Processo C‑292/08

German Graphics Graphische Maschinen GmbH

contra

Alice van der Schee, na qualidade de administradora da insolvência da Holland Binding BV

(pedido de decisão prejudicial apresentado pelo Hoge Raad der Nederlanden)

«Insolvência – Aplicação da lei do Estado‑Membro de abertura do processo – Reserva de propriedade – Situação do bem»

SUMÁRIO DO ACÓRDÃO

1. O artigo 25.°, n.° 2, do Regulamento n.° 1346/2000, relativo aos processos de insolvência, deve ser interpretado no sentido de que a expressão «na medida em que for aplicável» implica que, antes de se poder concluir que as disposições em matéria de reconhecimento e de execução do Regulamento n.° 44/2001, relativo à competência judiciária, ao reconhecimento e à execução de decisões em matéria civil e comercial, são aplicáveis a outras decisões para além das mencionadas no artigo 25.°, n.° 1, do Regulamento n.° 1346/2000, é necessário verificar se essas decisões não estão excluídas do âmbito de aplicação material do Regulamento n.° 44/2001.

Essa verificação revela‑se necessária na medida em que não está excluído que, entre as decisões previstas no artigo 25.º, n.º 2, do Regulamento n.º 1346/2000 que não são abrangidas pelo seu âmbito de aplicação, também constem decisões que não são abrangidas pelo âmbito de aplicação do Regulamento n.º 44/2001. A este respeito, decorre do texto do artigo 25.°, n.° 2, que a aplicação do Regulamento n.° 44/200 a uma decisão, na acepção dessa disposição, está sujeita à condição de esta decisão estar abrangida pelo âmbito de aplicação deste regulamento. Daqui decorre que, se a decisão em causa não versar sobre matérias civis ou comerciais, ou se for aplicável uma exclusão do âmbito de aplicação do Regulamento n.° 44/2001, prevista no seu artigo 1.°, o referido regulamento não pode ser aplicado.

(cf. n.os 17‑18, 20, disp. 1)

2. A excepção prevista no artigo 1.°, n.° 2, alínea b), do Regulamento n.° 44/2001, relativo à competência judiciária, ao reconhecimento e à execução de decisões em matéria civil e comercial, conjugado com o artigo 7.°, n.° 1, do Regulamento n.° 1346/2000, relativo aos processos de insolvência, deve ser interpretada, tendo em conta as disposições do artigo 4.°, n.° 2, alínea b), deste regulamento, no sentido de que não se aplica a uma acção de um vendedor intentada ao abrigo de uma cláusula de reserva de propriedade contra um comprador em situação de falência, quando o bem objecto dessa cláusula se encontra no Estado‑Membro de abertura do processo de insolvência no momento da abertura desse processo contra o referido comprador.

Com efeito, a intensidade do nexo existente entre essa acção judicial e o processo de insolvência é determinante para aferir se a exclusão em causa é aplicável. Ora, uma vez que visa unicamente garantir a aplicação da cláusula de reserva de propriedade, esse nexo não é suficientemente directo nem suficientemente estreito para excluir a aplicação do Regulamento n.° 44/2001. Consequentemente, essa acção é uma acção autónoma, cujo fundamento não se encontra no direito dos processos de insolvência e não exige a abertura desse tipo de processo nem a intervenção de um administrador da insolvência. O simples facto de a administradora da insolvência ser parte do litígio não basta para qualificar este processo como um processo decorrente directamente da insolvência e estreitamente inserido no âmbito estreito de um processo de liquidação de patrimónios.

(cf. n.os 29‑33, 38, disp. 2)

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ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Primeira Secção)

10 de Setembro de 2009 (*)

«Insolvência – Aplicação da lei do Estado‑Membro de abertura do processo – Reserva de propriedade – Situação do bem»

No processo C‑292/08,

que tem por objecto um pedido de decisão prejudicial nos termos do artigo 234.° CE, apresentado pelo Hoge Raad der Nederlanden (Países Baixos), por decisão de 20 de Junho de 2008, entrado no Tribunal de Justiça em 2 de Julho de 2008, no processo

German Graphics Graphische Maschinen GmbH

contra

Alice van der Schee, na qualidade de administradora da insolvência da Holland Binding BV

