo, este artigo 7.° prevê direitos correspondentes aos garantidos pelo artigo 8.°, n.° 1, da convenção. Por conseguinte, há que dar ao artigo 7.° da Carta o mesmo sentido e o mesmo alcance conferidos ao artigo 8.°, n.° 1, da convenção, conforme é interpretado pela jurisprudência do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem.
(cf. n.° 53)
2. O Regulamento (CE) n.° 2201/2003, relativo à competência, ao reconhecimento e à execução de decisões em matéria matrimonial e em matéria de responsabilidade parental e que revoga o Regulamento n.° 1347/2000, deve ser interpretado no sentido de que não obsta a que o direito de um Estado‑Membro sujeite a aquisição do direito de guarda por parte do pai de um menor, não casado com a mãe deste último, à obtenção por parte do pai de uma decisão do órgão jurisdicional nacional competente que lhe atribua tal direito, que é susceptível de tornar ilícita, nos termos do artigo 2.°, n.° 11, deste regulamento, a deslocação da criança pela mãe ou a sua retenção.
Com efeito, o Regulamento n.° 2201/2003 não estabelece quem deve ter um direito de guarda susceptível de tornar ilícita a deslocação de um menor na acepção do seu artigo 2.°, n.° 11, mas remete para o direito do Estado‑Membro onde a criança tinha a sua residência habitual imediatamente antes da deslocação ou retenção no que respeita à designação do titular deste direito de guarda. Assim, é o direito deste Estado‑Membro que determina as condições em que o pai natural adquire o direito de guarda do seu filho, na acepção do artigo 2.°, n.° 9, do referido regulamento, sujeitando, se necessário, a aquisição deste direito à obtenção de uma decisão do órgão jurisdicional nacional competente que lho atribua. Por conseguinte, o Regulamento n.° 2201/2003 deve ser interpretado no sentido de que o carácter ilícito da deslocação de um menor para efeitos da aplicação deste regulamento depende exclusivamente da existência de um direito de guarda, atribuído pelo direito nacional aplicável, em violação do qual essa deslocação teve lugar.
Os artigos 7.° e 24.° da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia não obstam a esta interpretação.
Com efeito, embora, para efeitos da aplicação do Regulamento n.° 2201/2003 para determinar o carácter lícito da deslocação de um menor levado para outro Estado‑Membro pela mãe, o pai natural deste menor deva ter o direito de, antes da deslocação, recorrer ao órgão jurisdicional nacional competente para requerer que lhe seja atribuído o direito de guarda do seu filho, tal constituindo a própria essência do direito de um pai natural a uma vida privada e familiar nesse contexto, em contrapartida, o facto de o pai natural não ser, ao contrário da mãe, automaticamente titular de um direito de guarda do seu filho na acepção do artigo 2.° deste Regulamento n.° 2201/2003 não afecta o conteúdo essencial do seu direito à vida privada e familiar, referido no artigo 7.° da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia desde que o seu direito de requerer o direito de guarda ao órgão jurisdicional competente seja salvaguardado.
Esta constatação não é infirmada pelo facto de, na falta de iniciativas tomadas pelo pai em tempo útil com vista à obtenção do direito de guarda, este se encontrar na impossibilidade de, em caso de deslocação do menor para outro Estado‑Membro pela mãe, obter o regresso deste menor ao Estado‑Membro onde se encontrava a sua residência habitual anterior. Com efeito, essa deslocação representa o exercício lícito, pela mãe que tem a guarda do menor, do seu próprio direito de livre circulação, consagrado nos artigos 20.°, n.° 2, alínea a), TFUE e 21.°, n.° 1, TFUE, e do seu direito de determinar o lugar da residência do menor, sem que isto prive o pai natural da possibilidade de exercer o seu direito de apresentar um pedido com vista a obter, em seguida, o direito de guarda do menor ou o direito de visita deste último. Assim, o reconhecimento de um direito de guarda do seu filho ao pai natural, nos termos do artigo 2.°, n.° 11, do Regulamento n.° 2201/2003, não obstante a não atribuição de tal direito nos termos do direito nacional, iria contra as exigências de segurança jurídica e a necessidade de protecção dos direitos e liberdades de terceiros, na acepção do artigo 52.°, n.° 1, da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia, no caso em apreço os da mãe. Além disso, tal solução poderia violar o artigo 51.°, n.° 2, desta Carta.
Além disso, importa levar em conta a grande diversidade de relações existentes fora do âmbito do casamento e das relações entre os progenitores e os menores daqui resultantes, que se traduz num reconhecimento diferenciado do alcance e da partilha das responsabilidades parentais nos Estados‑Membros, o artigo 24.° da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia, em conjugação com o artigo 7.° da referida Carta deve ser lido no sentido de que não se opõe a que, para efeitos da aplicação do Regulamento n.° 2201/2003, o direito de guarda seja atribuído, em princípio, exclusivamente à mãe e que o pai natural apenas disponha de um direito de guarda por decisão judicial. Tal exigência permite, com efeito, ao órgão jurisdicional nacional competente proferir uma decisão sobre a guarda do menor, bem como sobre o direito de visita deste, levando em conta todos os elementos relevantes, nomeadamente as circunstâncias relativas ao nascimento do menor, a natureza da relação entre os progenitores, a relação entre cada progenitor e o menor assim como a capacidade de cada um dos progenitores para assumir o encargo da guarda. A tomada em consideração destes elementos é susceptível de proteger o superior interesse do menor, em conformidade com o artigo 24.°, n.° 2, da Carta.
(cf. n.os 43, 44, 55, 57‑59, 62‑64 e disp.)
ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Terceira Secção)
5 de Outubro de 2010 (*)
«Cooperação judiciária em matéria civil – Matérias matrimonial e de responsabilidade parental – Convenção de Haia de 25 de Outubro de 1980 sobre os Aspectos Civis do Rapto Internacional de Crianças – Regulamento (CE) n.° 2201/2003 – Menores cujos progenitores não contraíram matrimónio – Direito de guarda do pai – Interpretação do conceito de ‘direito de guarda’ – Princípios gerais de direito e Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia»
No processo C‑400/10 PPU,
que tem por objecto um pedido de decisão prejudicial nos termos do artigo 267.° TFUE, apresentado pela Supreme Court (Irlanda), por decisão de 30 de Julho de 2010, entrado no Tribunal de Justiça em 6 de Agosto de 2010, no processo
J. McB.
contra
L. E.,
O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Terceira Secção),
composto por: K. Lenaerts (relator), presidente de secção, R. Silva de Lapuerta, E. Juhász, T. von Danwitz e D. Šváby, juízes,
advogado‑geral: N. Jääskinen,
secretário: L. Hewlett, administradora principal,
visto o pedido do órgão jurisdicional de reenvio de submeter o reenvio prejudicial a tramitação urgente, em conformidade com o artigo 104.°‑B do Regulamento de Processo,
vista a decisão de 11 de Agosto de 2010 da Terceira Secção, que deferiu o referido pedido,
vistos os autos e após a audiência de 20 de Setembro de 2010,
vistas as observações apresentadas:
– em representação de J. McB., por D. Browne, SC, e D. Quinn, BL, mandatados por J. McDaid, solicitor,
– em representação de L. E., por G. Durcan, SC, N. Jackson e S. Fennell, BL, mandatados por M. Quirke, solicitor,
– em representação da Irlanda, por D. O’Hagan, na qualidade de agente, assistido por M. MacGrath, SC, e N. Travers, BL,
– em representação do Governo alemão, por J. Kemper, na qualidade de agente,
– em representação da Comissão Europeia, por A.‑M. Rouchaud‑Joët e M. Wilderspin, na qualidade de agentes,
ouvido o advogado‑geral,
profere o presente
Acórdão
1 O pedido de decisão prejudicial tem por objecto a interpretação do Regulamento (CE) n.° 2201/2003 do Conselho, de 27 de Novembro de 2003, relativo à competência, ao reconhecimento e à execução de decisões em matéria matrimonial e em matéria de responsabilidade parental e que revoga o Regulamento (CE) n.° 1347/2000 (JO L 338, p. 1).
2 Este pedido foi apresentado no âmbito de um litígio que opõe J. McB., pai de três menores, a L. E., mãe destes últimos, a propósito do regresso à Irlanda destes menores, que se encontram actualmente em Inglaterra com a mãe.
Quadro jurídico
Convenção de Haia de 1980
3 O artigo 1.° da Convenção de Haia, de 25 de Outubro de 1980, sobre os Aspectos Civis do Rapto Internacional de Crianças (a seguir «Convenção de Haia de 1980»), dispõe:
«A presente Convenção tem por objecto:
a) Assegurar o regresso imediato das crianças ilicitamente transferidas para qualquer Estado Contratante ou nele retidas indevidamente;
b) Fazer respeitar de maneira efectiva nos outros Estados Contratantes os direitos de custódia e de visita existentes num Estado Contratante.»
4 O artigo 3.° da referida Convenção tem a seguinte redacção:
«A deslocação ou a retenção de uma criança é considerada ilícita quando:
a) Tenha sido efectivada em violação de um direito de custódia atribuído a uma pessoa ou a uma instituição ou a qualquer outro organismo, individual ou conjuntamente, pela lei do Estado onde a criança tenha a sua residência habitual imediatamente antes da sua transferência ou da sua retenção; e
b) Este direito estiver a ser exercido de maneira efectiva, individualmente ou em conjunto, no momento da transferência ou da retenção, ou o devesse estar se tais acontecimentos não tivessem ocorrido.
O direito de custódia referido na alínea a) pode designadamente resultar quer de uma atribuição de pleno direito, quer de uma decisão judicial ou administrativa, quer de um acordo vigente segundo o direito deste Estado.»
5 O artigo 15.° da Convenção de Haia de 1980 tem a seguinte redacção:
«As autoridades judiciais ou administrativas de um Estado Contratante podem, antes de ordenar o regresso da criança, solicitar a produção pelo requerente de uma decisão ou de um atestado passado pelas autoridades do Estado da residência habitual da criança comprovando a ilicitude da transferência ou da retenção nos termos do [a]rtigo 3.° da Convenção, desde que esta decisão ou essa declaração possam ser obtidas no referido Estado. As autoridades centrais dos Estados Contratantes deverão na medida do possível auxiliar os requerentes a obter tal decisão ou atestado.»
Direito da União
6 O décimo sétimo considerando do Regulamento n.° 2201/2003 precisa:
«Em caso de deslocação ou de retenção ilícitas de uma criança, deve ser obtido sem demora o seu regresso; para o efeito, deverá continuar a aplicar‑se a [Convenção de Haia de 1980], completada pelas disposições do presente regulamento, nomeadamente o artigo 11.° […]»
7 Nos termos do trigésimo terceiro considerando do referido regulamento:
«O presente regulamento reconhece os direitos fundamentais e os princípios consagrados na Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia [a seguir ‘Carta’]; pretende, designadamente, garantir o pleno respeito dos direitos fundamentais da criança enunciados no artigo 24.° da [Carta].»
8 O artigo 2.°, n.° 9, do mesmo regulamento define o «direito de guarda» como visando «os direitos e as obrigações relativos aos cuidados devidos à criança e, em particular, o direito de decidir sobre o seu lugar de residência».
9 O artigo 2.°, n.° 11, do Regulamento n.° 2201/2003 precisa que a «[d]eslocação ou retenção […] de uma criança» é ilícita quando:
«a) Viole o direito de guarda conferido por decisão judicial, por atribuição de pleno direito ou por acordo em vigor por força da legislação do Estado‑Membro onde a criança tinha a sua residência habitual imediatamente antes da deslocação ou retenção;
e
b) No momento da deslocação ou retenção, o direito de guarda estivesse a ser efectivamente exercido, quer conjunta, quer separadamente, ou devesse estar a sê‑lo, caso não tivesse ocorrido a deslocação ou retenção. Considera‑se que a guarda é exercida conjuntamente quando um dos titulares da responsabilidade parental não pode, por força de uma decisão ou por atribuição de pleno direito, decidir sobre [o] local de residência da criança sem o consentimento do outro titular da responsabilidade parental.»
