Processo C‑376/14 PPU
C.
contra
M.
[pedido de decisão prejudicial da Supreme Court (Irlanda)]
«Processo prejudicial urgente – Espaço de liberdade, segurança e justiça – Cooperação judiciária em matéria civil – Regulamento (CE) n.° 2201/2003 – Convenção de Haia de 25 de outubro de 1980 sobre os aspetos civis do rapto internacional de crianças – Conceito de ‘residência habitual’ de uma criança depois do divórcio dos seus pais – Deslocação ilícita da criança para outro Estado‑Membro – Retenção ilícita»
Dispositivo
Os artigos 2.°, ponto 11, e 11.° do Regulamento (CE) n.° 2201/2003 do Conselho, de 27 de novembro de 2003, relativo à competência, ao reconhecimento e à execução de decisões em matéria matrimonial e em matéria de responsabilidade parental e que revoga o Regulamento (CE) n.° 1347/2000, devem ser interpretados no sentido de que, quando a deslocação da criança ocorreu em conformidade com uma decisão judicial executória provisoriamente que foi em seguida revogada por uma decisão judicial que fixava a residência da criança no domicílio do progenitor que permanece no Estado-Membro de origem, o órgão jurisdicional do Estado-Membro para onde a criança foi deslocada, chamado a pronunciar-se sobre um pedido de regresso da criança, deve verificar, ao proceder à avaliação de todas as circunstâncias específicas do caso, se a criança ainda tinha a sua residência habitual no Estado-Membro de origem imediatamente antes da retenção ilícita alegada. No âmbito desta avaliação, há que ter em conta o facto de a decisão judicial que autorizava a deslocação poder ser executada provisoriamente e ter sido objeto de recurso.
O Regulamento n.° 2201/2003 deve ser interpretado no sentido de que, quando a deslocação da criança ocorreu em conformidade com uma decisão judicial executória provisoriamente que foi em seguida revogada por uma decisão judicial que fixava a residência da criança no domicílio do progenitor que permanece no Estado-Membro de origem, a retenção da criança noutro Estado-Membro na sequência dessa segunda decisão é ilícita e o artigo 11.° desse regulamento é aplicável se se considerar que a criança ainda tinha a sua residência habitual no referido Estado-Membro imediatamente antes dessa retenção. Se, pelo contrário, se considerar que nesse momento a criança já não tinha a sua residência habitual no Estado-Membro de origem, a decisão que julga improcedente o pedido de regresso baseado nessa disposição é adotada sem prejuízo da aplicação das regras relativas ao reconhecimento e à execução de decisões proferidas num Estado-Membro previstas no capítulo III do mesmo regulamento.
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ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Terceira Secção)
9 de outubro de 2014 (*)
«Reenvio prejudicial – Processo prejudicial urgente – Cooperação judiciária em matéria civil – Competência, reconhecimento e execução de decisões em matéria matrimonial e em matéria de responsabilidade parental – Regulamento (CE) n.° 2201/2003 – Retenção ilícita – Residência habitual da criança»
No processo C‑376/14 PPU,
que tem por objeto um pedido de decisão prejudicial apresentado, nos termos do artigo 267.° TFUE, pela Supreme Court (Irlanda), por decisão de 31 de julho de 2014, que deu entrada no Tribunal de Justiça em 7 de agosto de 2014, no processo
C
contra
M,
O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Terceira Secção),
composto por: M. Ilešič, presidente de secção, A. Ó Caoimh, C. Toader E. Jarašiūnas (relator) e C. G. Fernlund, juízes,
advogado‑geral: M. Szpunar,
secretário: L. Hewlett, administradora principal,
visto o pedido do órgão jurisdicional de reenvio de 31 de julho de 2014, que deu entrada no Tribunal de Justiça em 7 de agosto de 2014, de submeter o reenvio prejudicial a tramitação urgente, em conformidade com o disposto no artigo 107.° do Regulamento de Processo do Tribunal de Justiça,
vista a decisão da Terceira Secção, de 14 de agosto de 2014, de deferir esse pedido,
vistos os autos e após a audiência de 22 de setembro de 2014,
vistas as observações apresentadas:
– em representação de C, por C. Walsh, solicitor, R. Costello, BL, e D. Brown, SC,
– em representação de M, por C. Fitzgerald, SC, e K. Kelly, BL,
– em representação do Governo francês, por F. Gloaguen e F.‑X. Bréchot, na qualidade de agentes,
– em representação da Comissão Europeia, por L. Flynn e M. Wilderspin, na qualidade de agentes,
ouvido o advogado‑geral,
profere o presente
Acórdão
1 O pedido de decisão prejudicial tem por objeto a interpretação do Regulamento (CE) n.° 2201/2003 do Conselho, de 27 de novembro de 2003, relativo à competência, ao reconhecimento e à execução de decisões em matéria matrimonial e em matéria de responsabilidade parental e que revoga o Regulamento (CE) n.° 1347/2000 (JO L 338, p. 1, a seguir «regulamento»).
2 Este pedido foi apresentado no âmbito de um litígio que opõe C a M no que respeita ao regresso a França do seu filho menor que se encontra na Irlanda com a mãe.
Quadro jurídico
Convenção de Haia de 1980
3 O artigo 1.° da Convenção sobre os aspetos civis do rapto internacional de crianças, concluída em 25 de outubro de 1980, em Haia (Recueil des traités des Nations unies, vol. 1343, n.° 22514, a seguir «Convenção de Haia de 1980»), enuncia:
«A presente Convenção tem por objeto:
a) Assegurar o regresso imediato das crianças ilicitamente transferidas para qualquer Estado Contratante ou nele retidas indevidamente;
[…]»
4 O artigo 3.° da referida Convenção estipula:
«A deslocação ou retenção da criança é considerada ilícita quando:
a) Tenha sido efetivada em violação de um direito de custódia atribuído a uma pessoa ou a uma instituição ou a qualquer outro organismo, individual ou conjuntamente, pela lei do Estado onde a criança tenha a sua residência habitual imediatamente antes da sua transferência ou da sua retenção; e
b) Quando esse direito é efetivamente exercido, separada ou conjuntamente, no momento da deslocação ou retenção, ou tê‑lo‑ia sido se tais acontecimentos não se tivessem verificado.
O direito de custódia referido na alínea a) pode designadamente resultar quer de uma atribuição de pleno direito, quer de uma decisão judicial ou administrativa, quer de um acordo vigente segundo o direito deste Estado.»
5 O artigo 12.° da mesma Convenção prevê:
«Quando uma criança tenha sido ilicitamente transferida ou retida nos termos do artigo 3.° e tiver decorrido um período de menos de 1 ano entre a data da deslocação ou da retenção indevidas e a data do início do processo perante a autoridade judicial ou administrativa do Estado contratante onde a criança se encontrar, a autoridade respetiva deverá ordenar o regresso imediato da criança.
[…]»
6 O artigo 19.° da Convenção de Haia de 1980 tem a seguinte redação:
«Qualquer decisão sobre o regresso da criança, tomada ao abrigo da presente Convenção, não afeta os fundamentos do direito de custódia.»
Direito da União
7 O considerando 12 do regulamento enuncia:
«As regras de competência em matéria de responsabilidade parental do presente regulamento são definidas em função do superior interesse da criança e, em particular, do critério da proximidade. […]»
8 Nos termos do artigo 2.° do regulamento:
«Para efeitos do presente regulamento, entende‑se por:
[…]
7) ‘Responsabilidade parental’, o conjunto dos direitos e obrigações conferidos a uma pessoa singular ou coletiva por decisão judicial, por atribuição de pleno direito ou por acordo em vigor relativo à pessoa ou aos bens de uma criança. O termo compreende, nomeadamente, o direito de guarda e o direito de visita;
8) ‘Titular da responsabilidade parental’, qualquer pessoa que exerça a responsabilidade parental em relação a uma criança;
9) ‘Direito de guarda’, os direitos e as obrigações relativos aos cuidados devidos à criança e, em particular, o direito de decidir sobre o seu lugar de residência;
[…]
11) ‘Deslocação ou retenção ilícitas de uma criança’, a deslocação ou a retenção de uma criança, quando:
a) Viole o direito de guarda conferido por decisão judicial, por atribuição de pleno direito ou por acordo em vigor por força da legislação do Estado‑Membro onde a criança tinha a sua residência habitual imediatamente antes da deslocação ou retenção; e
b) No momento da deslocação ou retenção, o direito de guarda estivesse a ser efetivamente exercido, quer conjunta, quer separadamente, ou devesse estar a sê‑lo, caso não tivesse ocorrido a deslocação ou retenção. Considera‑se que a guarda é exercida conjuntamente quando um dos titulares da responsabilidade parental não pode, por força de uma decisão ou por atribuição de pleno direito, decidir sobre o local de residência da criança sem o consentimento do outro titular da responsabilidade parental.»
9 O capítulo II do regulamento contém as regras relativas à competência e estabelece, na sua secção 1, que compreende os artigos 3.° a 7.°, as regras de competência em matéria de divórcio, de separação ou anulação do casamento, na sua secção 2, que compreende os artigos 8.° a 15.°, as regras em matéria de responsabilidade parental e, na sua secção 3, que compreende os artigos 16.° a 20.°, disposições comuns.