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Primeira Secção),

composto por: P. Jann, presidente de secção (juiz relator), M. Ilešič, A. Tizzano, A. Borg Barthet e E. Levits, juízes,

advogado‑geral: P. Mengozzi,

secretário: R. Grass,

vistos os autos,

vistas as observações apresentadas:

– em representação do Governo neerlandês, por C. Wissels e C. ten Dam, na qualidade de agentes,

– em representação do Governo espanhol, por J. López‑Medel Bascones, na qualidade de agente,

– em representação do Governo italiano, por I. Bruni, na qualidade de agente, assistida por W. Ferrante, avvocato dello Stato,

– em representação do Governo do Reino Unido, por H. Walker e A. Henshaw, na qualidade de agentes,

– em representação da Comissão das Comunidades Europeias, por A.‑M. Rouchaud‑Joët e R. Troosters, na qualidade de agentes,

vista a decisão tomada, ouvido o advogado‑geral, de julgar a causa sem apresentação de conclusões,

profere o presente

Acórdão

1 O pedido de decisão prejudicial tem por objecto a interpretação dos artigos 4.°, n.° 2, alínea b), 7.°, n.° 1, e 25.°, n.° 2, do Regulamento (CE) n.° 1346/2000 do Conselho, de 29 de Maio de 2000, relativo aos processos de insolvência (JO L 160, p. 1), e do artigo 1.°, n.° 2, alínea b), do Regulamento (CE) n.° 44/2001 do Conselho, de 22 de Dezembro de 2000, relativo à competência judiciária, ao reconhecimento e à execução de decisões em matéria civil e comercial (JO 2001, L 12, p. 1).

2 Este pedido foi apresentado no âmbito de um litígio que opõe a German Graphics Graphische Maschinen GmbH (a seguir «German Graphics») a A. van der Schee, na qualidade de administradora da insolvência da Holland Binding BV (a seguir «Holland Binding»), a respeito da execução de uma decisão proferida por um órgão jurisdicional alemão.

Quadro jurídico

3 O artigo 3.°, n.° 1, do Regulamento n.° 1346/2000 dispõe:

«Os órgãos jurisdicionais do Estado‑Membro em cujo território está situado o centro dos interesses principais do devedor são competentes para abrir o processo de insolvência. Presume‑se, até prova em contrário, que o centro dos interesses principais das sociedades e pessoas colectivas é o local da respectiva sede estatutária.»

4 O artigo 4.°, n.os 1 e 2, alínea b), desse regulamento enuncia:

«1. Salvo disposição em contrário do presente regulamento, a lei aplicável ao processo de insolvência e aos seus efeitos é a lei do Estado‑Membro em cujo território é aberto o processo, a seguir designado ‘Estado de abertura do processo’.

2. A lei do Estado de abertura do processo determina as condições de abertura, tramitação e encerramento do processo de insolvência. A lei do Estado de abertura do processo determina, nomeadamente:

[…]

b) Os bens de cuja administração ou disposição o devedor está inibido e o destino a dar aos bens adquiridos pelo devedor após a abertura do processo de insolvência.»

5 O artigo 7.°, n.° 1, do referido regulamento dispõe:

«A abertura de um processo de insolvência contra o comprador de um bem não afecta os direitos do vendedor que se fundamentem numa reserva de propriedade, desde que, no momento da abertura do processo, esse bem se encontre no território de um Estado‑Membro que não o Estado de abertura do processo.»

6 O artigo 25.°, n.os 1 e 2, do mesmo regulamento prevê:

«1. As decisões relativas à tramitação e ao encerramento de um processo de insolvência proferidas por um órgão jurisdicional cuja decisão de abertura do processo seja reconhecida por força do artigo 16.°, bem como qualquer acordo homologado por esse órgão jurisdicional, são igualmente reconhecidos sem mais formalidades. Essas decisões são executadas em conformidade com o disposto nos artigos 31.° a 51.°, com excepção do n.° 2 do artigo 34.°, da Convenção de Bruxelas [de 27 de Setembro de 1968] relativa à competência judiciária e à execução de decisões em matéria civil e comercial [(JO 1989, L 285, p. 24)], alterada pelas convenções relativas à adesão a essa convenção [(a seguir ‘Convenção de Bruxelas’)].

O primeiro parágrafo é igualmente aplicável às decisões directamente decorrentes do processo de insolvência e que com este se encontrem estreitamente relacionadas, mesmo que proferidas por outro órgão jurisdicional.