10 O artigo 11.° do referido regulamento, sob a epígrafe «Regresso da criança», dispõe:
«1. Os n.os 2 a 8 são aplicáveis quando uma pessoa, instituição ou outro organismo titular do direito de guarda pedir às autoridades competentes de um Estado‑Membro uma decisão, baseada na [Convenção de Haia de 1980], a fim de obter o regresso de uma criança que tenha sido ilicitamente deslocada ou retida num Estado‑Membro que não o da sua residência habitual imediatamente antes da deslocação ou retenção ilícitas.
[…]
3. O tribunal ao qual seja apresentado um pedido de regresso de uma criança, nos termos do disposto no n.° 1, deve acelerar a tramitação do pedido, utilizando o procedimento mais expedito previsto na legislação nacional.
Sem prejuízo do disposto no primeiro parágrafo, o tribunal deve pronunciar‑se o mais tardar no prazo de seis semanas a contar da apresentação do pedido, excepto em caso de circunstâncias excepcionais que o impossibilitem.
[…]
6. Se um tribunal tiver proferido uma decisão de retenção, ao abrigo do artigo 13.° da Convenção de Haia de 1980, deve imediatamente enviar, directamente ou através da sua autoridade central, uma cópia dessa decisão e dos documentos conexos, em especial as actas das audiências, ao tribunal competente ou à autoridade central do Estado‑Membro da residência habitual da criança imediatamente antes da sua retenção ou deslocação ilícitas, tal como previsto no direito interno. O tribunal deve receber todos os documentos referidos no prazo de um mês a contar da data da decisão de retenção.
7. Excepto se uma das partes já tiver instaurado um processo nos tribunais do Estado‑Membro da residência habitual da criança imediatamente antes da retenção ou deslocação ilícitas, o tribunal ou a autoridade central que receba a informação referida no n.° 6 deve notificá‑la às partes e convidá‑las a apresentar as suas observações ao tribunal, nos termos do direito interno, no prazo de três meses a contar da data da notificação, para que o tribunal possa analisar a questão da guarda da criança.
Sem prejuízo das regras de competência previstas no presente regulamento, o tribunal arquivará o processo se não tiver recebido observações dentro do prazo previsto.
8. Não obstante uma decisão de retenção, proferida ao abrigo do artigo 13.° da Convenção de Haia de 1980, uma decisão posterior que exija o regresso da criança, proferida por um tribunal competente ao abrigo do presente regulamento, tem força executória nos termos da secção 4 do capítulo III, a fim de garantir o regresso da criança.»
11 O artigo 60.° do Regulamento n.° 2201/2003, intitulado «Relações com determinadas convenções multilaterais», tem a seguinte redacção:
«Nas relações entre os Estados‑Membros, o presente regulamento prevalece sobre as seguintes convenções, na medida em que estas se refiram a matérias por ele reguladas:
[…]
e) [Convenção de Haia de 1980]».
12 O artigo 62.° do referido regulamento, sob a epígrafe «Alcance dos efeitos», prevê no seu n.° 2:
«As convenções mencionadas no artigo 60.°, nomeadamente a Convenção de Haia de 1980, continuam a produzir efeitos entre os Estados‑Membros que nelas são partes, na observância do disposto no artigo 60.°».
Direito nacional
13 Resulta da decisão de reenvio que, em direito irlandês, o pai natural dos menores não beneficia de pleno direito do direito de guarda. Além disso, o facto de progenitores não casados terem coabitado e de o pai ter participado activamente na educação do menor não confere, por si só, tal direito ao pai.
14 Todavia, nos termos do artigo 6.°‑A da Lei de 1964 relativa à tutela de menores (Guardianship of Infants Act 1964), conforme alterada pelo artigo 12.° da Lei de 1987 relativa ao estatuto dos menores (Status of Children Act 1987), «quando o pai e a mãe não contraíram reciprocamente matrimónio, o tribunal pode, mediante pedido do pai, nomeá‑lo, por decisão judicial, tutor da criança».
15 O artigo 11.°, n.° 4, da Lei de 1964 relativa à tutela de menores, conforme alterada pelo artigo 13.° da Lei de 1987 relativa ao estatuto dos menores, dispõe:
«No caso de um menor cujos pai e mãe não são casados entre si, o direito de apresentar, nos termos do presente artigo, um pedido relativo à guarda do menor e ao direito de visita do pai ou da mãe é extensível ao pai que não seja tutor do menor e, para este efeito, as referências feitas no presente artigo ao pai ou ao progenitor de um menor são interpretadas no sentido de o incluir».
16 A Lei de 1991 relativa ao rapto de crianças e à execução de decisões em matéria de guarda (Child Abduction and Enforcement of Custody Orders Act 1991), conforme alterada pelo Regulamento de 2005 adoptado no âmbito das Comunidade Europeias (decisões em matéria matrimonial e em matéria de responsabilidade parental) [European Communities (Judgments in Matrimonial Matters and Matters of Parental Responsibility) Regulations 2005], dispõe no seu artigo 15.°:
«Mediante pedido apresentado nos termos do artigo 15.° da [Convenção de Haia de 1980], por uma pessoa que o tribunal considere ter interesse no processo, este órgão jurisdicional pode emitir uma declaração indicando que a deslocação de um menor do seu território ou a sua retenção fora do Estado constitui:
a) no caso de deslocação ou retenção num Estado‑Membro, uma deslocação ou retenção ilícitas na acepção do artigo 2.° [do regulamento] ou,
b) em qualquer outro caso, ilícita na acepção do artigo 3.° da [Convenção de Haia de 1980]».
Litígio no processo principal e questão prejudicial
Circunstâncias factuais que estiveram na base do litígio no processo principal
17 Decorre dos autos submetidos ao Tribunal de Justiça que o recorrente no processo principal, J. McB., de nacionalidade irlandesa, e a recorrida no mesmo processo, L. E., de nacionalidade britânica, que nunca chegaram a casar, coabitaram durante mais de dez anos em Inglaterra, na Austrália, na Irlanda do Norte e, a partir de Novembro de 2008, na Irlanda. Tiveram três filhos, a saber, J., nascido na Inglaterra em 21 de Dezembro de 2000; E., nascido na Irlanda do Norte em 20 de Novembro de 2002; e J. C., nascida na Irlanda do Norte em 22 de Julho de 2007.
18 Tendo‑se deteriorado a relação entre os progenitores em finais de 2008 e princípios de 2009, a mãe, alegando nomeadamente agressões por parte do pai, fugiu com os filhos, por diversas ocasiões, para um centro feminino de refúgio. Em Abril de 2009, os dois progenitores reconciliaram‑se e decidiram casar‑se em 10 de Outubro de 2009. Todavia, o pai descobriu, em 11 de Julho de 2009, quando regressou de uma viagem de negócios à Irlanda do Norte, que a mãe tinha de novo deixado o domicílio familiar com os seus filhos e se tinha instalado no referido centro feminino de refúgio.
19 Em 15 de Julho de 2009, os advogados do pai elaboraram, a pedido deste, uma petição inicial apresentada no órgão jurisdicional irlandês competente, a District Court, com o objectivo de obter o direito de guarda dos três filhos. Todavia, em 25 de Julho de 2009, a mãe foi de avião para Inglaterra com os três filhos acima referidos, bem como com outro filho mais velho, fruto de uma relação anterior. Nesta data, a referida petição não tinha sido notificada à mãe, de modo que, em conformidade com o direito processual irlandês, a acção não foi correctamente intentada e não se encontrava, por conseguinte, pendente qualquer procedimento perante o órgão jurisdicional irlandês.
Processo judicial instaurado pelo pai em Inglaterra
20 Em 2 de Novembro de 2009, J. McB. intentou uma acção na High Court of Justice (England & Wales), Family Division (Reino Unido), que tinha por objecto obter o regresso dos menores à Irlanda, em conformidade com as disposições da Convenção de Haia de 1980 e do Regulamento n.° 2201/2003. Por despacho de 20 de Novembro de 2009, esse órgão jurisdicional solicitou ao pai a apresentação, nos termos do artigo 15.° da mesma Convenção, de uma decisão ou de um atestado passado pelas autoridades irlandesas comprovando a ilicitude da transferência dos menores na acepção do artigo 3.° da referida Convenção.
Processo judicial instaurado pelo pai na Irlanda
21 Em 22 de Dezembro de 2009, J. McB. intentou uma acção na High Court (Irlanda) que tinha por objecto a obtenção, por um lado, de uma decisão ou de um atestado que declarasse ilícita a transferência dos três menores em 25 de Julho de 2009, na acepção do artigo 3.° da Convenção de Haia de 1980, e, por outro, do direito de guarda.
22 Por acórdão de 28 de Abril de 2010, a referida High Court negou provimento ao primeiro pedido com fundamento no facto de o pai não ser titular de nenhum direito de guarda dos menores à data da sua deslocação, de modo que esta não era ilícita na acepção da Convenção de Haia de 1980 ou do Regulamento n.° 2201/2003.
23 O pai interpôs recurso desta decisão para o órgão jurisdicional de reenvio. No seu pedido de decisão prejudicial, o órgão jurisdicional de reenvio salienta que, à data de 25 de Julho de 2009, o pai não era titular de nenhum direito de guarda dos seus filhos, na acepção das disposições da Convenção de Haia de 1980. Todavia, observa que, para efeitos dos pedidos de regresso de crianças de um Estado‑Membro para outro com fundamento na Convenção de Haia de 1980, o conceito de «direito de guarda» passou a estar definido no artigo 2.°, n.° 9, do referido regulamento.
24 O órgão jurisdicional de reenvio considera que nem as disposições do Regulamento n.° 2201/2003 nem o artigo 7.° da Carta implicam que o pai natural de um menor deva necessariamente ser considerado titular de um direito de guarda sobre este, para efeitos da determinação do carácter lícito ou ilícito da deslocação da criança, caso não exista uma decisão judicial que lhe atribua tal direito. Todavia, reconhece que a interpretação destas disposições do direito da União é da competência do Tribunal de Justiça.
25 Nestas condições, a Supreme Court decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça a seguinte questão prejudicial:
«Obsta o Regulamento [n.° 2201/2003], interpretado em conformidade com o artigo 7.° da [Carta] ou de outra forma, a que a lei de um Estado‑Membro exija que o pai de uma criança que não [casou] com a mãe desta última obtenha do tribunal competente uma decisão que lhe atribua a sua guarda de modo a [ser‑lhe] reconhecido este ‘direito de guarda’, tornando assim ilícita a deslocação da criança para fora do país da sua residência habitual, por aplicação do artigo 2.°, n.° 11, deste regulamento?»
Quanto à tramitação urgente
26 O órgão jurisdicional de reenvio pediu que o presente reenvio prejudicial fosse sujeito a tramitação urgente prevista no artigo 104.°‑B do Regulamento de Processo do Tribunal de Justiça.
27 Este pedido foi fundamentado com o argumento de que, segundo o décimo sétimo considerando do Regulamento n.° 2201/2003, em caso de deslocação ilícita de uma criança, deve ser obtido sem demora o seu regresso.
28 A este respeito, importa salientar que resulta da decisão de reenvio que o presente processo se refere a três menores, com idades, respectivamente, de 3, 7 e 9 anos, que se encontram separados do pai há mais de um ano. Tendo em conta que se trata de menores de tenra idade, em particular no que se refere ao mais novo de entre estes, prolongar a situação actual poderia prejudicar seriamente as relações destes com o pai.
29 Nestas condições, mediante proposta do juiz‑relator, ouvido o advogado‑geral, a Terceira Secção do Tribunal de Justiça decidiu, em 11 de Agosto de 2010, deferir o pedido do órgão jurisdicional de reenvio no sentido de o reenvio prejudicial ser sujeito a tramitação urgente.