10 O artigo 8.° do regulamento, sob a epígrafe «Competência geral», dispõe:
«1. Os tribunais de um Estado‑Membro são competentes em matéria de responsabilidade parental relativa a uma criança que resida habitualmente nesse Estado‑Membro à data em que o processo seja instaurado no tribunal.
2. O n.° 1 é aplicável sob reserva do disposto nos artigos 9.°, 10.° e 12.º»
11 O artigo 9.° do mesmo regulamento, sob a epígrafe «Prolongamento da competência do Estado‑Membro da anterior residência habitual da criança», prevê no seu n.° 1:
«Quando uma criança se desloca legalmente de um Estado‑Membro para outro e passa a ter a sua residência habitual neste último, os tribunais do Estado‑Membro da anterior residência habitual da criança mantêm a sua competência, em derrogação do artigo 8.°, durante um período de três meses após a deslocação, para alterarem uma decisão, sobre o direito de visita proferida nesse Estado‑Membro antes da deslocação da criança, desde que o titular do direito de visita, por força dessa decisão, continue a residir habitualmente no Estado‑Membro da anterior residência habitual da criança.»
12 O artigo 10.° do regulamento, sob a epígrafe «Competência em caso de rapto da criança», prevê que, em caso de deslocação ou retenção ilícitas de uma criança, os tribunais do Estado‑Membro onde a criança residia habitualmente imediatamente antes da deslocação ou retenção ilícitas continuam a ser competentes, salvo se determinados requisitos que enuncia estiverem reunidos.
13 O artigo 11.° do regulamento, sob a epígrafe «Regresso da criança», prevê no seu n.° 1:
«Os n.os 2 a 8 são aplicáveis quando uma pessoa, instituição ou outro organismo titular do direito de guarda pedir às autoridades competentes de um Estado‑Membro uma decisão, baseada na Convenção [de Haia de 1980], a fim de obter o regresso de uma criança que tenha sido ilicitamente deslocada ou retida num Estado‑Membro que não o da sua residência habitual imediatamente antes da deslocação ou retenção ilícitas.»
14 Nos termos do artigo 12.° do regulamento, sob a epígrafe «Extensão da competência»:
«1. Os tribunais do Estado‑Membro que, por força do artigo 3.°, são competentes para decidir de um pedido de divórcio, de separação ou de anulação do casamento, são competentes para decidir de qualquer questão relativa à responsabilidade parental relacionada com esse pedido quando:
a) Pelo menos um dos cônjuges exerça a responsabilidade parental em relação à criança; e
b) A competência desses tribunais tenha sido aceite, expressamente ou de qualquer outra forma inequívoca pelos cônjuges ou pelos titulares da responsabilidade parental à data em que o processo é instaurado em tribunal, e seja exercida no superior interesse da criança.
2. A competência exercida nos termos do n.° 1 cessa:
a) Quando a decisão de procedência ou improcedência do pedido de divórcio, de separação ou de anulação do casamento transite em julgado; ou
b) Se, à data referida na alínea a), ainda estiver pendente uma ação relativa à responsabilidade parental, logo que a decisão deste processo transite em julgado; ou
c) Nos casos referidos nas alíneas a) e b), logo que o processo tenha sido arquivado por qualquer outra razão.
3. Os tribunais de um Estado‑Membro são igualmente competentes em matéria de responsabilidade parental em processos que não os referidos no n.° 1, quando:
a) A criança tenha uma ligação particular com esse Estado‑Membro, em especial devido ao facto de um dos titulares da responsabilidade parental ter a sua residência habitual nesse Estado‑Membro ou de a criança ser nacional desse Estado‑Membro; e
b) A sua competência tenha sido aceite explicitamente ou de qualquer outra forma inequívoca por todas as partes no processo à data em que o processo é instaurado em tribunal e seja exercida no superior interesse da criança.
[…]»
15 O artigo 19.° do regulamento, sob a epígrafe «Litispendência e ações dependentes», prevê:
«1. Quando os processos de divórcio, separação ou anulação do casamento entre as mesmas partes são instaurados em tribunais de Estados‑Membros diferentes, o tribunal em que o processo foi instaurado em segundo lugar suspende oficiosamente a instância até que seja estabelecida a competência do tribunal em que o processo foi instaurado em primeiro lugar.
2. Quando são instauradas em tribunais de Estados‑Membros diferentes ações relativas à responsabilidade parental em relação à uma criança, que tenham o mesmo pedido e a mesma causa de pedir, o tribunal em que o processo foi instaurado em segundo lugar suspende oficiosamente a instância até que seja estabelecida a competência do tribunal em que o processo foi instaurado em primeiro lugar.
[…]»
16 O capítulo III do regulamento contém as regras relativas ao reconhecimento das decisões proferidas num Estado‑Membro nos outros Estados‑Membros e à execução dessas decisões. Incluído na secção 1 desse capítulo, relativa ao reconhecimento, o artigo 24.° do regulamento, sob a epígrafe «Proibição do controlo da competência do tribunal de origem», dispõe:
«Não se pode proceder ao controlo da competência do tribunal do Estado‑Membro de origem. O critério de ordem pública, referido na alínea a) do artigo 22.° e na alínea a) do artigo 23.°, não pode ser aplicado às regras de competência enunciadas nos artigos 3.° a 14.°»
17 O artigo 28.° do regulamento, incluído na secção 2 do capítulo III, relativa ao pedido de declaração de executoriedade, prevê no seu n.° 1:
«As decisões proferidas num Estado‑Membro sobre o exercício da responsabilidade parental relativa a uma criança, que aí tenham força executória e que tenham sido citadas ou notificadas, são executadas noutro Estado‑Membro depois de nele terem sido declaradas executórias a pedido de qualquer parte interessada.»
Direito irlandês
18 Decorre da decisão de reenvio que a Lei de 1991 relativa ao rapto de crianças e à execução de sentenças em matéria de guarda (Child Abduction and Enforcement of Custody Orders Act 1991), na sua versão aplicável aos factos no processo principal (a seguir «Lei de 1991 relativa ao rapto de crianças e à execução de sentenças em matéria de guarda»), transpõe para o direito irlandês a Convenção de Haia de 1980. Esta lei foi alterada pelo Regulamento de 2005 adotado no âmbito das Comunidade Europeias (decisões em matéria matrimonial e em matéria de responsabilidade parental) [European Communities (Judgments in Matrimonial Matters and Matters of Parental Responsibility) Regulations 2005) com vista a ter em conta o regulamento nos processos abrangidos pela Convenção de Haia de 1980 que envolvam Estados‑Membros.
Litígio no processo principal e questões prejudiciais
19 C, de nacionalidade francesa, e M, de nacionalidade britânica, casaram‑se em França em 24 de maio de 2008. Da sua união nasceu o filho de ambos em 14 de julho de 2008, em França. Tendo‑se deteriorado rapidamente as relações entre os cônjuges, M apresentou um pedido de divórcio em 17 de novembro de 2008. O pai e a mãe iniciaram então em França vários processos relativos à criança, tanto antes como depois da sentença de divórcio e da apresentação pelo pai na High Court (Irlanda) de um pedido de regresso da criança a França. Só são pertinentes para responder às questões submetidas pelo órgão jurisdicional de reenvio a sentença de divórcio, os factos e os processos posteriores.
Sentença de divórcio, factos e processos judiciais subsequentes
20 O tribunal de grande instance d’Angoulême (França) decretou o divórcio com culpa partilhada dos cônjuges, por sentença de 2 de abril de 2012 (a seguir «sentença de 2 de abril de 2012»). Esta sentença fixou os efeitos do divórcio entre os cônjuges a 7 de abril de 2009, e determinou que o poder parental sobre a criança seria exercido conjuntamente por ambos os pais, fixou a residência habitual da criança com a mãe a partir de 7 de julho de 2012 e regulamentou o direito de visita e de alojamento a favor do pai em caso de desacordo entre as partes, prevendo diferentes modalidades consoante a mãe fixe residência em França ou deixe o território francês para viver na Irlanda. Esta sentença precisa que a mãe está autorizada a «fixar residência na Irlanda» e recorda, no dispositivo, que a sentença «tem força executória no que respeita às disposições relativas à criança».
21 Em 23 de abril de 2012, C interpôs recurso dessa sentença, limitando o seu objeto às medidas relativas à criança e à sua condenação no pagamento de uma determinada quantia a M, a título de adiantamento sobre a sua parte nos bens comuns. Em 5 de junho de 2012, o primeiro presidente da cour d’appel de Bordeaux (França) indeferiu o seu pedido de suspensão da execução provisória da referida sentença.
22 Em 12 de julho de 2012, M viajou para a Irlanda com a criança onde vivem atualmente. Segundo a decisão de reenvio, M não cumpriu as disposições da sentença de 2 de abril de 2012 relativas ao direito do pai de visita e de alojamento.
23 Por acórdão de 5 de março de 2013, a cour d’appel de Bordeaux revogou a sentença de 2 abril de 2012 na parte respeitante às disposições relativas à residência da criança, ao direito de visita e de alojamento e ao pagamento do adiantamento sobre os bens comuns. Esse órgão jurisdicional fixou a residência da criança no domicílio do pai e estabeleceu um direito de visita e de alojamento a favor da mãe.