O primeiro parágrafo é igualmente aplicável às decisões relativas às medidas cautelares tomadas após a apresentação do requerimento de abertura de um processo de insolvência.

2. O reconhecimento e a execução de decisões que não as referidas no n.° 1 regem‑se pela convenção referida no n.° 1 do presente artigo, na medida em que esta for aplicável.»

7 O artigo 1.°, n.° 1, do Regulamento n.° 44/2001 define o seu âmbito de aplicação. O referido regulamento aplica‑se a todas as matérias civis e comerciais e não abrange as matérias fiscais, aduaneiras e administrativas.

8 O artigo 1.°, n.° 2, do Regulamento n.° 44/2001 prevê:

«São excluídos da sua aplicação:

[…]

b) As falências, as concordatas e os processos análogos;

[…]».

Litígio no processo principal e questões prejudiciais

9 A German Graphics, sociedade de direito alemão, celebrou, como vendedora, um contrato de compra e venda de máquinas com a Holland Binding, sociedade de direito neerlandês, que incluía uma cláusula de reserva de propriedade a seu favor.

10 Por sentença de 1 de Novembro de 2006, o Rechtbank Utrecht (Países Baixos) declarou a insolvência da Holland Binding e nomeou a administradora da insolvência.

11 Por decisão de 5 de Dezembro de 2006, o Landgericht Braunschweig (Alemanha) deu provimento ao pedido da German Graphics de adopção de medidas cautelares relativas a um determinado número de máquinas que se encontravam nas instalações da Holland Binding nos Países Baixos. Esse pedido foi apresentado com base na referida cláusula de reserva de propriedade.

12 Em 18 de Dezembro de 2006, o voorzieningenrechter te Utrecht (juiz das medidas provisórias de Utrecht) declarou exequível a decisão do Landgericht Braunschweig. Posteriormente, A. van der Schee, na qualidade de administradora da insolvência da Holland Binding, interpôs recurso dessa decisão no Rechtbank Utrecht, que, por decisão de 28 de Março de 2007, revogou a referida decisão. A German Graphics interpôs recurso de cassação da decisão do Rechtbank Utrecht no Hoge Raad der Nederlanden.

13 Por decisão de 20 de Junho de 2008, o Hoge Raad der Nederlanden decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça as seguintes questões prejudiciais:

«1) O artigo 25.°, n.° 2, do Regulamento (CE) n.° 1346/2000 deve ser interpretado no sentido de que a expressão ‘na medida em que [a Convenção de Bruxelas – isto é, o Regulamento (CE) n.° 44/2001] for aplicável’ nele consagrada implica que, antes de se poder concluir que as disposições do Regulamento (CE) n.° 44/2001 relativas ao reconhecimento e à execução são aplicáveis a outras decisões para além das mencionadas no artigo 25.°, n.° 1, do Regulamento (CE) n.° 1346/2000, há que averiguar primeiro se, nos termos do artigo 1.°, n.° 2, alínea b) do Regulamento (CE) n.° 44/2001, essas decisões ficam excluídas do âmbito de aplicação material deste regulamento?

2) O artigo 1.°, n.° 2, alínea b), do Regulamento (CE) n.° 44/2001, conjugado com o artigo 7.°, n.° 1, do Regulamento [n.° 1346/2000], deve ser interpretado no sentido de que o facto de um bem sujeito a reserva de propriedade se encontrar, quando da abertura do processo de insolvência contra o comprador, no Estado‑Membro em que esse processo é aberto, implica que uma providência requerida pelo vendedor com fundamento na reserva de propriedade, como a requerida pela German Graphics, deve ser considerada uma providência relacionada com a insolvência, na acepção do artigo 1.°, n.° 2, alínea b), do Regulamento (CE) n.° 44/2001, ficando, por isso, excluída do âmbito de aplicação material desse regulamento?

3) Para efeitos da segunda questão, é relevante a circunstância de, nos termos do artigo 4.°, n.° 2, alínea b), do Regulamento (CE) n.° 1346/2000, o direito do Estado‑Membro em que o processo foi aberto determinar os bens que fazem parte da massa insolvente?»