Quanto à questão prejudicial
Quanto à admissibilidade
30 A Comissão Europeia interroga‑se sobre a admissibilidade do pedido de decisão prejudicial e o Governo alemão alega que este é inadmissível. Salientam, no essencial, que o litígio no processo principal não tem por objecto o regresso dos menores, nos termos do artigo 11.° do Regulamento n.° 2201/2003, mas a obtenção, prévia ao regresso, de uma decisão comprovando a ilicitude da transferência dos menores nos termos do artigo 15.° da Convenção de Haia de 1980. Assim, este litígio tem por objecto a questão de saber se a deslocação dos menores é lícita, não na acepção do artigo 2.°, n.° 11, do referido regulamento, mas na acepção dos artigos 1.° e 3.° da mesma Convenção. Com efeito, o recorrente no processo principal submeteu aos órgãos jurisdicionais irlandeses competentes um pedido no sentido de que estes emitam uma decisão ou um atestado comprovando a ilicitude da deslocação ou da retenção dos seus filhos na acepção do artigo 3.° da referida Convenção. Apresentou este pedido pelo facto de a High Court of Justice (England & Wales), Family Division, lhe ter exigido essa decisão ou atestado, em conformidade com o artigo 15.° desta Convenção.
31 Contudo, o Regulamento n.° 2201/2003, nomeadamente o seu artigo 11.°, não se refere ao processo previsto no artigo 15.° da Convenção de Haia de 1980, relativo à declaração da ilicitude da transferência de um menor, mas exclusivamente ao relativo ao seu regresso. Assim, o artigo 11.° do dito regulamento apenas será pertinente no termo do processo relativo ao artigo 15.° da referida Convenção e desde que seja intentado o processo relativo ao regresso dos menores, de modo que a questão prejudicial submetida pelo órgão jurisdicional de reenvio é prematura.
32 A este respeito, importa recordar que, segundo jurisprudência do Tribunal de Justiça, compete exclusivamente aos órgãos jurisdicionais nacionais chamados a conhecer do litígio e aos quais cabe a responsabilidade pela decisão judicial a proferir apreciar, tendo em conta as particularidades de cada caso, tanto a necessidade de uma decisão prejudicial para poder proferir a sentença como a pertinência das questões submetidas ao Tribunal de Justiça (acórdão de 30 de Novembro de 2006, Brünsteiner e Autohaus Hilgert, C‑376/05 e C‑377/05, Colect., p. I‑11383, n.° 26 e jurisprudência aí referida).
33 Consequentemente, como as questões submetidas têm por objecto a interpretação do direito da União, o Tribunal de Justiça é, em princípio, obrigado a decidir (v., designadamente, acórdãos de 13 de Março de 2001, PreussenElektra, C‑379/98, Colect., p. I‑2099, n.° 38, e de 1 de Outubro de 2009, Gottwald, C‑103/08, Colect., p. I‑9117, n.° 16).
34 Daqui decorre que a presunção de pertinência das questões prejudiciais submetidas pelos órgãos jurisdicionais nacionais só pode ser ilidida em casos excepcionais, nomeadamente quando é manifesto que a interpretação solicitada das disposições do direito da União mencionadas nessas questões não tem nenhuma relação com a realidade ou com o objecto da lide principal (v., designadamente, acórdãos Gottwald, já referido, n.° 17, e de 22 de Abril de 2010, Dimos Agios Nikolaos, C‑82/09, Colect., p. I‑0000, n.° 15).
35 No caso em apreço, o órgão jurisdicional de reenvio considera que necessita de uma interpretação do Regulamento n.° 2201/2003, e nomeadamente do seu artigo 2.°, n.° 11, para decidir o pedido que lhe foi submetido, que visa obter uma decisão ou um atestado comprovando a ilicitude da deslocação ou da retenção dos menores em causa no litígio no processo principal. Além disso, resulta da legislação nacional aplicável, a saber, o artigo 15.° da Lei de 1991 relativa ao rapto de crianças e à execução de decisões em matéria de guarda, conforme alterada pelo Regulamento de 2005 adoptado no âmbito das Comunidades Europeias (decisões em matéria matrimonial e em matéria de responsabilidade parental), que, em caso de deslocação de um menor para outro Estado‑Membro, o órgão jurisdicional nacional deve pronunciar‑se sobre a licitude da deslocação à luz do artigo 2.° do Regulamento n.° 2201/2003 quando um requerente lhe apresenta um pedido com vista a que profira tal decisão ou atestado em conformidade com o artigo 15.° da Convenção de Haia de 1980.
36 Além disso, importa salientar que, por força do artigo 60.° do Regulamento n.° 2201/2003, nas relações entre Estados‑Membros, este prevalece sobre a Convenção de Haia de 1980 na medida em que esta última se refira a matérias reguladas por este regulamento. Sem prejuízo da primazia deste último, esta Convenção continua a produzir efeitos entre os Estados‑Membros que sejam partes contratantes nesta Convenção, no respeito do artigo 60.°, em conformidade com o artigo 62.°, n.° 2, do mesmo regulamento, como é referido no seu décimo sétimo considerando. Assim, os raptos de menores de um Estado‑Membro para outro são doravante regulados por um conjunto de normas constituído pelas disposições da Convenção de Haia de 1980, conforme complementadas pelas disposições do Regulamento n.° 2201/2003, sendo certo que são estas últimas que prevalecem no âmbito de aplicação deste.
37 Nestas condições, não se afigura que a interpretação solicitada pelo órgão jurisdicional de reenvio seja desprovida de pertinência em face da decisão que este é chamado a proferir.
38 Consequentemente, é de julgar admissível o pedido de decisão prejudicial.
Quanto ao mérito
39 O órgão jurisdicional de reenvio pergunta, no essencial, se o Regulamento n.° 2201/2003 deve ser interpretado no sentido de que obsta a que o direito de um Estado‑Membro sujeite a aquisição do direito de guarda por parte do pai de um menor, que não casou com a mãe deste último, à obtenção de uma decisão do órgão jurisdicional nacional competente que atribua ao pai esse direito de guarda, o qual é susceptível de tornar ilícita a deslocação do menor ou a sua retenção pela mãe, na acepção do artigo 2.°, n.° 11, deste regulamento.
40 A este respeito, importa recordar que o artigo 2.°, n.° 9, do referido regulamento define o «direito de guarda» como visando «os direitos e as obrigações relativos aos cuidados devidos à criança e, em particular, o direito de decidir sobre o seu lugar de residência».
41 Na medida em que o conceito de «direito de guarda» é assim definido pelo Regulamento n.° 2201/2003, é autónomo em relação ao direito dos Estados‑Membros. Com efeito, decorre tanto das exigências da aplicação uniforme do direito da União como do princípio da igualdade que os termos de uma disposição deste direito que não contenha uma remissão expressa para o direito dos Estados‑Membros para a determinação do seu sentido e do seu alcance devem normalmente ter, em toda a União, uma interpretação autónoma e uniforme, que deve ser procurada tendo em conta o contexto da disposição e o objectivo prosseguido pela regulamentação em causa (acórdão de 17 de Julho de 2008, Kozłowski, C‑66/08, Colect., p. I‑6041, n.° 42 e jurisprudência aí referida). Assim, para efeitos da aplicação do mesmo regulamento, o direito de guarda abrange, de qualquer modo, o direito de o titular deste direito decidir sobre o lugar de residência do menor.
42 Uma questão diferente é a da designação do titular do direito de guarda. A este respeito, resulta do artigo 2.°, n.° 11, alínea a), do referido regulamento que o carácter lícito ou ilícito da deslocação de um menor depende da existência de um «direito de guarda conferido por decisão judicial, por atribuição de pleno direito ou por acordo em vigor por força da legislação do Estado‑Membro onde a criança tinha a sua residência habitual imediatamente antes da deslocação ou retenção».
43 Daqui decorre que o Regulamento n.° 2201/2003 não estabelece quem deve ter um direito de guarda susceptível de tornar ilícita a deslocação de um menor na acepção do seu artigo 2.°, n.° 11, mas remete para o direito do Estado‑Membro onde a criança tinha a sua residência habitual imediatamente antes da deslocação ou retenção no que respeita à designação do titular deste direito de guarda. Assim, é o direito deste Estado‑Membro que determina as condições em que o pai natural adquire o direito de guarda do seu filho, na acepção do artigo 2.°, n.° 9, do referido regulamento, sujeitando, se necessário, a aquisição deste direito à obtenção de uma decisão do órgão jurisdicional nacional competente que lho atribua.
44 Tendo em conta o exposto, há que interpretar o Regulamento n.° 2201/2003 no sentido de que o carácter ilícito da deslocação de um menor para efeitos da aplicação deste regulamento depende exclusivamente da existência de um direito de guarda, atribuído pelo direito nacional aplicável, em violação do qual essa deslocação teve lugar.
45 Todavia, o órgão jurisdicional de reenvio coloca a questão de saber se a Carta, e nomeadamente o seu artigo 7.°, tem incidência nesta interpretação do referido regulamento.
46 O recorrente no processo principal contesta que a deslocação de um menor pela sua mãe contra a vontade do seu pai natural não seja ilícita à luz da Convenção de Haia de 1980 e do Regulamento n.° 2201/2003, mesmo que o pai tenha vivido com o seu filho e com a mãe deste sem terem casado, e que tenha participado activamente na educação desta criança.
47 Em seu entender, a interpretação do referido regulamento apresentada no n.° 44 do presente acórdão pode conduzir a uma situação tal que não seja compatível com o seu direito ao respeito da vida privada e familiar, consagrado no artigo 7.° da Carta e no artigo 8.° da Convenção Europeia para Protecção dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais (a seguir «CEDH»), nem com os direitos do menor, enunciados no artigo 24.° da mesma Carta. Para efeitos do Regulamento n.° 2201/2003, o «direito de guarda» deve ser interpretado no sentido de que este direito é adquirido de pleno direito pelo pai natural na situação em que este e os seus filhos tenham uma vida familiar idêntica à de uma família baseada no casamento. Se não for adoptada esta interpretação, o direito «potencial» do pai, que lhe permite apresentar um pedido ao órgão jurisdicional nacional competente e, eventualmente, obter o direito de guarda, poderá ser privado de qualquer efeito em consequência de actos levados a cabo unilateralmente pela mãe e contra a vontade do pai. Ora, deve ser protegida de maneira adequada a efectividade do direito de apresentar esse pedido.
48 O órgão jurisdicional de reenvio indica que, no direito irlandês, o pai natural é apenas titular do direito de guarda do seu filho se este direito lhe for atribuído por acordo celebrado entre os progenitores ou por decisão judicial, enquanto a mãe é automaticamente titular desse direito, sem ser necessário que lhe seja atribuído.
49 Nestas condições, cumpre verificar se o respeito dos direitos fundamentais do pai natural e dos seus filhos obsta à interpretação do Regulamento n.° 2201/2003 apresentada no n.° 44 do presente acórdão.
50 A este propósito, importa recordar que, em conformidade com o artigo 6.°, n.° 1, primeiro parágrafo, TUE, a União reconhece os direitos, as liberdades e os princípios enunciados na Carta, «que tem o mesmo valor jurídico que os Tratados».
51 Em primeiro lugar, nos termos do seu artigo 51.°, n.° 1, as disposições da Carta têm exclusivamente por destinatários os Estados‑Membros quando estes aplicam o direito da União. Nos termos do n.° 2 deste mesmo artigo, a Carta não torna o âmbito de aplicação do direito da União extensivo a competências que não sejam as da União, nem «cria quaisquer novas atribuições ou competências para a União, nem modifica as atribuições e competências definidas pelos Tratados». Assim, o Tribunal de Justiça é chamado a interpretar, à luz da Carta, o direito da União nos limites das competências atribuídas a esta.