24 Em 31 de março de 2013, C, invocando nomeadamente o facto de M se recusar a representar a criança intentou, na secção de família do tribunal de grande instance de Niort (França), uma ação a fim de lhe ser atribuído com caráter exclusivo o poder parental, de ser ordenado o regresso da criança ao seu domicílio sob pena de uma sanção e de ser proibida a saída da criança do território francês sem a autorização do pai. Em 10 de julho de 2013, a secção de família do tribunal de grande instance de Niort julgou procedentes os pedidos de C.
25 Em 18 de dezembro de 2013, C requereu à High Court, ao abrigo do artigo 28.° do regulamento, que declarasse executório o acórdão de 5 de março de 2013 da cour d’appel de Bordeaux. Este pedido foi julgado procedente, mas M, que interpôs, em 7 de janeiro de 2014, um recurso de cassação desse acórdão, que está atualmente pendente na Cour de cassation (França), solicitou, em 9 de maio de 2014, que a High Court suspendesse o processo de execução.
Sentença da High Court e decisão de reenvio
26 Em 29 de maio de 2013, C solicitou à High Court que ordenasse, nos termos do artigo 12.° da Convenção de Haia de 1980, dos artigos 10.° e 11.° do regulamento e da Lei de 1991 relativa ao rapto de crianças e à execução de sentenças em matéria de guarda, o regresso da criança a França e declarasse que a mãe reteve ilicitamente a criança na Irlanda.
27 Por acórdão de 13 de agosto de 2013, a High Court julgou improcedentes aqueles pedidos por considerar, em substância, que a deslocação da criança para a Irlanda era lícita pelo facto de ter tido lugar com base numa sentença de um órgão jurisdicional francês que autorizava essa deslocação, que o pedido de suspensão da execução provisória da sentença de 2 de abril de 2012 tinha sido julgado improcedente, que essa sentença era definitiva, não se tratando de um despacho de medidas provisórias nem de uma decisão provisória, e que essa mesma sentença não tinha sido alterada nem revogada em sede de recurso no prazo de três meses previsto no artigo 9.° do regulamento. Daí concluiu que a residência habitual da criança não se tinha tornado condicional pelo facto de C ter interposto um recurso dessa sentença e que a resolução do litígio que lhe foi submetido dependia essencialmente de uma apreciação de ordem factual, uma vez que nada, no conceito de «residência habitual», se opõe a que esta seja alterada e que o regulamento prevê, de resto, a situação em que essa alteração ocorra antes da transferência de jurisdição. Atendendo aos elementos de facto, a High Court considerou que, no caso em apreço, a criança tinha a sua residência habitual na Irlanda desde que a mãe a tinha levado para esse Estado‑Membro com a intenção de aí se instalar.
28 C recorreu dessa sentença em 10 de outubro de 2013 alegando, nomeadamente, que o facto de a deslocação da criança para a Irlanda ter sido lícita não significa que a sua residência habitual tenha mudado, que uma deslocação lícita não exclui uma retenção ilícita, que a sentença de 2 de abril de 2012 era acompanhada da execução provisória e, portanto, temporária enquanto ainda estivesse pendente o recurso interposto dessa sentença, que a mãe não indicou nos órgãos jurisdicionais franceses que tinha a intenção de garantir a guarda da criança na Irlanda, que a mãe nunca contestou a competência dos órgãos jurisdicionais franceses nem alegou que a residência habitual da criança tinha mudado, que a clara intenção desses órgãos jurisdicionais era manter a sua competência relativamente ao direito de guarda, que os órgãos jurisdicionais irlandeses estão vinculados pelas decisões dos tribunais franceses que foram os primeiros a ser chamados a pronunciar‑se e que continuam a ser competentes no que se refere à guarda e, por último, que a High Court fez uma interpretação errada do artigo 9.° do regulamento.
29 Em resposta, M alega nomeadamente que a residência habitual da criança deve ser apreciada à luz dos factos e que, no caso em apreço, esta mudou depois da deslocação da criança para a Irlanda, em conformidade com a sentença de 2 de abril de 2012 que lhe permitia decidir sozinha sobre o lugar da residência da criança, de modo que não se verifica nenhuma violação dos direitos de guarda. Na sua opinião, nem a natureza dessa sentença nem o recurso interposto contra a mesma impedem, de facto, essa mudança de residência. Refere‑se, no que respeita ao conceito de residência habitual, aos acórdãos do Tribunal de Justiça, A (C‑523/07, EU:C:2009:225) e Mercredi (C‑497/10 PPU, EU:C:2010:829).
30 O órgão jurisdicional de reenvio expõe que o litígio no processo principal suscita questões de interpretação dos artigos 2.°, 12.°, 19.° e 24.° do regulamento. Salienta que os órgãos jurisdicionais franceses foram os primeiros a ser chamados a pronunciar‑se na aceção do regulamento, que a sua competência foi aceite inequivocamente pelos progenitores nesse momento e que esses órgãos jurisdicionais afirmam continuar a ser competentes no que respeita à responsabilidade parental apesar da presença da criança na Irlanda. A ser esse o caso, segundo o órgão jurisdicional de reenvio, a mãe reteve ilicitamente a criança a partir da primeira violação do direito de visita e de alojamento fixado pela sentença de 2 de abril de 2012. Interroga‑se, assim, quanto à questão de saber se essa competência cessou ou não à luz das disposições do artigo 12.°, n.° 2, alínea b), ou do artigo 12.°, n.° 3, alíneas a) e b), do regulamento. Em sua opinião, o artigo 19.°, n.° 2, do regulamento é aplicável.
31 Indica, também, referindo‑se aos acórdãos A (EU:C:2009:225) e Mercredi (EU:C:2010:829), que o conceito de residência habitual, que não é definido pelo regulamento, continua a ser uma questão de facto e que devem ser tomadas em consideração, nomeadamente, as condições e as razões da residência no território do Estado‑Membro em causa. Consequentemente, deve ser decidida a questão de saber se os órgãos jurisdicionais franceses continuam a ser competentes ou se a mãe e a criança estavam autorizadas, à luz do direito da União, a estabelecer residência habitual na Irlanda.
32 Nestas condições, a Supreme Court decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça as seguintes questões prejudiciais:
«1) A existência de um processo francês relativo ao direito de guarda da criança obsta, nas circunstâncias do presente processo, ao estabelecimento da residência habitual da criança na Irlanda?
2) O pai ou os tribunais franceses continuam a manter o direito de guarda relativamente à criança, tornando ilícita a retenção da criança na Irlanda?
3) Os tribunais irlandeses podem apreciar a questão da residência habitual da criança, quando esta reside na Irlanda desde julho de 2012, altura em que a sua deslocação para a Irlanda não violava o direito francês?»
Quanto à tramitação urgente
33 A Supreme Court solicitou que o reenvio prejudicial seja submetido à tramitação urgente prevista no artigo 107.° do Regulamento de Processo do Tribunal de Justiça pelo facto de o considerando 17 do regulamento enunciar que, em caso de deslocação ou de retenção ilícitas de uma criança, deve ser obtido sem demora o seu regresso.
34 A este respeito, há que observar, em primeiro lugar, que o reenvio prejudicial tem por objeto a interpretação do regulamento que foi adotado em especial com base no artigo 61.°, alínea c), CE, atual artigo 67.° TFUE, que figura no título V da terceira parte do Tratado FUE, relativa ao espaço de liberdade, segurança e justiça, de modo que o referido reenvio está abrangido pelo âmbito de aplicação da tramitação urgente definido no artigo 107.° do Regulamento de Processo.
35 Em segundo lugar, decorre da decisão de reenvio que, apesar de o poder paternal sobre a criança ter sido atribuído aos dois progenitores pela sentença de 2 de abril de 2012, que concedeu ao pai um direito de visita e de alojamento, e de o acórdão da cour d’appel de Bordeaux de 5 de março de 2013, que revogou parcialmente a referida sentença, ter fixado a residência da criança no domicílio do pai, este está impedido de manter um contacto regular com o filho, atualmente com seis anos, desde a sua deslocação para a Irlanda em 12 de julho de 2012. Na medida em que o reenvio prejudicial foi formulado no âmbito de um litígio que tem por objeto um pedido de regresso da criança a França apresentado pelo pai e que as respostas às questões submetidas são determinantes para a resolução do litígio, qualquer atraso neste processo pode prejudicar o restabelecimento das relações entre a criança e o pai e, em caso de regresso a França, a integração da criança no novo ambiente familiar e social.
36 Nestas condições, mediante proposta do juiz‑relator, ouvido o advogado‑geral, a Terceira Secção do Tribunal de Justiça decidiu deferir o pedido do órgão jurisdicional de reenvio no sentido de o pedido de decisão prejudicial ser sujeito a tramitação urgente.
Quanto às questões prejudiciais
Quanto às disposições pertinentes do regulamento
37 Em primeiro lugar, cabe observar que não existe nenhum conflito ou risco de conflito de competências entre os órgãos jurisdicionais franceses e irlandeses no litígio no processo principal, de modo que as disposições dos artigos 12.° e 19.° do regulamento invocados pelo órgão jurisdicional de reenvio não são pertinentes para a resolução desse litígio.
38 Com efeito, é assente, por um lado, que a criança residia habitualmente em França no momento em que o tribunal de grande instance d’Angoulême e a cour d’appel de Bordeaux foram chamados a pronunciar‑se, de modo que, em conformidade com o artigo 8.° do regulamento, esses órgãos jurisdicionais são competentes para decidir sobre as disposições relativas à responsabilidade parental.