Quanto à primeira questão

14 Com a sua primeira questão, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, no essencial, se, antes de concluir pelo reconhecimento de uma decisão, na acepção do artigo 25.°, n.° 2, do Regulamento n.° 1346/2000, com base nas disposições do Regulamento n.° 44/2001, incumbe ao juiz encarregado da execução verificar se a referida decisão é abrangida pelo âmbito de aplicação deste último regulamento.

15 O reconhecimento das decisões relativas aos processos de insolvência é regulado pelos artigos 16.° a 26.° do Regulamento n.° 1346/2000. Neste contexto, o artigo 25.° desse regulamento tem por objecto, nomeadamente, o reconhecimento e a execução de decisões que não as que dizem directamente respeito à abertura de um processo de insolvência.

16 O referido artigo 25.°, visa por um lado, no seu n.° 1, primeiro parágrafo, «[a]s decisões relativas à tramitação e ao encerramento» de um processo desse tipo e, por outro, no seu n.° 1, segundo e terceiro parágrafos, as decisões «directamente decorrentes do processo de insolvência e que com este se encontrem estreitamente relacionadas» bem como as decisões relativas a determinas medidas cautelares, e, no seu n.° 2, as «decisões que não as referidas no n.° 1 […], na medida em que esta [convenção, a saber, a Convenção de Bruxelas] for aplicável».

17 Consequentemente, as decisões previstas no artigo 25.°, n.° 2, do Regulamento n.° 1346/2000 não são decisões abrangidas pelo âmbito de aplicação deste regulamento. Além disso, não está excluído que, entre estas, constem decisões que não são abrangidas pelo âmbito de aplicação do Regulamento n.° 1346/2000 nem pelo do Regulamento n.° 44/2001. A este respeito, decorre do texto do artigo 25.°, n.° 2, que a aplicação do Regulamento n.° 44/200 a uma decisão, na acepção dessa disposição, está sujeita à condição de esta decisão estar abrangida pelo âmbito de aplicação deste regulamento.

18 Daqui decorre que, se a decisão em causa não versar sobre matérias civis ou comerciais, ou se for aplicável uma exclusão do âmbito de aplicação do Regulamento n.° 44/2001, prevista no seu artigo 1.°, o referido regulamento não pode ser aplicado.

19 Assim, o juiz encarregado da execução, antes de concluir pelo reconhecimento de uma decisão que não é abrangida pelo âmbito de aplicação do Regulamento n.° 1346/2000, deve, em conformidade com as disposições do Regulamento n.° 44/2001, verificar se a decisão em causa é abrangida pelo âmbito de aplicação deste último regulamento.

20 Resulta do que precede que há que responder à primeira questão que o artigo 25.°, n.° 2, do Regulamento n.° 1346/2000 deve ser interpretado no sentido de que a expressão «na medida em que [a Convenção de Bruxelas – isto é, o Regulamento (CE) n.° 44/2001] for aplicável» implica que, antes de se poder concluir que as disposições do Regulamento n.° 44/2001 em matéria de reconhecimento e de execução são aplicáveis a outras decisões para além das mencionadas no artigo 25.°, n.° 1, do Regulamento n.° 1346/2000, é necessário verificar se essas decisões estão excluídas do âmbito de aplicação material do Regulamento n.° 44/2001.

Quanto à segunda e terceira questões

21 Com as suas segunda e terceira questões, que devem ser examinadas em conjunto, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, no essencial, se, devido à abertura de um processo de insolvência contra um comprador quando o bem objecto da cláusula de reserva de propriedade se encontra no Estado‑Membro de abertura desse processo, a acção intentada pelo vendedor contra o referido comprador baseada nessa cláusula fica excluída do âmbito de aplicação do Regulamento n.° 44/2001.

22 A fim de responder a essas questões, deve‑se fazer referência aos considerandos do Regulamento n.° 44/2001. Nos termos do segundo considerando, certas disparidades das regras nacionais em matéria de competência judicial e de reconhecimento de decisões judiciais dificultam o bom funcionamento do mercado interno. Segundo o sétimo considerando desse regulamento, é importante incluir no seu âmbito de aplicação material o essencial da matéria civil e comercial. O décimo quinto considerando do referido regulamento salienta a necessidade de, para o funcionamento harmonioso da justiça, evitar que sejam proferidas decisões inconciliáveis em dois Estados‑Membros.