52 Daqui decorre que, no âmbito do presente processo, importa levar em consideração a Carta apenas para efeitos da interpretação do Regulamento n.° 2201/2003, sem proceder a uma apreciação do direito nacional enquanto tal. Trata‑se, mais especificamente, de verificar se as disposições da Carta obstam à interpretação deste regulamento apresentada no n.° 44 do presente acórdão, tendo em conta, nomeadamente, a remissão para o direito nacional que esta interpretação implica.
53 Além disso, resulta do artigo 52.°, n.° 3, da Carta que, na medida em que esta prevê direitos correspondentes a direitos garantidos pela CEDH, o seu sentido e o seu alcance são iguais aos conferidos por esta Convenção. Todavia, esta disposição não obsta a que o direito da União conceda uma protecção mais ampla. Nos termos do artigo 7.° da mesma Carta, «[t]odas as pessoas têm direito ao respeito pela sua vida privada e familiar, pelo seu domicílio e pelas suas comunicações». A redacção do artigo 8.°, n.° 1, da CEDH é idêntica à do referido artigo 7.°, salvo na medida em que utiliza as expressões «sua correspondência» em vez de «suas comunicações». Assim sendo, é de concluir que este artigo 7.° prevê direitos correspondentes aos garantidos pelo artigo 8.°, n.° 1, da CEDH. Por conseguinte, há que dar ao artigo 7.° da Carta o mesmo sentido e o mesmo alcance conferidos ao artigo 8.°, n.° 1, da CEDH, conforme é interpretado pela jurisprudência do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem (v., por analogia, acórdão de 14 de Fevereiro de 2008, Varec, C‑450/06, Colect., p. I‑581, n.° 48).
54 O Tribunal Europeu dos Direitos do Homem já examinou um processo cujos factos eram idênticos aos do processo principal, tendo o filho de duas pessoas não casadas sido deslocado para outro Estado‑Membro pela mãe, que era a única a dispor da autoridade parental sobre o menor. A este respeito, esse tribunal decidiu, no essencial, que uma legislação nacional que concede, de pleno direito, a autoridade parental sobre um menor apenas à mãe deste não é contrária ao artigo 8.° da CEDH interpretado à luz da Convenção de Haia de 1980, desde que autorize o pai do menor, que não dispõe da autoridade parental, a requerer ao órgão jurisdicional nacional competente a alteração da atribuição desta autoridade (v. TEDH, decisão Guichard c. França de 2 de Setembro de 2003, Colectânea dos acórdãos e decisões 2003‑X; v., igualmente, neste sentido, decisão Balbontin c. Reino Unido de 14 de Setembro de 1999, petição n.° 39067/97).
55 Daqui decorre que, para efeitos da aplicação do Regulamento n.° 2201/2003 para determinar o carácter lícito da deslocação de um menor, levado para outro Estado‑Membro pela mãe, o pai natural deste menor deve ter o direito de, antes da deslocação, recorrer ao órgão jurisdicional nacional competente para requerer que lhe seja atribuído o direito de guarda do seu filho, tal constituindo a própria essência do direito de um pai natural a uma vida privada e familiar nesse contexto.
56 Com efeito, o Tribunal Europeu dos Direitos do Homem também decidiu que uma legislação nacional que não conceda ao pai natural nenhuma possibilidade de obter o direito de guarda do seu filho caso não exista o acordo da mãe constitui uma discriminação injustificada contra o pai e viola, por conseguinte, o artigo 14.° da CEDH, lido em conjugação com o artigo 8.° desta (v. TEDH, acórdão Zaunegger c. Alemanha de 3 de Dezembro de 2009, petição n.° 22028/04, §§ 63 e 64).
57 Em contrapartida, o facto de o pai natural não ser, ao contrário da mãe, automaticamente titular de um direito de guarda do seu filho na acepção do artigo 2.° do Regulamento n.° 2201/2003 não afecta o conteúdo essencial do seu direito à vida privada e familiar, desde que o direito referido no n.° 55 do presente acórdão seja salvaguardado.
58 Esta constatação não é infirmada pelo facto de, na falta de iniciativas tomadas pelo pai em tempo útil com vista à obtenção do direito de guarda, este se encontrar na impossibilidade de, em caso de deslocação do menor para outro Estado‑Membro pela mãe, obter o regresso deste menor ao Estado‑Membro onde se encontrava a sua residência habitual anterior. Com efeito, essa deslocação representa o exercício lícito, pela mãe que tem a guarda do menor, do seu próprio direito de livre circulação, consagrado nos artigos 20.°, n.° 2, alínea a), TFUE e 21.°, n.° 1, TFUE, e do seu direito de determinar o lugar da residência do menor, sem que isto prive o pai natural da possibilidade de exercer o seu direito de apresentar um pedido com vista a obter, em seguida, o direito de guarda do menor ou o direito de visita deste último.
59 Assim, o reconhecimento de um direito de guarda do seu filho ao pai natural, nos termos do artigo 2.°, n.° 11, do Regulamento n.° 2201/2003, não obstante a não atribuição de tal direito nos termos do direito nacional, iria contra as exigências de segurança jurídica e a necessidade de protecção dos direitos e liberdades de terceiros, na acepção do artigo 52.°, n.° 1, da Carta, no caso em apreço os da mãe. Além disso, tal solução poderia violar o artigo 51.°, n.° 2, da Carta.
60 Convém igualmente recordar que o artigo 7.° da Carta, mencionado pelo órgão jurisdicional de reenvio na sua questão, deve ser lido em conjugação com a obrigação de levar em consideração o interesse superior do menor, reconhecido no artigo 24.°, n.° 2, da referida Carta, e tendo em conta o direito fundamental de o menor manter regularmente relações pessoais e contactos directos com ambos os progenitores, enunciado no n.° 3 do mesmo artigo 24.° (v., neste sentido, acórdão de 27 de Junho de 2006, Parlamento/Conselho, C‑540/03, Colect., p. I‑5769, n.° 58). Além disso, decorre do trigésimo terceiro considerando do Regulamento n.° 2201/2003 que este reconhece os direitos fundamentais e os princípios consagrados na Carta, pretendendo, designadamente, garantir o respeito dos direitos fundamentais da criança enunciados no artigo 24.° da mesma. Assim, as disposições do referido regulamento não podem ser interpretadas de modo a violar o referido direito fundamental cujo respeito se confunde incontestavelmente com o superior interesse da criança (v., neste sentido, acórdão de 23 de Dezembro de 2009, Detiček, C‑403/09 PPU, Colect., p. I‑0000, n.os 53 a 55).
61 Nestas condições, importa ainda verificar se o artigo 24.° da Carta, cujo respeito é assegurado, em última instância, pelo Tribunal de Justiça, obsta à interpretação do Regulamento n.° 2201/2003 apresentada no n.° 44 do presente acórdão.
62 A este respeito, importa levar em conta a grande diversidade de relações existentes fora do âmbito do casamento e das relações entre os progenitores e os menores daqui resultantes, evocada pelo órgão jurisdicional nacional na sua decisão de reenvio, que se traduz num reconhecimento diferenciado do alcance e da partilha das responsabilidades parentais nos Estados‑Membros. Assim, o artigo 24.° da Carta deve ser interpretado no sentido de que não se opõe a que, para efeitos da aplicação do Regulamento n.° 2201/2003, o direito de guarda seja atribuído, em princípio, exclusivamente à mãe e que o pai natural apenas disponha de um direito de guarda por decisão judicial. Tal exigência permite, com efeito, ao órgão jurisdicional nacional competente proferir uma decisão sobre a guarda do menor, bem como sobre o direito de visita deste, levando em conta todos os elementos relevantes, como os mencionados pelo órgão jurisdicional de reenvio, nomeadamente as circunstâncias relativas ao nascimento do menor, a natureza da relação entre os progenitores, a relação entre cada progenitor e o menor assim como a capacidade de cada um dos progenitores para assumir o encargo da guarda. A tomada em consideração destes elementos é susceptível de proteger o superior interesse do menor, em conformidade com o artigo 24.°, n.° 2, da Carta.
63 Resulta do exposto que os artigos 7.° e 24.° da Carta não obstam à interpretação do regulamento apresentada no n.° 44 do presente acórdão.
64 Nestas condições, há que responder à questão submetida que o Regulamento n.° 2201/2003 deve ser interpretado no sentido de que não obsta a que o direito de um Estado‑Membro sujeite a aquisição do direito de guarda por parte do pai de um menor, não casado com a mãe deste último, à obtenção pelo pai de uma decisão do órgão jurisdicional nacional competente que lhe atribua tal direito, que é susceptível de tornar ilícita, nos termos do artigo 2.°, n.° 11, deste regulamento, a deslocação da criança pela mãe ou a sua retenção.
Quanto às despesas
65 Revestindo o processo, quanto às partes na causa principal, a natureza de incidente suscitado perante o órgão jurisdicional de reenvio, compete a este decidir quanto às despesas. As despesas efectuadas pelas outras partes para apresentação de observações ao Tribunal de Justiça não são reembolsáveis.
Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Terceira Secção) declara:
O Regulamento (CE) n.° 2201/2003 do Conselho, de 27 de Novembro de 2003, relativo à competência, ao reconhecimento e à execução de decisões em matéria matrimonial e em matéria de responsabilidade parental e que revoga o Regulamento (CE) n.° 1347/2000, deve ser interpretado no sentido de que não obsta a que o direito de um Estado‑Membro sujeite a aquisição do direito de guarda por parte do pai de um menor, não casado com a mãe deste último, à obtenção por parte do pai de uma decisão do órgão jurisdicional nacional competente que lhe atribua tal direito, que é susceptível de tornar ilícita, nos termos do artigo 2.°, n.° 11, deste regulamento, a deslocação da criança pela mãe ou a sua retenção.
Assinaturas
* Língua do processo: inglês.
TOMADA DE POSIÇÃO DO ADVOGADO‑GERAL
NIILO JÄÄSKINEN
apresentada em 22 de Setembro de 2010 1(1)
Processo C‑400/10 PPU
J. McB.
contra
L. E.
[pedido de decisão prejudicial apresentado pela Supreme Court (Irlanda)]
«Cooperação judiciária em matéria civil – Competência judiciária e execução das decisões – Matéria matrimonial e responsabilidade parental – Regulamento (CE) n.° 2201/2003 – Menores cujos progenitores não contraíram matrimónio – Direito de guarda do pai – Obrigação de possuir uma decisão do órgão jurisdicional competente que atribua o direito de guarda dos menores – Processo prejudicial com tramitação urgente»
I – Introdução
1. No presente processo prejudicial, o Tribunal de Justiça é convidado a pronunciar‑se sobre a interpretação do Regulamento (CE) n.° 2201/2003 do Conselho, de 27 de Novembro de 2003, relativo à competência, ao reconhecimento e à execução de decisões em matéria matrimonial e em matéria de responsabilidade parental e que revoga o Regulamento (CE) n.° 1347/2000 (2), denominado igualmente «Regulamento Bruxelas II A».
2. Este pedido foi apresentado no âmbito de um recurso interposto na Supreme Court (Irlanda) por J. McB., pai de três menores (3), da decisão da High Court (Irlanda) de 28 de Abril de 2010, com fundamento no facto de esse órgão jurisdicional ter negado provimento ao seu pedido de emissão de uma decisão ou de um atestado comprovando a ilicitude da deslocação dos menores para o Reino Unido em Julho de 2009 por L. E., mãe destes, na acepção do artigo 2.°, n.° 11, do Regulamento n.° 2201/2003 e que o pai dos menores era titular de um direito de guarda à data desta deslocação. J. McB. nunca casou com L. E. Não existe qualquer decisão judicial que lhe atribua o direito de guarda dos filhos comuns na acepção do Regulamento n.° 2201/2003.
3. Esta questão foi submetida aos órgãos jurisdicionais irlandeses dado que o órgão jurisdicional inglês ao qual o pai recorreu para obter o regresso das crianças, a High Court of Justice (England & Wales), Family Division (Reino Unido), lhe solicitou, em conformidade com o artigo 15.° da Convenção da Haia, de 25 de Outubro de 1980, sobre os Aspectos Civis do Rapto Internacional de Crianças (4), a apresentação de uma decisão emitida pelas autoridades do Estado da residência habitual dos menores, a Irlanda, comprovando a ilicitude da deslocação.