39 Por outro lado, há que observar que a High Court foi chamada a pronunciar‑se, em 29 de maio de 2013, sobre um pedido de regresso da criança a França com base no artigo 12.° da Convenção de Haia de 1980, nos artigos 10.° e 11.° do regulamento e na Lei de 1991 relativa ao rapto de crianças e à execução de sentenças em matéria de guarda.
40 Uma ação dessa natureza, que tem por objeto o regresso, ao Estado‑Membro de origem, da criança que foi deslocada ou retida ilicitamente noutro Estado‑Membro, não diz respeito ao mérito da responsabilidade parental, e não tem, por conseguinte, o mesmo objeto nem a mesma causa que uma ação destinada a determinar a responsabilidade parental (v. acórdão Purrucker, C‑296/10, EU:C:2010:665, n.° 68). Além disso, segundo o artigo 19.° da Convenção de Haia de 1980, a decisão sobre o regresso proferida no âmbito da referida Convenção não afeta o mérito do direito de guarda. Consequentemente, não existe litispendência entre essas ações.
41 Há que acrescentar que o artigo 10.° do regulamento também não se aplica ao processo principal, uma vez que este último não diz respeito ao mérito da responsabilidade parental.
42 Em segundo lugar, há que declarar que para a resolução do litígio no processo principal também não são pertinentes as disposições do artigo 9.° do regulamento, ao qual se referiu a High Court no seu acórdão de 13 agosto de 2013 e que é relativo à manutenção durante um determinado período da competência dos órgãos jurisdicionais do Estado‑Membro da antiga residência habitual da criança no que respeita ao direito de visita, nem as do artigo 24.° do regulamento que o órgão jurisdicional de reenvio invoca, o qual faz parte, no capítulo III do regulamento, da secção 1 relativa ao reconhecimento de decisões proferidas num Estado‑Membro. Com efeito, como decorre das constatações precedentes, o litígio no processo principal não suscita uma questão de competência para decidir sobre um direito de visita nem uma questão de reconhecimento na Irlanda de uma decisão de um órgão jurisdicional francês.
43 Em terceiro lugar, há que salientar que, em contrapartida, são pertinentes o artigo 2.°, ponto 11, do regulamento, que define o conceito de «[d]eslocação ou retenção ilícitas de uma criança», e o artigo 11.° do regulamento, que completa as disposições da Convenção de Haia de 1980 e que se aplica quando, como no processo principal, um órgão jurisdicional da União Europeia é chamado a pronunciar‑se, com base nessa Convenção, sobre um pedido de regresso a Estado‑Membro de uma criança que foi deslocada ou retida ilicitamente noutro Estado‑Membro.
Quanto à primeira e terceira questões
44 A título preliminar, importa salientar que, no processo principal, a criança foi deslocada licitamente de França para a Irlanda na sequência da sentença de 2 de abril de 2012 que fixou a residência habitual da criança no domicílio da mãe e que a autorizava a «instalar a sua residência na Irlanda». Essa sentença, como indicou o Governo francês na resposta ao pedido de esclarecimentos dirigido pelo Tribunal de Justiça e na audiência, não tinha força de caso julgado, dado que era suscetível de recurso, mas as suas disposições relativas à criança eram executórias a título provisório. A referida sentença, que foi objeto de recurso antes da deslocação da criança, foi revogada, cerca de oito meses depois da deslocação da criança para a Irlanda, pelo acórdão da cour d’appel de Bordeaux de 5 de março de 2013, que fixou a residência da criança no domicílio do pai, em França. Esse acórdão, do qual M interpôs recurso de cassação, é, segundo as indicações do Governo francês. executório e tem força de caso julgado, não tendo esse recurso efeito suspensivo no direito francês.
45 Consequentemente, em face das considerações expostas nos n.os 37 a 43 do presente acórdão, há que considerar que, com a primeira e terceira questões, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, se os artigos 2.°, ponto 11, e 11.° do regulamento devem ser interpretados no sentido de que, quando a deslocação da criança ocorreu em conformidade com uma decisão judicial executória provisoriamente que foi em seguida revogada por uma decisão judicial que fixava a residência da criança no domicílio do progenitor que permanece no Estado‑Membro de origem, o órgão jurisdicional do Estado‑Membro para onde a criança foi deslocada, chamado a pronunciar‑se sobre um pedido de regresso da criança, deve verificar, ao proceder à avaliação de todas as circunstâncias específicas do caso, se a criança ainda tinha a sua residência habitual no Estado‑Membro de origem imediatamente antes da retenção ilícita alegada.
46 A este respeito, deve salientar‑se que, segundo a definição de deslocação ou de retenção ilícitas formulada no artigo 2.°, ponto 11, do regulamento em termos muito semelhantes aos do artigo 3.° da Convenção de Haia de 1980, a deslocação ou a retenção, para ser considerada ilícita na aceção do regulamento, deve ter lugar em violação de um direito de guarda conferido por uma decisão judicial, por atribuição de pleno direito ou por acordo em vigor por força da legislação do Estado‑Membro onde a criança tinha a sua residência habitual imediatamente antes da deslocação ou retenção.
47 Decorre desta definição que a existência de uma deslocação ou de uma retenção ilícitas na aceção do artigo 2.°, ponto 11, do regulamento pressupõe que a criança tinha a sua residência habitual no Estado‑Membro de origem imediatamente antes da sua deslocação ou retenção e decorra da violação do direito de guarda atribuído por força da legislação desse Estado‑Membro.
48 Por sua vez, o artigo 11.°, n.° 1, do regulamento prevê que os n.os 2 a 8 do mesmo artigo são aplicáveis quando uma pessoa, instituição ou outro organismo titular do direito de guarda pedir às autoridades competentes de um Estado‑Membro uma decisão, baseada na Convenção de Haia de 1980, a fim de obter o regresso de uma criança que tenha sido ilicitamente deslocada ou retida «num Estado‑Membro que não o da sua residência habitual imediatamente antes da deslocação ou retenção ilícitas». Daqui resulta que não é este o caso se a criança não tiver a sua residência habitual no Estado‑Membro de origem imediatamente antes da sua deslocação ou retenção.
49 Consequentemente, decorre quer do artigo 2.°, ponto 11, quer do artigo 11.°, n.° 1, do regulamento que este último artigo só pode ser aplicado para efeitos de procedência do pedido de regresso se a criança tiver a sua residência habitual no Estado‑Membro de origem imediatamente antes da retenção ilícita alegada.
50 Quanto ao conceito de «residência habitual», o Tribunal de Justiça já declarou, ao interpretar o artigo 8.° do regulamento no acórdão A (EU:C:2009:225) e os artigos 8.° e 10.° do regulamento no acórdão Mercredi (EU:C:2010:829), que o regulamento não contém nenhuma definição desse conceito e considerou que o seu sentido e alcance devem ser determinados, nomeadamente, à luz do objetivo que resulta do considerando 12 do regulamento, segundo o qual as regras de competência que este estabelece são definidas em função do superior interesse da criança, em particular, do critério da proximidade (acórdãos A, EU:C:2009:225, n.os 31 e 35, e Mercredi, EU:C:2010:829, n.os 44 e 46).
51 Nesses acórdãos, o Tribunal de Justiça declarou também que a residência habitual da criança deve ser estabelecida pelo órgão jurisdicional nacional tendo em conta o conjunto das circunstâncias de facto específicas de cada caso (acórdãos A, EU:C:2009:225, n.os 37 e 44, e Mercredi, EU:C:2010:829, n.os 47 e 56). A este respeito, considerou que, além da presença física da criança num Estado‑Membro, outros fatores suplementares devem indicar que essa presença não tem caráter temporário ou ocasional e que a residência da criança corresponde ao lugar que traduz uma certa integração da criança num ambiente social e familiar (acórdãos A, EU:C:2009:225, n.os 38 e 44, e Mercredi, EU:C:2010:829, n.os 47, 49 e 56).
52 O Tribunal de Justiça precisou que, para o efeito, devem nomeadamente ser tidos em conta a duração, a regularidade, as condições e as razões da estada no território desse Estado‑Membro e da mudança da família para esse Estado, a nacionalidade da criança, o lugar e as condições de escolaridade, os conhecimentos linguísticos, bem como as relações familiares e sociais da criança no referido Estado (acórdãos A, EU:C:2009:225, n.os 39 e 44, e Mercredi, EU:C:2010:829, n.os 48, 49 e 56). O Tribunal de Justiça considerou também que a intenção dos progenitores ou de um deles de se fixarem com a criança noutro Estado‑Membro, expressa por certas medidas tangíveis, como a aquisição ou a locação de uma habitação nesse Estado‑Membro, pode ser um indício da transferência da residência habitual da criança (v. acórdãos A, EU:C:2009:225, n.os 40 e 44, e Mercredi, EU:C:2010:829, n.° 50).
53 Além disso, nos n.os 51 a 56 do acórdão Mercredi (EU:C:2010:829), o Tribunal de Justiça declarou que a duração de uma estada apenas pode servir de indício na avaliação de todas as circunstâncias de facto específicas do caso concreto e precisou os elementos a ter nomeadamente em consideração quando a criança é de tenra idade.