23 Estes considerandos demonstram a intenção do legislador comunitário de adoptar uma concepção ampla do conceito de «matéria civil e comercial» constante do artigo 1.°, n.° 1, do Regulamento n.° 44/2001 e, consequentemente, um âmbito de aplicação amplo deste regulamento.

24 Essa interpretação é também corroborada pelo primeiro parágrafo do sexto considerando do Regulamento n.° 1346/2000, segundo o qual este regulamento, de acordo com o princípio da proporcionalidade, deve limitar‑se às disposições que regulam a competência para abertura de processos de insolvência e para a tomada de decisões directamente decorrentes de processos de insolvência e com eles estreitamente relacionadas.

25 Consequentemente, o âmbito de aplicação deste regulamento não deve ser objecto de uma interpretação ampla.

26 Dito isto, impõe‑se recordar que o Tribunal de Justiça decidiu, no âmbito da sua jurisprudência relativa à Convenção de Bruxelas, que uma acção está ligada a um processo de falência quando resulta directamente da falência e se insere no âmbito estreito de um processo de liquidação de patrimónios ou de concordata judicial (v. acórdão de 22 de Fevereiro de 1979, Gourdain, 133/78, Colect., p. 733, n.° 4) Por conseguinte, uma acção com tais características não é abrangida pelo âmbito de aplicação dessa Convenção (v. acórdão de 12 de Fevereiro de 2009, Seagon, C‑339/07, ainda não publicado na Colectânea, n.° 19).

27 Na medida em que o Regulamento n.° 44/2001 passou a substituir, nas relações entre Estados‑Membros, a Convenção de Bruxelas, a interpretação dada pelo Tribunal de Justiça às disposições da Convenção vale também para as do referido regulamento quando as disposições de ambos os diplomas possam ser consideradas equivalentes. Resulta ainda do décimo nono considerando do Regulamento n.° 44/2001 que a continuidade na interpretação entre a Convenção de Bruxelas e o referido regulamento deve ser assegurada (acórdão de 23 de Abril de 2009, Draka NK Cables e o., C‑167/08, ainda não publicado na Colectânea, n.° 20).

28 Ora, no sistema instituído pelo Regulamento n.° 44/2001, o seu artigo 1.°, n.° 2, alínea b), ocupa o mesmo lugar e desempenha a mesma função que o artigo 1.°, segundo parágrafo, ponto 2, da Convenção de Bruxelas. Para mais, estas duas disposições foram redigidas em termos idênticos (acórdão de 2 de Julho de 2009, SCT Industri, C‑111/08, ainda não publicado na Colectânea, n.° 23).

29 À luz do que precede, é portanto a intensidade do nexo existente, na acepção da jurisprudência decorrente do acórdão Gourdain, já referido, entre uma acção judicial como a que está em causa no processo principal e o processo de insolvência que é determinante para aferir se a exclusão enunciada no artigo 1.°, n.° 2, alínea b), do Regulamento n.° 44/2001 é aplicável.

30 Ora, cumpre referir que, numa situação como a que está em causa no processo principal, esse nexo não é suficientemente directo nem suficientemente estreito para excluir a aplicação do Regulamento n.° 44/2001.

31 Com efeito, decorre da decisão de reenvio que a German Graphics, demandante na acção intentada no Landgericht Braunschweig, pediu a restituição dos bens de que é proprietária e que este órgão jurisdicional devia unicamente esclarecer a questão da propriedade de determinadas máquinas que se encontravam nas instalações da Holland Binding nos Países Baixos. A resposta a esta questão de direito é independente da abertura de um processo de insolvência. A acção intentada pela German Graphics visou unicamente garantir a aplicação da cláusula de reserva de propriedade acordada a favor desta sociedade.

32 Por outras palavras, a acção relativa à referida cláusula de reserva de propriedade é uma acção autónoma, cujo fundamento não se encontra no direito dos processos de insolvência e não exige a abertura desse tipo de processo nem a intervenção de um administrador da insolvência.

33 Nestas condições, o simples facto de a administradora da insolvência ser parte do litígio não basta para qualificar o processo no Landgericht Braunschweig como um processo decorrente directamente da insolvência e estreitamente inserido no âmbito estreito de um processo de liquidação de patrimónios.

34 Importa, portanto, afirmar que uma acção como a que a German Graphics intentou no Landgericht Braunschweig não está excluída do âmbito de aplicação do Regulamento n.° 44/2001.