4. Em direito irlandês, o pai natural dos menores não beneficia de pleno direito de um direito de guarda, mas este direito pode ser obtido por decisão judicial. O facto de os progenitores que não casaram terem coabitado e de o pai ter participado activamente na educação do menor, como no caso em apreço, não lhe confere, só por si, tal direito. A questão prejudicial tem por objecto saber se o Regulamento n.° 2201/2003, interpretado eventualmente em conformidade com o artigo 7.° da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia (5), obsta a que o direito irlandês sujeite o direito de guarda do pai natural a tal decisão.
II – Quadro jurídico
A – Convenção Europeia para a Protecção dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais
5. O artigo 8.° da Convenção Europeia para a Protecção dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais (6) (a seguir «CEDH») prevê o seguinte:
«Direito ao respeito pela vida privada e familiar
1. Qualquer pessoa tem direito ao respeito da sua vida privada e familiar, do seu domicílio e da sua correspondência.
2. Não pode haver ingerência da autoridade pública no exercício deste direito senão quando esta ingerência estiver prevista na lei e constituir uma providência que, numa sociedade democrática, seja necessária para a segurança nacional, para a segurança pública, para o bem estar económico do país, a defesa da ordem e a prevenção das infracções penais, a protecção da saúde ou da moral, ou a protecção dos direitos e das liberdades de terceiros.»
B – Convenção da Haia de 1980
6. O artigo 1.° da Convenção da Haia de 1980 prevê:
«A presente Convenção tem por objecto:
a) Assegurar o regresso imediato das crianças ilicitamente transferidas para qualquer Estado Contratante ou nele retidas indevidamente;
b) Fazer respeitar de maneira efectiva nos outros Estados Contratantes os direitos de custódia e de visita existentes num Estado Contratante.»
7. O artigo 3.° da Convenção da Haia de 1980 dispõe:
«A deslocação ou a retenção de uma criança é considerada ilícita quando:
a) Tenha sido efectivada em violação de um direito de custódia atribuído a uma pessoa ou a uma instituição ou a qualquer outro organismo, individual ou conjuntamente, pela lei do Estado onde a criança tenha a sua residência habitual imediatamente antes da sua transferência ou da sua retenção; e
b) Este direito estiver a ser exercido de maneira efectiva, individualmente ou em conjunto, no momento da transferência ou da retenção, ou o devesse estar se tais acontecimentos não tivessem ocorrido.
O direito de custódia referido na alínea a) pode designadamente resultar quer de uma atribuição de pleno direito, quer de uma decisão judicial ou administrativa, quer de um acordo vigente segundo o direito deste Estado.»
8. O artigo 4.° da Convenção da Haia de 1980 enuncia:
«A Convenção aplica‑se a qualquer criança com residência habitual num Estado Contratante, imediatamente antes da violação do direito de custódia ou de visita. A aplicação da Convenção cessa quando a criança atingir a idade de 16 anos.»
9. Nos termos do artigo 5.° da Convenção da Haia de 1980:
«Nos termos da presente Convenção:
a) O ‘direito de custódia’ inclui o direito relativo aos cuidados devidos à criança como pessoa, e, em particular, o direito de decidir sobre o lugar da sua residência;
b) O ‘direito de visita’ compreende o direito de levar uma criança, por um período limitado de tempo, para um lugar diferente daquele onde ela habitualmente reside.»
10. O capítulo III da referida Convenção tem por objecto o regresso da criança e o seu artigo 8.°, n.° 1, prevê:
«Qualquer pessoa, instituição ou organismo que julgue que uma criança tenha sido deslocada ou retirada em violação de um direito de custódia pode participar o facto à autoridade central da residência habitual da criança ou à autoridade central de qualquer outro Estado Contratante, para que lhe seja prestada assistência por forma a assegurar o regresso da criança.»
11. O artigo 15.° desta mesma convenção prevê:
«As autoridades judiciais ou administrativas de um Estado Contratante podem, antes de ordenar o regresso da criança, solicitar a produção pelo requerente de uma decisão ou de um atestado passado pelas autoridades do Estado da residência habitual da criança comprovando a ilicitude da transferência ou da retenção nos termos do [a]rtigo 3.° da Convenção, desde que esta decisão ou essa declaração possam ser obtidas no referido Estado. As autoridades centrais dos Estados Contratantes deverão na medida do possível auxiliar os requerentes a obter tal decisão ou atestado.»
C – Tratados
«1. A União reconhece os direitos, as liberdades e os princípios enunciados na Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia, de 7 de Dezembro de 2000, com as adaptações que lhe foram introduzidas em 12 de Dezembro de 2007, em Estrasburgo, e que tem o mesmo valor jurídico que os Tratados.
De forma alguma o disposto na Carta pode alargar as competências da União, tal como definidas nos Tratados.
Os direitos, as liberdades e os princípios consagrados na Carta devem ser interpretados de acordo com as disposições gerais constantes do Título VII da Carta que regem a sua interpretação e aplicação e tendo na devida conta as anotações a que a Carta faz referência, que indicam as fontes dessas disposições.
[…]
3. Do direito da União fazem parte, enquanto princípios gerais, os direitos fundamentais tal como os garante a Convenção Europeia para a Protecção dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais e tal como resultam das tradições constitucionais comuns aos Estados‑Membros.»
13. O artigo 4.° TFUE enuncia:
«1. A União dispõe de competência partilhada com os Estados‑Membros quando os Tratados lhe atribuam competência em domínios não contemplados nos artigos 3.° e 6.°
2. As competências partilhadas entre a União e os Estados‑Membros aplicam‑se aos principais domínios a seguir enunciados:
[…]
j) Espaço de liberdade, segurança e justiça.»
«1. A União desenvolve uma cooperação judiciária nas matérias civis com incidência transfronteiriça, assente no princípio do reconhecimento mútuo das decisões judiciais e extrajudiciais. Essa cooperação pode incluir a adopção de medidas de aproximação das disposições legislativas e regulamentares dos Estados‑Membros.
2. Para efeitos do n.° 1, o Parlamento Europeu e o Conselho, deliberando de acordo com o processo legislativo ordinário, adoptam, nomeadamente quando tal seja necessário para o bom funcionamento do mercado interno, medidas destinadas a assegurar:
a) O reconhecimento mútuo entre os Estados‑Membros das decisões judiciais e extrajudiciais e a respectiva execução;
[…]
c) A compatibilidade das normas aplicáveis nos Estados‑Membros em matéria de conflitos de leis e de jurisdição;
[…]
e) O acesso efectivo à justiça.»
15. O Protocolo (n.° 30) relativo à aplicação da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia à Polónia e ao Reino Unido enuncia no seu artigo 1.°:
«1. A Carta não alarga a faculdade do Tribunal de Justiça da União Europeia, ou de qualquer tribunal da Polónia ou do Reino Unido, de considerar que as leis, os regulamentos ou as disposições, práticas ou acção administrativas destes países são incompatíveis com os direitos, as liberdades e os princípios fundamentais que nela são reafirmados.
2. Em especial, e para evitar dúvidas, nada no Título IV da Carta cria direitos susceptíveis de serem invocados perante os tribunais e que se apliquem à Polónia ou ao Reino Unido, excepto na medida em que estes países tenham previsto tais direitos na respectiva legislação nacional.»
D – Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia
16. O artigo 7.° da Carta prevê o seguinte:
«Todas as pessoas têm direito ao respeito pela sua vida privada e familiar, pelo seu domicílio e pelas suas comunicações.»
17. O artigo 24.°, n.° 3, da Carta dispõe:
«Todas as crianças têm o direito de manter regularmente relações pessoais e contactos directos com ambos os progenitores, excepto se isso for contrário aos seus interesses.»
18. O título VII da Carta contém disposições gerais que regem a interpretação e a aplicação da Carta. O artigo 51.°, sob a epígrafe «Âmbito de aplicação», prevê:
«1. As disposições da presente Carta têm por destinatários as instituições, órgãos e organismos da União, na observância do princípio da subsidiariedade, bem como os Estados‑Membros, apenas quando apliquem o direito da União. Assim sendo, devem respeitar os direitos, observar os princípios e promover a sua aplicação, de acordo com as respectivas competências e observando os limites das competências conferidas à União pelos Tratados.
2. A presente Carta não torna o âmbito de aplicação do direito da União extensivo a competências que não sejam as da União, não cria quaisquer novas atribuições ou competências para a União, nem modifica as atribuições e competências definidas pelos Tratados.»
E – Regulamento n.° 2201/2003
19. O quinto considerando do Regulamento n.° 2201/2003 tem a seguinte redacção:
«A fim de garantir a igualdade de tratamento de todas as crianças, o presente regulamento abrange todas as decisões em matéria de responsabilidade parental, incluindo as medidas de protecção da criança, independentemente da eventual conexão com um processo matrimonial.»
20. O décimo sétimo considerando do referido regulamento prevê:
«Em caso de deslocação ou de retenção ilícitas de uma criança, deve ser obtido sem demora o seu regresso; para o efeito, deverá continuar a aplicar‑se a [Convenção da Haia de 1980], completada pelas disposições do presente regulamento, nomeadamente o artigo 11.° Os tribunais do Estado‑Membro para o qual a criança tenha sido deslocada ou no qual tenha sido retida ilicitamente devem poder opor‑se ao seu regresso em casos específicos devidamente justificados. Todavia, tal decisão deve poder ser substituída por uma decisão posterior do tribunal do Estado‑Membro da residência habitual da criança antes da deslocação ou da retenção ilícitas. Se esta última decisão implicar o regresso da criança, este deverá ser efectuado sem necessidade de qualquer procedimento específico para o reconhecimento e a execução da referida decisão no Estado‑Membro onde se encontra a criança raptada.»
21. Resulta do trigésimo considerando do Regulamento n.° 2201/2003 que a Irlanda e o Reino Unido da Grã‑Bretanha e da Irlanda do Norte manifestaram a sua intenção de participar na aprovação e aplicação do presente regulamento.
22. O trigésimo terceiro considerando do Regulamento n.° 2201/2003 tem a seguinte redacção:
«O presente regulamento reconhece os direitos fundamentais e os princípios consagrados na Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia; pretende, designadamente, garantir o pleno respeito dos direitos fundamentais da criança enunciados no artigo 24.° da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia.»
23. O artigo 1.° do Regulamento n.° 2201/2003 dispõe:
«1. O presente regulamento é aplicável, independentemente da natureza do tribunal, às matérias civis relativas:
[…]
b) À atribuição, ao exercício, à delegação, à limitação ou à cessação da responsabilidade parental.
2. As matérias referidas na alínea b) do n.° 1 dizem, nomeadamente, respeito:
a) Ao direito de guarda e ao direito de visita;
[…]»
24. O artigo 2.°, n.os 7, 9 e 11, do Regulamento n.° 2201/2003 contém as seguintes definições:
«Para efeitos do presente regulamento, entende‑se por:
7) ‘Responsabilidade parental’, o conjunto dos direitos e obrigações conferidos a uma pessoa singular ou colectiva por decisão judicial, por atribuição de pleno direito ou por acordo em vigor relativo à pessoa ou aos bens de uma criança. O termo compreende, nomeadamente, o direito de guarda e o direito de visita.
[…]
9) ‘Direito de guarda’, os direitos e as obrigações relativos aos cuidados devidos à criança e, em particular, o direito de decidir sobre o seu lugar de residência.