54 O conceito de «residência habitual» da criança que figura nos artigos 2.°, ponto 11, e 11.° do regulamento não pode ter um conteúdo diferente do exposto nos acórdãos supramencionados a propósito dos artigos 8.° e 10.° do regulamento. Assim, decorre das considerações expostas nos n.os 46 a 53 do presente acórdão que cabe ao órgão jurisdicional do Estado‑Membro para onde a criança foi deslocada, chamado a pronunciar‑se sobre um pedido de regresso baseado na Convenção de Haia de 1980 e no artigo 11.° do regulamento, verificar se a criança tinha a sua residência habitual no Estado‑Membro de origem imediatamente antes da deslocação ou retenção ilícitas alegadas tendo em conta todas as circunstâncias de facto específicas do caso, seguindo os critérios de apreciação definidos nesses acórdãos.
55 Ao examinar nomeadamente as razões da estada da criança no Estado‑Membro para onde foi deslocada e a intenção do progenitor que a levou, importa, em circunstâncias como as que estão em causa no processo principal, ter em conta o facto de a decisão judicial que autorizava a deslocação poder ser executada provisoriamente e ter sido objeto de recurso. Com efeito, estes elementos não militam a favor da declaração de uma transferência da residência habitual da criança uma vez que a dita decisão tinha caráter provisório e o progenitor não podia ter a certeza, no momento da deslocação, que a estada nesse Estado‑Membro não seria temporária.
56 Tendo em conta a necessidade de assegurar a proteção do superior interesse da criança, esses elementos devem, no âmbito da avaliação de todas as circunstâncias específicas do caso, ser ponderados com outros elementos de facto que podem demonstrar uma certa integração da criança num meio social e familiar depois da sua deslocação, como os referidos no n.° 52 do presente acórdão, e, em especial, o tempo decorrido entre a deslocação e a decisão judicial que revogou a decisão de primeira instância e que fixou a residência da criança no domicílio do progenitor que permanece no Estado‑Membro de origem. Em contrapartida, o tempo decorrido desde essa decisão nunca deve ser tido em consideração.
57 Em face das considerações precedentes, há que responder à primeira e terceira questões que os artigos 2.°, ponto 11, e 11.° do regulamento devem ser interpretados no sentido de que, quando a deslocação da criança ocorreu em conformidade com uma decisão judicial executória provisoriamente que foi em seguida revogada por uma decisão judicial que fixava a residência da criança no domicílio do progenitor que permanece no Estado‑Membro de origem, o órgão jurisdicional do Estado‑Membro para onde a criança foi deslocada, chamado a pronunciar‑se sobre um pedido de regresso da criança, deve verificar, ao proceder à avaliação de todas as circunstâncias específicas do caso, se a criança ainda tinha a sua residência habitual no Estado‑Membro de origem imediatamente antes da retenção ilícita alegada. No âmbito desta avaliação, há que ter em conta o facto de a decisão judicial que autorizava a deslocação poder ser executada provisoriamente e ter sido objeto de recurso.
Quanto à segunda questão
58 Na medida em que o Governo francês e a Comissão consideram que a admissibilidade da segunda questão é duvidosa uma vez que se refere à interpretação da Convenção de Haia de 1980, deve observar‑se que, como salientou o advogado‑geral nos n.os 54 a 57 da sua tomada de posição, uma vez que o regulamento reproduz em algumas das suas disposições os termos da referida Convenção ou se refere à mesma, a interpretação solicitada é necessária para uma aplicação uniforme do regulamento e da referida Convenção na União e não se afigura desprovida de pertinência para a resolução do litígio no processo principal (v., neste sentido, acórdão McB., C‑400/10 PPU, EU:C:2010:582, n.os 32 a 37).
59 A título preliminar, quanto ao mérito, há que observar, em primeiro lugar, que o Governo francês indicou na audiência que, no direito francês, um órgão jurisdicional não pode ser titular do direito de guarda.
60 Em segundo lugar, na medida em que o órgão jurisdicional de reenvio parece relacionar a questão da competência dos órgãos jurisdicionais franceses para decidir quanto ao direito de guarda da criança com a questão do caráter ilícito da retenção, deve observar‑se que, como referido no n.° 38 do presente acórdão, a cour d’appel de Bordeaux era competente por força do artigo 8.° do regulamento quando fixou, no seu acórdão de 5 de março de 2013, a residência da criança no domicílio do pai. Contudo, isso não prejudica o caráter ilícito, na aceção do regulamento, da retenção da criança, uma vez que essa ilicitude não decorre da competência, em si, dos órgãos jurisdicionais do Estado‑Membro de origem, mas, como constatado no n.° 47 do presente acórdão, de uma violação do direito de guarda atribuído nos termos do direito do Estado‑Membro de origem.
61 Em terceiro lugar, importa salientar que o artigo 2.°, ponto 11, do regulamento não inclui na definição de «deslocação ou retenção ilícitas» a violação de um direito de visita e de alojamento.
62 Nestas condições, há que considerar que, com a sua segunda questão, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, se o regulamento deve ser interpretado no sentido de que, quando a deslocação da criança ocorreu em conformidade com uma decisão judicial executória provisoriamente que foi depois revogada por uma decisão judicial que fixava a residência da criança no domicílio do progenitor que permanece no Estado‑Membro de origem, a retenção da criança noutro Estado‑Membro na sequência dessa segunda decisão é ilícita, de modo que o artigo 11.° do regulamento é aplicável.
63 A este respeito, basta constatar que constitui uma violação do direito de guarda, na aceção do regulamento, a retenção da criança fora do Estado‑Membro de origem depois de uma decisão judicial desse Estado‑Membro que fixava a residência da criança no domicílio do progenitor que permanece no referido Estado‑Membro, dado que, segundo o artigo 2.°, ponto 9, do regulamento, o direito de guarda compreende o direito de decidir sobre o lugar de residência da criança. Assim, a retenção da criança em violação dessa decisão é ilícita na aceção do regulamento. O seu artigo 11.° é, portanto, aplicável se a criança tinha a sua residência habitual no Estado‑Membro de origem, imediatamente antes dessa retenção.
64 Se se considerar que esta condição de residência não está preenchida, a decisão que indefere o pedido de regresso baseado no artigo 11.° do regulamento, que não afeta o mérito do direito de guarda sobre o qual o órgão jurisdicional do Estado‑Membro de origem já decidiu, é adotada sem prejuízo da aplicação das regras relativas ao reconhecimento e à execução de decisões proferidas num Estado‑Membro estabelecidas no capítulo III do regulamento.
65 Assim, no processo principal, a retenção da criança fora de França constitui uma violação do direito de guarda, na aceção do regulamento, decorrente do acórdão de 5 de março de 2013 da cour d’appel de Bordeaux. O que tem como consequência que essa retenção é ilícita, na aceção do regulamento, e que o artigo 11.° deste último pode ser aplicado para efeitos de procedência do pedido de regresso, se o órgão jurisdicional irlandês competente considerar que a criança tinha residência habitual em França imediatamente antes do referido acórdão. Se, pelo contrário, esse órgão jurisdicional considerar que nesse momento a criança tinha a sua residência habitual na Irlanda, a sua decisão que julga improcedente o pedido de regresso seria adotada sem prejuízo da aplicação das regras do capítulo III do regulamento com vista a obter a execução desse acórdão.
66 Nesta última hipótese, há que recordar que, em conformidade com o considerando 21 do regulamento, este assenta na conceção segundo a qual o reconhecimento e a execução de decisões proferidas num Estado‑Membro devem ter por base o princípio da confiança mútua e os fundamentos do não reconhecimento devem ser reduzidos ao mínimo indispensável (acórdão Rinau, C‑195/08 PPU, EU:C:2008:406, n.° 50).
67 A circunstância de a residência habitual da criança ter podido mudar na sequência de uma sentença de primeira instância, durante processo de recurso, e de essa mudança ter sido constatada, se for caso disso, pelo órgão jurisdicional chamado a pronunciar‑se sobre um pedido de regresso assente na Convenção de Haia de 1980 e no artigo 11.° do regulamento não pode ser invocada pelo progenitor que retém uma criança em violação de um direito de guarda para prolongar a situação de facto criada pela sua conduta ilícita e para se opor à execução da decisão proferida no Estado‑Membro de origem sobre o exercício da responsabilidade parental, que é aí executória e que foi notificada. Com efeito, considerar que a constatação da mudança da residência habitual da criança efetuada pelo órgão jurisdicional chamado a pronunciar‑se sobre esse pedido permite prolongar essa situação de facto e impedir a execução dessa decisão constituiria uma forma de contornar o regime estabelecido pela secção 2 do capítulo III do regulamento e esvaziá‑lo‑ia de sentido.
68 Do mesmo modo, num caso como o do processo principal, a interposição de um recurso da referida decisão proferida pelo Estado‑Membro de origem sobre o exercício da responsabilidade parental não pode afetar a execução dessa decisão.