35 Contudo, o órgão jurisdicional de reenvio interroga‑se sobre a questão de saber se o artigo 7.°, n.° 1, do Regulamento n.° 1346/2000 pode influenciar a classificação das acções que estão ligadas a um processo de insolvência. Ora, essa disposição limita‑se a precisar que «[a] abertura de um processo de insolvência contra o comprador de um bem não afecta os direitos do vendedor que se fundamentem numa reserva de propriedade, desde que, no momento da abertura do processo, esse bem se encontre no território de um Estado‑Membro que não o Estado de abertura do processo». Por outras palavras, a referida disposição é apenas uma norma material que visa proteger o vendedor relativamente aos bens que se encontram fora do Estado‑Membro de abertura do processo de insolvência.

36 Além disso, o referido artigo 7.°, n.° 1, não é aplicável no processo principal uma vez que, no momento da abertura do processo de insolvência, os bens da German Graphics se encontravam nos Países Baixos, isto é, no território do Estado‑Membro de abertura desse processo.

37 No que diz respeito à incidência que o artigo 4.°, n.° 2, alínea b), do Regulamento n.° 1346/2000 podia ter na resposta do Tribunal de Justiça no que se refere à classificação da acção em causa no processo principal, importa afirmar que essa disposição constitui apenas uma norma destinada a evitar conflitos de leis ao prever que a lei do Estado de abertura do processo de insolvência é aplicável para determinar «[o]s bens de cuja administração ou disposição o devedor está inibido e o destino a dar aos bens adquiridos pelo devedor após a abertura do processo de insolvência». Esta disposição não tem qualquer incidência no âmbito de aplicação do Regulamento n.° 44/2001.

38 Face ao conjunto das considerações precedentes, deve‑se responder às segunda e terceira questões que a excepção prevista no artigo 1.°, n.° 2, alínea b), do Regulamento n.° 44/2001, conjugado com o artigo 7.°, n.° 1, do Regulamento n.° 1346/2000, deve ser interpretada, tendo em conta as disposições do artigo 4.°, n.° 2, alínea b), deste regulamento, no sentido de que não se aplica a uma acção de um vendedor intentada ao abrigo de uma cláusula de reserva de propriedade contra um comprador em situação de falência, quando o bem objecto dessa cláusula se encontra no Estado‑Membro de abertura do processo de insolvência no momento da abertura desse processo contra o referido comprador.

Quanto às despesas

39 Revestindo o processo, quanto às partes na causa principal, a natureza de incidente suscitado perante o órgão jurisdicional nacional, compete a este decidir quanto às despesas. As despesas efectuadas pelas outras partes para a apresentação de observações ao Tribunal de Justiça não são reembolsáveis.

Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Primeira Secção) declara:

1) O artigo 25.°, n.° 2, do Regulamento (CE) n.° 1346/2000 do Conselho, de 29 de Maio de 2000, relativo aos processos de insolvência, deve ser interpretado no sentido de que a expressão «na medida em que [a Convenção de Bruxelas – isto é, o Regulamento (CE) n.° 44/2001] for aplicável» implica que, antes de se poder concluir que as disposições em matéria de reconhecimento e de execução do Regulamento n.° 44/2001 do Conselho, de 22 de Dezembro de 2000, relativo à competência judiciária, ao reconhecimento e à execução de decisões em matéria civil e comercial, são aplicáveis a outras decisões para além das mencionadas no artigo 25.°, n.° 1, do Regulamento n.° 1346/2000, é necessário verificar se essas decisões não estão excluídas do âmbito de aplicação material do Regulamento n.° 44/2001.

2) A excepção prevista no artigo 1.°, n.° 2, alínea b), do Regulamento n.° 44/2001, conjugado com o artigo 7.°, n.° 1, do Regulamento n.° 1346/2000, deve ser interpretada, tendo em conta as disposições do artigo 4.°, n.° 2, alínea b), deste regulamento, no sentido de que não se aplica a uma acção de um vendedor intentada ao abrigo de uma cláusula de reserva de propriedade contra um comprador em situação de falência, quando o bem objecto dessa cláusula se encontra no Estado‑Membro de abertura do processo de insolvência no momento da abertura desse processo contra o referido comprador.

Assinaturas

* Língua do processo: neerlandês.[/fusion_tab]

Informação não disponível

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