[…]
11) ‘Deslocação ou retenção ilícitas de uma criança’, a deslocação ou a retenção de uma criança, quando:
a) Viole o direito de guarda conferido por decisão judicial, por atribuição de pleno direito ou por acordo em vigor por força da legislação do Estado‑Membro onde a criança tinha a sua residência habitual imediatamente antes da deslocação ou retenção;
e
b) No momento da deslocação ou retenção, o direito de guarda estivesse a ser efectivamente exercido, quer conjunta, quer separadamente, ou devesse estar a sê‑lo, caso não tivesse ocorrido a deslocação ou retenção. Considera‑se que a guarda é exercida conjuntamente quando um dos titulares da responsabilidade parental não pode, por força de uma decisão ou por atribuição de pleno direito, decidir sobre [o] local de residência da criança sem o consentimento do outro titular da responsabilidade parental.»
25. O artigo 10.° do Regulamento n.° 2201/2003, intitulado «Competência em caso de rapto da criança», dispõe:
«Em caso de deslocação ou retenção ilícitas de uma criança, os tribunais do Estado‑Membro onde a criança residia habitualmente imediatamente antes da deslocação ou retenção ilícitas, continuam a ser competentes até a criança passar a ter a sua residência habitual noutro Estado‑Membro e:
a) Cada pessoa, instituição ou outro organismo titular do direito de guarda dar o seu consentimento à deslocação ou à retenção;
ou
b) A criança ter estado a residir nesse outro Estado‑Membro durante, pelo menos, um ano após a data em que a pessoa, instituição ou outro organismo, titular do direito de guarda tenha tomado ou devesse ter tomado conhecimento do paradeiro da criança, se esta se encontrar integrada no seu novo ambiente e se estiver preenchida pelo menos uma das seguintes condições:
i) não ter sido apresentado, no prazo de um ano após a data em que o titular do direito de guarda tenha tomado ou devesse ter tomado conhecimento do paradeiro da criança, qualquer pedido de regresso desta às autoridades competentes do Estado‑Membro para onde a criança foi deslocada ou se encontra retida,
ii) o titular do direito de guarda ter desistido do pedido de regresso e não ter sido apresentado nenhum novo pedido dentro do prazo previsto na subalínea i),
iii) o processo instaurado num tribunal do Estado‑Membro da residência habitual da criança imediatamente antes da deslocação ou retenção ilícitas ter sido arquivado nos termos do n.° 7 do artigo 11.°,
iv) os tribunais do Estado‑Membro da residência habitual da criança imediatamente antes da deslocação ou retenção ilícitas terem proferido uma decisão sobre a guarda que não determine o regresso da criança.»
26. O artigo 11.° do referido regulamento, sob a epígrafe «Regresso da criança», prevê:
«1. Os n.os 2 a 8 são aplicáveis quando uma pessoa, instituição ou outro organismo titular do direito de guarda pedir às autoridades competentes de um Estado‑Membro uma decisão, baseada na [Convenção da Haia de 1980], a fim de obter o regresso de uma criança que tenha sido ilicitamente deslocada ou retida num Estado‑Membro que não o da sua residência habitual imediatamente antes da deslocação ou retenção ilícitas.
[…]
3. O tribunal ao qual seja apresentado um pedido de regresso de uma criança, nos termos do disposto no n.° 1, deve acelerar a tramitação do pedido, utilizando o procedimento mais expedito previsto na legislação nacional.
Sem prejuízo do disposto no primeiro parágrafo, o tribunal deve pronunciar‑se o mais tardar no prazo de seis semanas a contar da apresentação do pedido, excepto em caso de circunstâncias excepcionais que o impossibilitem.
[…]»
27. Os artigos 60.° e 62.° do Regulamento n.° 2201/2003 prevêem:
«Artigo 60.°
Relações com determinadas convenções multilaterais
Nas relações entre os Estados‑Membros, o presente regulamento prevalece sobre as seguintes convenções, na medida em que estas se refiram a matérias por ele reguladas:
[…]
e) Convenção da Haia [de] 1980 sobre os Aspectos Civis do Rapto Internacional de Crianças
[…]
Artigo 62.°
Alcance dos efeitos
1. Os acordos e as convenções referidos no n.° 1 do artigo 59.° e nos artigos 60.° e 61.° continuam a produzir efeitos nas matérias não reguladas pelo presente regulamento.
2. As convenções mencionadas no artigo 60.°, nomeadamente a Convenção da Haia de 1980, continuam a produzir efeitos entre os Estados‑Membros que nelas são partes, na observância do disposto no artigo 60.°»
F – Direito nacional
28. Por força do artigo 6.°‑A da Lei de 1964 relativa à tutela de menores (7), quando «o pai e a mãe não contraíram reciprocamente matrimónio, o tribunal pode, mediante pedido do pai, nomeá‑lo, por decisão judicial, tutor da criança». Além disso, o artigo 11.°, n.° 4, da Lei de 1964 (8) dispõe:
«No caso de um menor cujo pai e cuja mãe não são casados entre si, o direito de apresentar, nos termos do presente artigo, um pedido relativo à guarda do menor e ao direito de visita do pai ou da mãe é extensível ao pai que não seja tutor do menor e, para este efeito, as referências feitas no presente artigo ao pai ou ao progenitor de um menor são interpretadas no sentido de o incluir.»
29. A Lei de 1991 relativa ao rapto de crianças e à execução de decisões em matéria de guarda (9) (a seguir «Lei de 1991») prevê no seu artigo 15.°, n.° 1, que um tribunal competente pode declarar que a deslocação dos menores para fora da Irlanda constitui, no caso de deslocação ou retenção num Estado‑Membro, uma deslocação ou uma retenção ilícitas na acepção do artigo 2.° do Regulamento n.° 2201/2003, ou é ilícita na acepção do artigo 3.° da Convenção da Haia de 1980.
III – Matéria de facto no processo principal e questão prejudicial
30. A mãe dos menores cuja guarda constitui o objecto do litígio é de nacionalidade britânica. O pai é de nacionalidade irlandesa. Nunca se casaram, mas coabitaram em Inglaterra, na Austrália, na Irlanda do Norte e, a partir de Novembro de 2008, na Irlanda. Os principais elementos do quadro factual e processual do litígio podem ser resumidos sob forma de um quadro sinóptico.
Data |
Irlanda |
Reino Unido |
2000 |
Nascimento do primeiro filho (Inglaterra). |
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2002 |
Nascimento do segundo filho (Inglaterra). |
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2007 |
Nascimento do terceiro filho (Irlanda do Norte). |
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Novembro de 2008 |
As partes instalaram‑se na Irlanda. |
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11 de Julho de 2009 |
A mãe leva os filhos para um centro feminino de refúgio. |
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25 de Julho de 2009 |
A mãe leva os filhos para o Reino Unido. |
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2 de Novembro de 2009 |
O pai apresenta na High Court of Justice (England & Wales), Family Division, uma petição inicial na qual pede que seja ordenado o regresso dos menores à Irlanda, em conformidade com a legislação do Reino Unido que dá aplicação à Convenção da Haia de 1980 e ao Regulamento n.° 2201/2003. |
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20 de Novembro de 2009 |
O tribunal inglês pede que o pai apresente, em conformidade com o artigo 15.° da Convenção da Haia de 1980, uma decisão ou um atestado emitidos pela High Court (Irlanda) comprovando que a deslocação dos menores para fora da Irlanda é ilícita nos termos do artigo 3.° da referida Convenção. |
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22 de Dezembro de 2009 |
O pai intenta na High Court (Irlanda) uma acção tendo por objecto obter a declaração, em conformidade com a legislação irlandesa que dá aplicação à Convenção da Haia de 1980 e ao artigo 15.° desta, da ilicitude da deslocação dos menores para fora da Irlanda em Julho de 2009, na acepção simultaneamente do artigo 3.° da referida Convenção e do artigo 2.° do Regulamento n.° 2201/2003. Na mesma acção, o pai requer que a referida High Court ordene que a tutela e a guarda dos menores lhe sejam atribuídas. Estas duas últimas questões ainda não foram decididas pelos tribunais irlandeses. |
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28 de Abril de 2010 |
A High Court (Irlanda) decide que o recorrente no processo principal não era titular de qualquer direito de guarda dos menores à data da deslocação destes para fora da Irlanda e que esta deslocação não era, por conseguinte, ilícita, na acepção da referida Convenção ou desse regulamento. |
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O pai interpõe recurso deste acórdão para a Supreme Court. |
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30 de Julho de 2010 |
A Supreme Court submete uma questão prejudicial. |
31. Na sua decisão de reenvio, a Supreme Court observa que o pai não era titular de nenhum direito de guarda dos seus filhos em 25 de Julho de 2009, na acepção das disposições da Convenção da Haia de 1980. Todavia, salienta que o conceito de «direito de guarda» passou a estar definido, para efeitos dos pedidos de regresso de menores de um Estado‑Membro para outro com fundamento na referida Convenção, no artigo 2.°, n.° 9, do Regulamento n.° 2201/2003.
32. O órgão jurisdicional de reenvio considera que nem as disposições do Regulamento n.° 2201/2003 nem o artigo 7.° da Carta implicam que o pai natural de um menor deva necessariamente ser considerado titular de um direito de guarda deste, para efeitos da determinação do carácter lícito ou ilícito do afastamento do menor, caso não exista uma decisão judicial que lhe atribua tal direito. Contudo, destaca que a interpretação destas disposições do direito da União é da competência do Tribunal de Justiça.
33. A Supreme Court decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça a seguinte questão prejudicial:
«Obsta o Regulamento [n.° 2201/2003], interpretado em conformidade com o artigo 7.° da [Carta] ou de outra forma, a que a lei de um Estado‑Membro exija que o pai de uma criança que não [casou] com a mãe desta última obtenha do tribunal competente uma decisão que lhe atribua a sua guarda de modo a [ser‑lhe] reconhecido este ‘direito de guarda’, tornando assim ilícita a deslocação da criança para fora do país da sua residência habitual, por aplicação do artigo 2.°, n.° 11, deste regulamento?»
IV – Tomada de posição
A – Quanto à admissibilidade
34. A Comissão Europeia alegou a inadmissibilidade potencial da questão prejudicial. A República Federal da Alemanha evocou igualmente a incompetência do Tribunal de Justiça para responder à questão prejudicial. Segundo o Governo alemão, trata‑se, na realidade, da interpretação da Convenção da Haia de 1980 e não da interpretação do Regulamento n.° 2201/2003. As questões suscitadas dizem também respeito à articulação entre a referida Convenção e este regulamento.
35. A Comissão observa que foi instaurado um processo, em conformidade com o artigo 15.° da Convenção da Haia de 1980, nos tribunais irlandeses nos termos do artigo 15.° da Lei de 1991, que tinha por objecto obter a declaração da ilicitude da deslocação dos filhos do recorrente no processo principal para fora da Irlanda na acepção do artigo 3.° da referida Convenção e do artigo 2.° do Regulamento n.° 2201/2003.
36. A Comissão hesita no que se refere à questão de saber se a questão prejudicial se refere efectivamente à interpretação do artigo 2.°, n.° 11, do Regulamento n.° 2201/2003 ou se se refere antes à interpretação dos artigos 1.° e 3.° da Convenção da Haia de 1980. Se for esse o caso, o Tribunal de Justiça não tem competência para responder à questão que lhe foi submetida, visto que a União Europeia não é parte na referida Convenção, não obstante todos os Estados‑Membros serem partes contratantes.
37. Segundo a Comissão, o facto de, à época em que foi submetido o litígio aos tribunais irlandeses, o Regulamento n.° 2201/2003 não ser ainda aplicável aponta no sentido de uma interpretação restritiva.
38. Em primeiro lugar, importa recordar que a questão de mérito submetida à Supreme Court tem expressamente por objecto a aplicação do Regulamento n.° 2201/2003 e da Carta, e não a aplicação da Convenção da Haia de 1980. O facto de o litígio pendente no Reino Unido ter por objecto a aplicabilidade da referida Convenção nada altera. Assim, levanta‑se uma questão relativa ao direito da União que não é hipotética nem irrelevante para o órgão jurisdicional de reenvio.
39. Em segundo lugar, recordo que a Convenção da Haia de 1980 não faz parte, enquanto tal, da ordem jurídica da União e que o Tribunal de Justiça não é, por conseguinte, competente para a interpretar (10).