69 Em face do exposto, há que responder à segunda questão que o regulamento deve ser interpretado no sentido de que, quando a deslocação da criança ocorreu em conformidade com uma decisão judicial executória provisoriamente que foi em seguida revogada por uma decisão judicial que fixava a residência da criança no domicílio do progenitor que permanece no Estado‑Membro de origem, a retenção da criança noutro Estado‑Membro na sequência dessa segunda decisão é ilícita e o artigo 11.° do regulamento é aplicável se se considerar que a criança ainda tinha a sua residência habitual no referido Estado‑Membro imediatamente antes dessa retenção. Se, pelo contrário, se considerar que nesse momento a criança já não tinha a sua residência habitual no Estado‑Membro de origem, a decisão que julga improcedente o pedido de regresso baseado nessa disposição é adotada sem prejuízo da aplicação das regras relativas ao reconhecimento e à execução de decisões proferidas num Estado‑Membro previstas no capítulo III do regulamento.
Quanto às despesas
70 Revestindo o processo, quanto às partes na causa principal, a natureza de incidente suscitado perante o órgão jurisdicional de reenvio, compete a este decidir quanto às despesas. As despesas efetuadas pelas outras partes para a apresentação de observações ao Tribunal de Justiça não são reembolsáveis.
Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Terceira Secção) declara:
1) Os artigos 2.°, ponto 11, e 11.° do Regulamento (CE) n.° 2201/2003 do Conselho, de 27 de novembro de 2003, relativo à competência, ao reconhecimento e à execução de decisões em matéria matrimonial e em matéria de responsabilidade parental e que revoga o Regulamento (CE) n.° 1347/2000, devem ser interpretados no sentido de que, quando a deslocação da criança ocorreu em conformidade com uma decisão judicial executória provisoriamente que foi em seguida revogada por uma decisão judicial que fixava a residência da criança no domicílio do progenitor que permanece no Estado‑Membro de origem, o órgão jurisdicional do Estado‑Membro para onde a criança foi deslocada, chamado a pronunciar‑se sobre um pedido de regresso da criança, deve verificar, ao proceder à avaliação de todas as circunstâncias específicas do caso, se a criança ainda tinha a sua residência habitual no Estado‑Membro de origem imediatamente antes da retenção ilícita alegada. No âmbito desta avaliação, há que ter em conta o facto de a decisão judicial que autorizava a deslocação poder ser executada provisoriamente e ter sido objeto de recurso.
2) O Regulamento n.° 2201/2003 deve ser interpretado no sentido de que, quando a deslocação da criança ocorreu em conformidade com uma decisão judicial executória provisoriamente que foi em seguida revogada por uma decisão judicial que fixava a residência da criança no domicílio do progenitor que permanece no Estado‑Membro de origem, a retenção da criança noutro Estado‑Membro na sequência dessa segunda decisão é ilícita e o artigo 11.° desse regulamento é aplicável se se considerar que a criança ainda tinha a sua residência habitual no referido Estado‑Membro imediatamente antes dessa retenção. Se, pelo contrário, se considerar que nesse momento a criança já não tinha a sua residência habitual no Estado‑Membro de origem, a decisão que julga improcedente o pedido de regresso baseado nessa disposição é adotada sem prejuízo da aplicação das regras relativas ao reconhecimento e à execução de decisões proferidas num Estado‑Membro previstas no capítulo III do mesmo regulamento.
Assinaturas
* Língua do processo: inglês.
TOMADA DE POSIÇÃO DO ADVOGADO‑GERAL
MACIEJ SZPUNAR
apresentada em 24 de setembro de 2014 1(1)
Processo C‑376/14 PPU
C.
contra
M.
[pedido de decisão prejudicial da Supreme Court (Irlanda)]
«Processo prejudicial urgente – Espaço de liberdade, segurança e justiça – Cooperação judiciária em matéria civil – Regulamento (CE) n.° 2201/2003 – Convenção de Haia de 25 de outubro de 1980 sobre os aspetos civis do rapto internacional de crianças – Conceito de ‘residência habitual’ de uma criança depois do divórcio dos seus pais – Deslocação ilícita da criança para outro Estado‑Membro – Retenção ilícita»
I – Introdução
1. Um casal franco‑britânico divorciou‑se. Tem uma filha pequena. A mãe, com base numa sentença de um tribunal francês, leva consigo a criança de França para a Irlanda. Sete meses depois, esta sentença é revogada por um tribunal francês de recurso, que determina que a filha resida com o seu pai. A mãe não entrega a criança.
2. Onde é que a criança tem ou tinha a sua residência habitual? Verificou‑se rapto sob a forma de retenção ilícita? São estas as questões com que a Supreme Court (Irlanda) se depara no âmbito do presente pedido prejudicial.
3. É bem sabido que, no ordenamento jurídico da União Europeia, a competência em matéria de responsabilidade parental é regulada pelo Regulamento (CE) n.° 2201/2003 (2), também conhecido como «Regulamento Bruxelas II A». Também é bem sabido que a Convenção de 25 de outubro de 1980 sobre os aspetos civis do rapto internacional de crianças, adotada sob os auspícios da Conferência de Haia sobre o direito internacional privado (3) (a seguir «Convenção de Haia de 1980») estabelece um processo de regresso da criança.
4. A resposta do legislador da União Europeia sobre a forma de articular a relação entre esses dois instrumentos jurídicos encontra‑se no artigo 11.° do Regulamento n.° 2201/2003. O presente caso, que se situa numa linha de demarcação entre a Convenção de Haia de 1980 e o Regulamento n.° 2201/2003, diz respeito à interpretação dessa disposição e à forma como o Regulamento n.° 2201/2003 e a Convenção de Haia de 1980 se relacionam entre si.
II – Quadro jurídico
A – Convenção de Haia de 1980
5. O artigo 1.° da Convenção de Haia de 1980 dispõe:
«A presente Convenção tem por objetivo:
a) Assegurar o regresso imediato das crianças ilicitamente transferidas para qualquer Estado Contratante ou nele retidas indevidamente;
[…]»
6. Segundo o artigo 3.° desta convenção:
«A deslocação ou retenção da criança é considerada ilícita:
a) Quando tenha sido efetivada em violação de um direito de custódia atribuído a uma pessoa ou a uma instituição ou a qualquer outro organismo, individual ou conjuntamente, pela lei do Estado onde a criança tenha a sua residência habitual imediatamente antes da sua transferência ou da sua retenção; e
b) Quando esse direito é efetivamente exercido, separada ou conjuntamente, no momento da deslocação ou retenção, ou tê‑lo‑ia sido se tais acontecimentos não se tivessem verificado.
O direito de custódia referido na alínea a) pode designadamente resultar quer de uma atribuição de pleno direito, quer de uma decisão judicial ou administrativa, quer de um acordo vigente segundo o direito deste Estado.»
7. O artigo 12.° da Convenção de Haia de 1980 tem a seguinte redação:
«Quando uma criança tenha sido ilicitamente transferida ou retida nos termos do artigo 3.° e tiver decorrido um período de menos de 1 ano entre a data da deslocação ou da retenção indevidas e a data do início do processo perante a autoridade judicial ou administrativa do Estado contratante onde a criança se encontrar, a autoridade respetiva deverá ordenar o regresso imediato da criança.
A autoridade judicial ou administrativa respetiva, mesmo após a expiração do período de 1 ano referido no parágrafo anterior, deve ordenar também o regresso da criança, salvo se for provado que a criança já se encontra integrada no seu novo ambiente.
Quando a autoridade judicial ou administrativa do Estado requerido tiver razões para crer que a criança tenha sido levada para um outro Estado, pode então suspender o processo ou rejeitar o pedido para o regresso da criança.»
8. O artigo 13.° da mesma Convenção dispõe:
«Sem prejuízo das disposições contidas no artigo anterior, a autoridade judicial ou administrativa do Estado requerido não é obrigada a ordenar o regresso da criança se a pessoa, instituição ou organismo que se opuser ao seu regresso provar:
a) Que a pessoa, instituição ou organismo que tinha a seu cuidado a pessoa da criança não exercia efetivamente o direito de custódia na época da transferência ou da retenção, ou que havia consentido ou concordado posteriormente com esta transferência ou retenção; ou
b) Existir o risco grave de que o regresso coloque a criança perante um perigo físico ou psíquico, ou qualquer outra situação considerada intolerável.
A autoridade judicial ou administrativa pode também recusar‑se a ordenar o regresso da criança se verificar que esta se opõe a ele e que a criança atingiu já uma idade e um grau de maturidade tais que levem a tomar em consideração as suas opiniões sobre o assunto.
Ao apreciar as circunstâncias referidas neste artigo, as autoridades judiciais ou administrativas deverão ter em consideração as informações respeitantes à situação social da criança fornecidas pela autoridade central ou por qualquer outra autoridade competente do Estado da residência habitual da criança.»
9. O artigo 16.° da Convenção de Haia de 1980 tem a seguinte redação:
«Depois de terem sido informadas da transferência ilícita ou da retenção de uma criança no contexto do artigo 3.°, as autoridades judiciais ou administrativas do Estado contratante para onde a criança tenha sido levada ou onde esteja retida não poderão tomar decisões sobre o fundo do direito de custódia sem que seja provado não estarem reunidas as condições previstas na presente convenção para o regresso da criança, ou sem que tenha decorrido um período razoável de tempo sem que haja sido apresentado qualquer requerimento em aplicação do prescrito pela presente convenção.»
10. O artigo 19.° da Convenção de Haia de 1980 dispõe:
«Qualquer decisão sobre o regresso da criança, tomada ao abrigo da [Convenção de Haia de 1980], não afeta os fundamentos do direito de custódia.»