40. Todavia, por força das disposições do Tratado, a União é competente para legislar sobre as questões relativas à competência, ao reconhecimento e à execução das decisões em matéria de responsabilidade parental (11). Em particular, o artigo 1.° do Regulamento n.° 2201/2003 prevê que este regulamento é aplicável, independentemente da natureza do tribunal, às matérias civis relativas à atribuição, ao exercício, à delegação, à limitação ou à cessação da responsabilidade parental, retomando, por conseguinte, o âmbito de aplicação da Convenção da Haia de 1980. Foi apenas pela conjugação dos artigos 60.° e 62.° do Regulamento n.° 2201/2003 que o legislador restabeleceu os efeitos da referida Convenção, declarando‑a aplicável nas relações entre os Estados‑Membros no que diz respeito às matérias não abrangidas pelo dito regulamento. Com efeito, o Regulamento n.° 2201/2003 prevalece sobre a Convenção da Haia de 1980 na medida em que a referida Convenção se refira a matérias reguladas por este regulamento, mas a Convenção da Haia de 1980 continua a produzir efeitos nas matérias não reguladas pelo mesmo regulamento (12). Por conseguinte, o legislador optou por remeter para as disposições de um instrumento do direito internacional público existente em vez de adoptar disposições de direito da União relativas à mesma matéria.
41. A necessidade de incluir no projecto de Regulamento n.° 2201/2003 disposições relativas à mesma matéria que a Convenção da Haia de 1980 constituiu, naquela data, uma questão controversa (13). O Regulamento n.° 2201/2003, conforme foi adoptado, abrange uma multiplicidade de situações relativas à competência, ao reconhecimento e à execução das decisões em matéria de responsabilidade parental. Segundo o referido regulamento, em caso de deslocação ou de retenção ilícitas de um menor, a Convenção da Haia de 1980 «deverá continuar a aplicar‑se […], completada pelas disposições do presente regulamento, nomeadamente o artigo 11.°» (14).
42. Mesmo se, aparentemente, o artigo 11.° do Regulamento n.° 2201/2003 sujeita a aplicabilidade deste regulamento à constatação da aplicabilidade da Convenção da Haia de 1980, não deixa de ser verdade que, no que se refere às deslocações entre os Estados‑Membros, a Convenção da Haia de 1980 e o Regulamento n.° 2201/2003 estão intrinsecamente ligados no que diz respeito à sua aplicação.
43. Além disso, na medida em que é utilizada uma definição semelhante tanto na Convenção da Haia de 1980 como no Regulamento n.° 2201/2003, há que considerar que tal formulação foi «comunitarizada» e que o Tribunal de Justiça a pode interpretar (15). Tal é o caso, por exemplo, no que se refere à questão de saber se uma deslocação ou uma retenção é lícita ou ilícita, o que é definido no artigo 3.° da Convenção da Haia de 1980 e no artigo 2.°, n.° 11, do Regulamento n.° 2201/2003. Todavia, há que salientar que existem certas diferenças entre este regulamento e a referida Convenção (16).
44. Tendo o reenvio prejudicial por objecto a interpretação do direito da União, proponho, por conseguinte, que o Tribunal de Justiça considere a questão admissível.
B – Quanto ao mérito
1. Interpretação do artigo 2.°, n.° 11, alínea a), do Regulamento n.° 2201/2003
45. Saliento que o artigo 2.°, n.° 11, alínea a), do referido regulamento prevê que a expressão «deslocação ou retenção ilícitas» significa a deslocação ou a retenção de um menor quando «[v]iole o direito de guarda conferido por decisão judicial, por atribuição de pleno direito ou por acordo em vigor por força da legislação do Estado‑Membro onde a criança tinha a sua residência habitual imediatamente antes da deslocação ou retenção». A expressão «direito de guarda», em conformidade com o artigo 2.°, n.° 9, do mesmo regulamento, abrange «os direitos e as obrigações relativos aos cuidados devidos à criança e, em particular, o direito de decidir sobre o seu lugar de residência».
46. À semelhança da Supreme Court e da Comissão, considero que a redacção destas duas disposições não deixa qualquer margem de dúvida nem ambiguidade quanto à sua interpretação: é claramente o direito do Estado‑Membro onde o menor tinha a sua residência habitual antes da sua deslocação ou da sua retenção que determina se a referida deslocação ou retenção é lícita ou ilícita. Tendo a Supreme Court declarado claramente que o pai não era titular do direito de guarda nos termos do direito irlandês e não podia invocar disposições que lhe permitissem opor‑se à deslocação dos menores, daqui decorre que a deslocação dos menores para fora da Irlanda e a sua retenção no Reino Unido não são ilícitas na acepção do artigo 2.°, n.° 11, do Regulamento n.° 2201/2003.
47. A distinção clara entre a atribuição quase automática ou não do direito de guarda ao pai em função de ser ou não casado parece ser bastante generalizada nos Estados‑Membros.
48. A este respeito, é útil mencionar um relatório recente que analisa a atribuição da «responsabilidade parental» em certos países membros do Conselho da Europa (17). Procedendo este relatório a um exame da questão da «responsabilidade parental», há que observar que esta não coincide necessariamente com o direito de guarda referido no Regulamento n.° 2201/2003. De qualquer modo, o professor Lowe constata que os «Estados‑Membros inquiridos conferem todos uma responsabilidade parental comum aos progenitores de menores nascidos na constância do casamento e a responsabilidade parental às mães de menores nascidos fora do casamento». As recomendações formuladas por determinados instrumentos internacionais vão no mesmo sentido.
49. No que diz respeito aos filhos de progenitores não casados, a situação é diferente e bastante diversificada. Em onze países, desde que seja estabelecida a paternidade, por reconhecimento ou decisão judicial, os dois progenitores são investidos de responsabilidade parental conjunta. Todavia, noutros onze países, tal não é suficiente. O pai deve adoptar outras medidas para adquirir a responsabilidade parental (por exemplo, casando com a mãe, celebrando um acordo com esta ou obtendo uma decisão judicial). Esta divergência de abordagem reflecte‑se na divergência dos instrumentos internacionais sobre esta questão (18).
50. Por conseguinte, a legislação irlandesa, que parece enquadrar‑se no segundo grupo evocado, não se afigura de modo algum excepcional.
51. Concluindo, o Regulamento n.° 2201/2003 não fixa condições de atribuição do direito de guarda, apesar de enumerar a decisão judicial, a atribuição de pleno direito ou um acordo em vigor como constituindo as três modalidades desta atribuição, omitindo o advérbio «nomeadamente» mencionado pela Convenção da Haia de 1980 (19), o que permite considerar que a lista é aqui limitativa. O Regulamento n.° 2201/2003 não determina qual o progenitor que deve ser titular do direito de guarda. Esta questão também não é regulada pela Convenção da Haia de 1980. É uma questão da competência do direito nacional.
52. Por fim, o artigo 2.°, n.° 11, do Regulamento n.° 2201/2003 prevê também uma norma de conflitos de leis. Esta determina a lei aplicável à definição de direito de guarda no contexto do rapto de crianças. De entre as diferentes possibilidades, este regulamento optou pelo «direito do Estado‑Membro onde a criança tinha a sua residência habitual imediatamente antes da deslocação ou da retenção». A este respeito, para a aplicabilidade do Regulamento n.° 2201/2003, qualquer outro direito de guarda eventualmente adquirido num país diferente do país onde a família residiu anteriormente parece não produzir efeitos.
2. Existe um direito de guarda «implícito» («inchoate right») no direito da União relativamente ao pai natural?
53. O argumento principal do pai parece ser o seguinte: não obstante a legislação irlandesa, deve ser‑lhe reconhecido um direito de guarda «implícito», susceptível de ser reconhecido («inchoate right») (20). Este direito deve ser reconhecido pelo direito da União ao pai natural que coabitou com a mãe e que, deste modo, aceitou participar nos encargos da vida familiar nos mesmos termos que um pai casado. Este direito tem por fundamento o artigo 8.° da CEDH e os artigos 7.° e 24.°, n.° 3, da Carta. Em apoio desta tese, remete, nomeadamente, para determinados acórdãos do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem.
54. No que diz respeito à Carta, importa recordar dois aspectos essenciais. É certo que a Carta tem o mesmo valor jurídico que os Tratados, mas de forma alguma o disposto na Carta pode alargar as competências da União conforme estão definidas nos Tratados (21). Se o Tratado não atribui à União competência para legislar sobre as condições materiais do direito de guarda, a Carta também não o permite (22).
55. A compatibilidade das condições de atribuição do direito de guarda ao pai pode eventualmente ser fiscalizada à luz da CEDH. A este respeito, importa fazer três observações.
56. Em primeiro lugar, o Tribunal de Justiça assegura evidentemente o respeito dos direitos fundamentais, incluindo os garantidos pela CEDH (23), mas exerce esta função no âmbito de aplicação do direito da União. Todavia, actualmente, a União não tem competência para legislar sobre a questão da atribuição do direito de guarda. As competências da União, mesmo sendo múltiplas, não abrangem as questões de direito material em causa neste contexto, a saber, qual a pessoa que deve ter o direito de guarda (24).
57. Dado que as condições materiais de atribuição do direito de guarda não são de todo reguladas pelo direito da União, daqui resulta que, no caso em apreço, não existe uma relação entre o direito da União e a CEDH.
58. Todavia, no caso de as condições de atribuição do direito de guarda na legislação de um Estado‑Membro se revelarem contrárias à CEDH, não me parece de excluir que este facto possa ter consequências no que respeita à aplicação do Regulamento n.° 2201/2003. Em particular, a obrigação de outro Estado‑Membro reconhecer decisões relativas à atribuição do direito de guarda deve, caso seja necessário, ser analisada pelo Tribunal de Justiça.
59. Para ser exaustivo, gostaria ainda de examinar alguns aspectos da jurisprudência do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem evocados pelo pai, J. McB.
60. A jurisprudência referida por J. McB. parece ter por objecto a atribuição do direito de guarda e os limites que lhe são impostos pelo direito nacional, nomeadamente no que respeita aos pais solteiros. Assim, no processo Zaunegger c. Alemanha, o Tribunal Europeu dos Direitos do Homem decidiu que a República Federal da Alemanha tinha violado a CEDH. O Tribunal Europeu dos Direitos do Homem considerou que as condições muito restritivas, previstas no direito alemão, de atribuição do direito de guarda ao pai solteiro, que conferem um direito de veto absoluto à mãe, não eram compatíveis com a CEDH (25).
61. Parece‑me que as circunstâncias do processo Guichard c. França são muito semelhantes às do processo sobre o qual nos debruçamos (26).
62. Neste processo, o pai invocou a violação da CEDH no Tribunal Europeu dos Direitos do Homem. No seu acórdão, o Tribunal Europeu dos Direitos do Homem sublinha que decorre das disposições da Convenção da Haia de 1980 que as autoridades centrais devem tomar todas as medidas adequadas para assegurar o regresso imediato dos menores deslocados de forma ilícita. A este respeito, a referida Convenção prevê que deve ser considerada «ilícita» uma deslocação que teve lugar em violação do «direito de guarda», que abrange o direito relativo aos cuidados devidos à criança como pessoa, e, em particular, o direito de decidir sobre o lugar da sua residência. A Convenção da Haia de 1980 precisa no seu artigo 3.° que o direito de guarda pode nomeadamente resultar de uma atribuição de pleno direito. Tal era exactamente o caso nesse processo, visto que, à data da deslocação do menor de França para o Canadá, as disposições francesas conferiam de pleno direito à mãe o exercício da autoridade parental (que implica o direito de guarda), tendo o pai e a mãe reconhecido ambos o filho natural. Nestas condições, a deslocação não poderia ser considerada «ilícita» na acepção da Convenção da Haia de 1980. Assim, o recorrente, que não era titular do «direito de guarda» na acepção da Convenção da Haia de 1980, não podia invocar a protecção conferida por esta Convenção.