B – Direito da União Europeia
11. O considerando 17 do Regulamento n.° 2201/2003 tem a seguinte redação:
«Em caso de deslocação ou de retenção ilícitas de uma criança, deve ser obtido sem demora o seu regresso; para o efeito, deverá continuar a aplicar‑se a Convenção de Haia de 25 de outubro de 1980, completada pelas disposições do presente regulamento, nomeadamente o artigo 11.° Os tribunais do Estado‑Membro para o qual a criança tenha sido deslocada ou no qual tenha sido retida ilicitamente devem poder opor‑se ao seu regresso em casos específicos devidamente justificados. Todavia, tal decisão deve poder ser substituída por uma decisão posterior do tribunal do Estado‑Membro da residência habitual da criança antes da deslocação ou da retenção ilícitas. Se esta última decisão implicar o regresso da criança, este deverá ser efetuado sem necessidade de qualquer procedimento específico para o reconhecimento.»
12. O artigo 2.° do referido regulamento, sob a epígrafe «Definições», dispõe:
«Para efeitos do presente regulamento:
[…]
7. ‘Responsabilidade parental’, o conjunto dos direitos e obrigações conferidos a uma pessoa singular ou coletiva por decisão judicial, por atribuição de pleno direito ou por acordo em vigor relativo à pessoa ou aos bens de uma criança. O termo compreende, nomeadamente, o direito de guarda e o direito de visita.
8. ‘Titular da responsabilidade parental’, qualquer pessoa que exerça a responsabilidade parental em relação a uma criança.
9. ‘Direito de guarda’, os direitos e as obrigações relativos aos cuidados devidos à criança e, em particular, o direito de decidir sobre o seu lugar de residência.
10. ‘Direito de visita’, nomeadamente o direito de levar uma criança, por um período limitado, para um lugar diferente do da sua residência habitual.
11. ‘Deslocação ou retenção ilícitas de uma criança’, a deslocação ou a retenção de uma criança, quando:
(a) Viole o direito de guarda conferido por decisão judicial, por atribuição de pleno direito ou por acordo em vigor por força da legislação do Estado‑Membro onde a criança tinha a sua residência habitual imediatamente antes da deslocação ou retenção; e
(b) No momento da deslocação ou retenção, o direito de guarda estivesse a ser efetivamente exercido, quer conjunta, quer separadamente, ou devesse estar a sê‑lo, caso não tivesse ocorrido a deslocação ou retenção. Considera‑se que a guarda é exercida conjuntamente quando um dos titulares da responsabilidade parental não pode, por força de uma decisão ou por atribuição de pleno direito, decidir sobre [o] local de residência da criança sem o consentimento do outro titular da responsabilidade parental.»
13. O capítulo II do Regulamento n.° 2201/2003, relativo à «Competência», contém a secção 2 consagrada à «Responsabilidade parental» (artigos 8.° a 15.°).
14. O artigo 8.° do Regulamento n.° 2201/2003 tem a epígrafe «Competência geral» e tem a seguinte redação:
«1. Os tribunais de um Estado‑Membro são competentes em matéria de responsabilidade parental relativa a uma criança que resida habitualmente nesse Estado‑Membro à data em que o processo seja instaurado no tribunal.
2. O n.° 1 é aplicável sob reserva do disposto nos artigos 9.°, 10.° e 12.°»
15. O artigo 9.°, relativo ao «Prolongamento da competência do Estado‑Membro da anterior residência habitual da criança», prevê:
«1. Quando uma criança se desloca legalmente de um Estado‑Membro para outro e passa a ter a sua residência habitual neste último, os tribunais do Estado‑Membro da anterior residência habitual da criança mantêm a sua competência, em derrogação do artigo 8.°, durante um período de três meses após a deslocação, para alterarem uma decisão, sobre o direito de visita proferida nesse Estado‑Membro antes da deslocação da criança, desde que o titular do direito de visita, por força dessa decisão, continue a residir habitualmente no Estado‑Membro da anterior residência habitual da criança.
2. O n.° 1 não é aplicável se o titular do direito de visita referido no n.° 1 tiver aceitado a competência dos tribunais do Estado‑Membro da nova residência habitual da criança, participando no processo instaurado nesses tribunais, sem contestar a sua competência.»
16. O artigo 10.° regula a «Competência em caso de rapto da criança» nos seguintes termos:
«Em caso de deslocação ou retenção ilícitas de uma criança, os tribunais do Estado‑Membro onde a criança residia habitualmente imediatamente antes da deslocação ou retenção ilícitas, continuam a ser competentes até a criança passar a ter a sua residência habitual noutro Estado‑Membro e:
(a) Cada pessoa, instituição ou outro organismo titular do direito de guarda dar o seu consentimento à deslocação ou à retenção; ou
(b) A criança ter estado a residir nesse outro Estado‑Membro durante, pelo menos, um ano após a data em que a pessoa, instituição ou outro organismo, titular do direito de guarda tenha tomado ou devesse ter tomado conhecimento do paradeiro da criança, se esta se encontrar integrada no seu novo ambiente e se estiver preenchida pelo menos uma das seguintes condições:
(i) não ter sido apresentado, no prazo de um ano após a data em que o titular do direito de guarda tenha tomado ou devesse ter tomado conhecimento do paradeiro da criança, qualquer pedido de regresso desta às autoridades competentes do Estado‑Membro para onde a criança foi deslocada ou se encontra retida,
(ii) o titular do direito de guarda ter desistido do pedido de regresso e não ter sido apresentado nenhum novo pedido dentro do prazo previsto na subalínea i),
(iii) o processo instaurado num tribunal do Estado‑Membro da residência habitual da criança imediatamente antes da deslocação ou retenção ilícitas ter sido arquivado nos termos do n.° 7 do artigo 11.°,
(iv) os tribunais do Estado‑Membro da residência habitual da criança imediatamente antes da deslocação ou retenção ilícitas terem proferido uma decisão sobre a guarda que não determine o regresso da criança.»
17. O artigo 11.°, sob a epígrafe «Regresso da criança», prevê:
«1. Os n.os 2 a 8 são aplicáveis quando uma pessoa, instituição ou outro organismo titular do direito de guarda pedir às autoridades competentes de um Estado‑Membro uma decisão, baseada na Convenção da Haia de 25 de outubro de 1980 sobre os aspetos civis do rapto internacional de crianças (a seguir designada ‘Convenção de Haia de 1980’), a fim de obter o regresso de uma criança que tenha sido ilicitamente deslocada ou retida num Estado‑Membro que não o da sua residência habitual imediatamente antes da deslocação ou retenção ilícitas.
2. Ao aplicar os artigos 12.° e 13.° da Convenção da Haia de 1980, deve‑se providenciar no sentido de que a criança tenha a oportunidade de ser ouvida durante o processo, exceto se tal for considerado inadequado em função da sua idade ou grau de maturidade.
3. O tribunal ao qual seja apresentado um pedido de regresso de uma criança, nos termos do disposto no n.° 1, deve acelerar a tramitação do pedido, utilizando o procedimento mais expedito previsto na legislação nacional.
Sem prejuízo do disposto no primeiro parágrafo, o tribunal deve pronunciar‑se o mais tardar no prazo de seis semanas a contar da apresentação do pedido, exceto em caso de circunstâncias excecionais que o impossibilitem.
4. O tribunal não pode recusar o regresso da criança ao abrigo da alínea b) do artigo 13.° da Convenção da Haia de 1980, se se provar que foram tomadas medidas adequadas para garantir a sua proteção após o regresso.
5. O tribunal não pode recusar o regresso da criança se a pessoa que o requereu não tiver tido oportunidade de ser ouvida.
6. Se um tribunal tiver proferido uma decisão de retenção, ao abrigo do artigo 13.° da Convenção da Haia de 1980, deve imediatamente enviar, diretamente ou através da sua autoridade central, uma cópia dessa decisão e dos documentos conexos, em especial as atas das audiências, ao tribunal competente ou à autoridade central do Estado‑Membro da residência habitual da criança imediatamente antes da sua retenção ou deslocação ilícitas, tal como previsto no direito interno. O tribunal deve receber todos os documentos referidos no prazo de um mês a contar da data da decisão de retenção.
7. Exceto se uma das partes já tiver instaurado um processo nos tribunais do Estado‑Membro da residência habitual da criança imediatamente antes da retenção ou deslocação ilícitas, o tribunal ou a autoridade central que receba a informação referida no n.° 6 deve notificá‑la às partes e convidá‑las a apresentar as suas observações ao tribunal, nos termos do direito interno, no prazo de três meses a contar da data da notificação, para que o tribunal possa analisar a questão da guarda da criança.
Sem prejuízo das regras de competência previstas no presente regulamento, o tribunal arquivará o processo se não tiver recebido observações dentro do prazo previsto.
8. Não obstante uma decisão de retenção, proferida ao abrigo do artigo 13.° da Convenção da Haia de 1980, uma decisão posterior que exija o regresso da criança, proferida por um tribunal competente ao abrigo do presente regulamento, tem força executória nos termos da secção 4 do capítulo III, a fim de garantir o regresso da criança.