63. Tendo em conta estas considerações, o Tribunal Europeu dos Direitos do Homem considerou que, no caso concreto, o artigo 8.° da CEDH, interpretado à luz da Convenção da Haia de 1980, não impunha às autoridades francesas obrigações positivas com vista ao regresso da criança. O processo foi, todavia, julgado inadmissível porque o pai não tinha esgotado as vias de direito interno antes de recorrer ao Tribunal Europeu dos Direitos do Homem.
64. Todos os processos acima mencionados têm em comum o facto de as autoridades nacionais terem indeferido o pedido de autorização do exercício das prerrogativas resultantes do direito de guarda.
65. Ora, no processo sobre o qual nos debruçamos, à data da deslocação, o pai nem sequer tinha apresentado um pedido com vista à atribuição do direito de guarda, não obstante esta possibilidade se encontrar prevista na legislação nacional. Observo também que a mãe não poderia impedir a atribuição deste direito ao pai se o órgão jurisdicional nacional competente decidisse neste sentido.
66. Na falta de uma decisão nacional que recuse a atribuição do direito de guarda a J. McB., não é sequer possível colocar a questão da existência de uma eventual violação da CEDH.
67. Para ser exaustivo, observo, todavia, que não me parece que as condições de atribuição do direito de guarda estejam em contradição com os direitos garantidos pela CEDH. A jurisprudência do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem não corrobora de modo algum a afirmação de J. McB. de que é incompatível com a CEDH considerar que os direitos do pai natural relativos à responsabilidade parental não existem de pleno direito, mesmo em caso de coabitação, mas dependem de uma atribuição por via de decisão judicial (ou, sendo esse o caso, por acordo). Ora, da CEDH não decorre nenhum direito de guarda a favor do pai. Este apenas tem direito a que lhe sejam atribuídos tais direitos em pé de igualdade com a mãe na medida em que tal seja compatível com o interesse da criança.
68. No que diz respeito mais especificamente à protecção da vida familiar, invocada pelo pai e mencionada no artigo 7.° da Carta, este aspecto foi analisado pelo Tribunal Europeu dos Direitos do Homem do ponto de vista dos efeitos verticais, a saber, no quadro (27) das intervenções das autoridades que afectam essa protecção no seio de uma família (28). Ora, o quadro no qual o pai o invoca é, no processo em apreço, completamente diferente: é sob o ângulo horizontal das relações entre os membros da família que é invocado, e não das relações com as autoridades irlandesas, às quais ele não recorreu com vista a obter a protecção do seu direito fundamental à vida familiar segundo as modalidades previstas na legislação aplicável, ou com vista a obter a atribuição do direito de guarda. Na realidade, J. McB. pede que o Tribunal de Justiça faça uma interpretação que lhe permita obter um direito de guarda implícito da CEDH, não conhecido do direito do Estado‑Membro em causa, oponível ex post à mãe e que limite, assim, ex post o direito de guarda desta, reconhecido pelo direito do Estado em questão. Tal não é possível. A interpretação que o pai, J. McB., pede equivaleria a aplicar directamente a CEDH em relação a um particular.
69. Reconhecer ao pai natural um direito de guarda «implícito», ex post, colocaria, aliás, vários problemas. Em primeiro lugar, esta construção criaria potencialmente um obstáculo à livre circulação de pessoas, que, segundo o Tratado, visa também a mãe. A mãe já não poderia escolher livremente a residência do menor e, por conseguinte, a sua própria residência. Em seguida, a pessoa em questão, a saber, a mãe, não poderia ter um conhecimento exacto da sua própria situação jurídica.
70. Por fim, este direito de guarda «implícito» resultante exclusivamente da paternidade biológica, mesmo no contexto da coabitação de facto, sem fundamento jurídico claro e verificável como o pode ser um acto relativo ao estado civil ou um documento administrativo ou judicial relativo à existência dessa qualidade jurídica (de pleno direito ou por força de decisão judicial ou acordo em vigor relativo ao direito de guarda) também não seria compatível com a exigência de clareza necessária à segurança jurídica, para a boa aplicação do Regulamento n.° 2201/2003 pelas autoridades judiciais e administrativas dos Estados‑Membros. Em meu entender, exigir tal clareza no que diz respeito às relações jurídicas entre os progenitores e os menores é plenamente compatível com o direito fundamental do menor de manter regularmente relações pessoais e contactos directos com ambos os progenitores, previsto no artigo 24.°, n.° 3, da Carta, e que, por sua vez, é mencionado no trigésimo terceiro considerando do Regulamento n.° 2201/2003.
71. Recordo, para terminar, voltando ao objecto propriamente dito do pedido de decisão prejudicial, no que diz respeito ao direito da União, que, neste contexto, não se trata de definir se o pai deve ter o direito de guarda ou não, nem de definir em que condições o direito de guarda pode ser atribuído e de que modo. O objectivo deste processo no Tribunal de Justiça é interpretar as condições que devem estar reunidas para que o Regulamento n.° 2201/2003 seja aplicável em caso de rapto presumido de crianças.
V – Conclusão
72. Nestas condições, proponho que o Tribunal de Justiça responda da seguinte forma à questão prejudicial que lhe foi submetida pela Supreme Court:
«O direito da União não obsta a que, para efeitos do artigo 2.°, n.° 11, do Regulamento (CE) n.° 2201/2003 do Conselho, de 27 de Novembro de 2003, relativo à competência, ao reconhecimento e à execução de decisões em matéria matrimonial e em matéria de responsabilidade parental e que revoga o Regulamento (CE) n.° 1347/2000, para demonstrar que ocorreu uma violação do direito de guarda conferido por decisão judicial, por atribuição de pleno direito ou por acordo em vigor nos termos da legislação do Estado‑Membro onde o menor tinha a sua residência habitual imediatamente antes da sua deslocação ou da sua retenção, a legislação de um Estado‑Membro exija que o pai de um menor que não é casado com a mãe deste obtenha do órgão jurisdicional competente uma decisão que lhe confira a guarda deste menor de modo a que lhe seja reconhecido um ‘direito de guarda’ na acepção do artigo 2.°, n.° 11, deste regulamento.»
1 – Língua original: francês.
2 – JO L 338, p. 1.
3 – O representante de J. McB. precisou na audiência que na certidão de nascimento do primeiro filho este é mencionado como pai, mas não nas relativas aos dois outros filhos comuns de J. McB. e de L. E. Todavia, afigura‑se‑me que a paternidade dos três menores não é contestada pelas partes.
4 – A seguir «Convenção da Haia de 1980».
5 – Proclamada em Nice, em 7 de Dezembro de 2000 (JO C 364, p. 1), foi alterada e dotada de valor jurídico vinculativo quando foi adoptado o Tratado de Lisboa (JO 2007, C 303, p. 1), a seguir «Carta».
6 – Assinada em Roma, em 4 de Novembro de 1950.
7 – Guardianship of Infants Act 1964, conforme inserido pelo artigo 12.° da Lei de 1987 relativa ao estatuto dos menores [Status of Children Act 1987].
8 – Conforme alterada pelo artigo 13.° da Lei de 1987.
9 – Child Abduction and Enforcement of Custody Orders Act, n.° 6/1991.
10 – Os Estados‑Membros são partes contratantes nesta Convenção, mas a União não o é. Para um resumo recente da jurisprudência, v. acórdão de 4 de Maio de 2010, TNT Express Nederland (C‑533/08, Colect., p. I‑0000, n.os 58 a 61).
11 – O Regulamento n.° 2201/2003 cita como base jurídica o artigo 61.°, alínea c), CE [que remete para o artigo 65.° CE] e o artigo 67.°, n.° 1, CE; após a entrada em vigor do Tratado de Lisboa, v. artigo 81.° TFUE.
12 – V. artigos 60.° e 62.° do Regulamento n.° 2201/2003.
13 – V., designadamente, McEleavy, P. – «The New Child Abduction Regime of the European Union: Symbiotic Relationship or Forced Partnership?», Journal of Private International Law, Abril de 2005, p. 5.
14 – V. décimo sétimo considerando do Regulamento n.° 2201/2003.
15 – V. Borrás, A. – «Protection of Minors and Child Abduction under the Hague Conventions and the Brussels II bis Regulation», Japanese and European Private International Law in Comparative perspective, sob a direcção de Basedow, J., e o., Mohr Siebeck, Tübingen, 2008, p. 345.
16 – Por exemplo, no que diz respeito às três modalidades de atribuição do direito de guarda, a referida Convenção precede‑as do advérbio «nomeadamente», o que introduz a ideia de que a lista é apresentada apenas a titulo exemplificativo, enquanto na redacção do Regulamento n.° 2201/2003 a mesma lista é aparentemente exaustiva.
17 – V. relatório do professor Lowe, N. – «Une étude sur les droits et le statut juridique des enfants qui sont élevés dans différentes formes maritales et non maritales de partenariat et de cohabitation», Conselho da Europa, Estrasburgo, 25 de Setembro de 2009, CJ‑FA(2008) 5, p. 32. Este relatório abrange cerca de 30 países, a saber, quase todos os Estados‑Membros da União e um certo número de outros países membros do Conselho da Europa.
18 – O professor Lowe questiona‑se no seu relatório, op. cit., se, no futuro, não conviria harmonizar as abordagens relativas aos progenitores casados e aos não casados, mas tal não é ainda o caso actualmente.
19 – Para a Convenção da Haia de 1980, a precisão do advérbio «nomeadamente» parece ter uma importância concreta: «Nos mesmos termos, as fontes de onde pode decorrer o direito de guarda que se pretende proteger são todas as que podem servir de fundamento a uma reclamação no âmbito do sistema jurídico em questão. A este respeito, o segundo parágrafo do artigo 3.° considera algumas – as mais importantes, sem dúvida – destas fontes, mas sublinha a natureza não exaustiva da enumeração […]. Ora, como veremos nos [números] seguintes, as fontes referidas abrangem um amplo leque jurídico; a precisão do seu carácter parcial deve, por conseguinte, ser sobretudo entendida no sentido de favorecer uma interpretação flexível dos conceitos empregues, que permita abranger o máximo de hipóteses possíveis». V. relatório explicativo de Pérez‑Vera, E. – Actes et documents de la quatorzième session (1980), conférence de La Haye de droit international privé, tomo III, p. 446, n.° 67 (o relatório explicativo pode ser consultado no seguinte endereço: http://hcch.e‑vision.nl/upload/expl28.pdf).
20 – Não é fácil encontrar a tradução exacta da expressão «inchoate right». Todavia, parece‑me que o termo utilizado na base de dados da Convenção da Haia de 1980 («direito de guarda implícito») não abrange exactamente o que J. McB. visa neste contexto.
21 – V. artigo 6.°, n.° 1, TUE.
22 – V. artigo 51.°, n.° 1, da Carta.
23 – V. artigo 6.°, n.° 3, TUE.
24 – Observo, aliás, que o Tratado prevê actualmente, no artigo 6.°, n.° 2, TUE, a adesão da União à CEDH. O mesmo número salienta, à semelhança da disposição constante do número anterior, que esta adesão não altera as competências da União tal como são definidas nos Tratados.
25 – V. TEDH, acórdão Zaunegger c. Alemanha de 3 de Dezembro de 2009 (petição n.° 22028/04). Nesta base, o Tribunal constitucional alemão (BVerfG) decidiu recentemente que a legislação alemã sobre esta matéria é contrária à Constituição alemã (acórdão de 21 de Julho de 2010, 1 BvR 420/09).
26 – V. TEDH, acórdão Guichard c. France de 2 de Setembro de 2003 (petição n.° 56838/00).
27 – Recordo que J. McB. não consta da certidão de nascimento de dois dos três menores em causa.
28 – V. artigo 7.°, n.° 2, da CEDH e, por exemplo, TEDH, acórdão A.W. Khan c. Reino Unido de 12 de Janeiro de 2010 (petição n.° 47486/06).