18. O artigo 12.° trata da «Extensão da competência» e dispõe:
«1. Os tribunais do Estado‑Membro que, por força do artigo 3.°, são competentes para decidir de um pedido de divórcio, de separação ou de anulação do casamento, são competentes para decidir de qualquer questão relativa à responsabilidade parental relacionada com esse pedido quando:
(a) Pelo menos um dos cônjuges exerça a responsabilidade parental em relação à criança; e
(b) A competência desses tribunais tenha sido aceite, expressamente ou de qualquer outra forma inequívoca pelos cônjuges ou pelos titulares da responsabilidade parental à data em que o processo é instaurado em tribunal, e seja exercida no superior interesse da criança.
2. A competência exercida nos termos do n.° 1 cessa:
(a) Quando a decisão de procedência ou improcedência do pedido de divórcio, de separação ou de anulação do casamento transite em julgado; ou
(b) Se, à data referida na alínea a), ainda estiver pendente uma ação relativa à responsabilidade parental, logo que a decisão deste processo transite em julgado; ou
(c) Nos casos referidos nas alíneas a) e b), logo que o processo tenha sido arquivado por qualquer outra razão.
3. Os tribunais de um Estado‑Membro são igualmente competentes em matéria de responsabilidade parental em processos que não os referidos no n.° 1, quando:
(a) A criança tenha uma ligação particular com esse Estado‑Membro, em especial devido ao facto de um dos titulares da responsabilidade parental ter a sua residência habitual nesse Estado‑Membro ou de a criança ser nacional desse Estado‑Membro; e
(b) A sua competência tenha sido aceite explicitamente ou de qualquer outra forma inequívoca por todas as partes no processo à data em que o processo é instaurado em tribunal e seja exercida no superior interesse da criança.
4. Se a criança tiver a sua residência habitual no território de um Estado terceiro que não seja parte contratante na Convenção da Haia, de 19 de outubro de 1996, relativa à competência, à lei aplicável, ao reconhecimento, à execução e à cooperação em matéria de responsabilidade parental e de medidas de proteção das crianças, presume‑se que a competência baseada no presente artigo é do interesse da criança, nomeadamente quando for impossível instaurar um processo no Estado terceiro em questão.»
19. Em conformidade com o artigo 16.°, com a epígrafe «Apreciação da ação por um tribunal»:
«1. Considera‑se que o processo foi instaurado:
(a) Na data de apresentação ao tribunal do ato introdutório da instância, ou ato equivalente, desde que o requerente não tenha posteriormente deixado de tomar as medidas que lhe incumbem para que seja feita a citação ou a notificação ao requerido; ou
(b) Se o ato tiver de ser citado ou notificado antes de ser apresentado ao tribunal, na data em que é recebido pela autoridade responsável pela citação ou notificação, desde que o requerente não tenha posteriormente deixado de tomar as medidas que lhe incumbem para que o ato seja apresentado a tribunal.»
20. Artigo 19.°, sob a epígrafe «Litispendência e ações pendentes», tem a seguinte redação:
«1. Quando os processos de divórcio, separação ou anulação do casamento entre as mesmas partes são instaurados em tribunais de Estados‑Membros diferentes, o tribunal em que o processo foi instaurado em segundo lugar suspende oficiosamente a instância até que seja estabelecida a competência do tribunal em que o processo foi instaurado em primeiro lugar.
2. Quando são instauradas em tribunais de Estados‑Membros diferentes ações relativas à responsabilidade parental em relação à uma criança, que tenham o mesmo pedido e a mesma causa de pedir, o tribunal em que o processo foi instaurado em segundo lugar suspende oficiosamente a instância até que seja estabelecida a competência do tribunal em que o processo foi instaurado em primeiro lugar.
3. Quando estiver estabelecida a competência do tribunal em que o processo foi instaurado em primeiro lugar, o tribunal em que o processo foi instaurado em segundo lugar declar[a]‑se incompetente a favor daquele.
Neste caso, o processo instaurado no segundo tribunal pode ser submetid[o] pelo requerente à apreciação do tribunal em que a ação foi instaurada em primeiro lugar.»
C – Direito irlandês
21. O Child Abduction and Enforcement of Custody Orders Act (4), 1991 (Lei de 1991 relativa ao rapto de crianças e à execução de sentenças em matéria de guarda) aplica a Convenção de Haia de 1980 ao direito irlandês. Esta lei foi alterada pelo European Communities (Judgments in Matrimonial Matters and Matters of Parental Responsibility) Regulations, 2005 (S.I. 112 of 2005), (5) [Regulamento de 2005 adotado no âmbito das Comunidade Europeias (decisões em matéria matrimonial e em matéria de responsabilidade parental)], com vista a ter em conta o Regulamento n.° 2201/2003 nos processos regulados pela Convenção de Haia de 1980 que estejam relacionados com Estados‑Membros da União Europeia.
III – Factos e tramitação processual
22. O processo no órgão jurisdicional de reenvio tem por objeto um litígio relativo à retenção ilícita de uma criança, H, cidadã francesa, nascida em França a 14 de julho de 2008 de pais, à época casados, C, o pai, nacional francês e M, a mãe, nascida em Inglaterra de pais irlandeses.
23. O casamento dos pais deteriorou‑se rapidamente depois do nascimento da criança. Em 17 de novembro de 2008, a mãe apresentou um pedido de divórcio em França. Desde então, o pai e a mãe envolveram‑se numa maratona judicial sobre os direitos parentais relativos à criança (6).
24. Em 2 de abril de 2012, o Tribunal de Família de Angoulême decretou o divórcio dos conjugues, com efeitos a 7 de abril de 2009. Mediante esta sentença, o tribunal ordenou também que o poder paternal fosse exercido conjuntamente pelos dois progenitores, mas que a residência habitual da criança fosse com a mãe. A transferência da residência devia ser efetuada gradualmente e tornar‑se efetiva a partir de 7 de julho de 2012 (7). O referido tribunal autorizou a mãe a fixar a sua residência na Irlanda com a criança. Organizou o direito de visita do pai, tendo em consideração a possibilidade da deslocação da mãe para a Irlanda (uma vez por mês).
25. Em 23 de abril de 2012, o pai interpôs um recurso desta sentença, no que respeita à responsabilidade parental. Requereu a suspensão da execução imediata da sentença, na parte em que autorizava a mãe a ir para a Irlanda.
26. Em 5 de julho de 2012, o primeiro presidente da cour d’appel de Bordeaux (França) indeferiu o pedido de suspensão da execução imediata.
27. Em 12 de julho de 2012, a mãe e a criança foram para a Irlanda, onde permanecem desde então. Segundo as informações fornecidas pelo órgão jurisdicional de reenvio, a mãe não cumpriu a sentença de 2 de abril de 2012, que lhe ordenava que permitisse a visita do pai.
28. Em 5 de março de 2013, a cour d’appel de Bordeaux, pronunciando‑se sobre o recurso interposto da sentença de 2 de abril de 2012, ordenou o exercício conjunto do poder paternal, e que a criança devia residir com o pai, com direitos específicos de visita e alojamento a favor da mãe.
29. Em 29 de maio de 2013, mediante uma ação especial, o pai requereu nos tribunais irlandeses o regresso da criança à sua residência habitual em França, nos termos do artigo 12.° da Convenção de Haia de 1980, para efeitos de execução das decisões proferidas relativas ao direito de guarda pelos tribunais franceses e do seu próprio direito de guarda e de visita, e para que fosse declarado que a mãe tinha retido ilicitamente a criança na Irlanda.
30. Em 2 de julho de 2013, numa audiência no Tribunal de Família de Niort, o pai requereu que lhe fosse atribuído com caráter exclusivo o poder paternal sobre a criança e que fosse proibida a saída da criança de França. A mãe deduziu exceções processuais relacionadas com o processo nos tribunais irlandeses iniciado em 29 de maio de 2013.
31. Em 10 de julho de 2013, o Tribunal de Família de Niort proferiu a sua sentença e julgou improcedentes as exceções deduzidas pela mãe, considerando que o litígio pendente nos tribunais irlandeses não versava sobre a substância do direito de guarda e que não existia risco de conflito entre os tribunais uma vez que o tribunal irlandês «não parece ter competência para decidir sobre o regresso ou não a França de uma criança cuja residência habitual e, portanto, o mérito do litígio, foi fixada em França por uma decisão muito recente proferida em sede de recurso». O Tribunal de Família de Niort atribuiu ao pai o poder parental com caráter exclusivo, ordenou o regresso da criança à residência do pai em França e proibiu a deslocação da criança para fora de França sem o consentimento do pai. Desde então, a criança não regressou a França.
32. Em 13 de agosto de 2013, a High Court of Ireland julgou improcedente o pedido de regresso da criança a França apresentado nos termos do artigo 12.° da Convenção de Haia de 1980 e recusou o pedido de uma declaração de que a mãe tinha retido ilicitamente a criança na Irlanda (artigo 3.° da Convenção de Haia de 1980) (8). Considerou que as provas tinham demonstrado que a criança tinha a sua residência habitual na Irlanda aproximadamente desde julho de 2012 quando ela e a sua mãe se tinham mudado para a Irlanda. O juiz declarou que se tratava de uma deslocação lícita, baseada na sentença do Tribunal de Família de Angoulême de 2 de abril de 2012.
33. Em 10 de outubro de 2013, o pai recorreu da sentença da High Court. Na Supreme Court, o pai alegou, em especial, que uma deslocação lícita pode vir a tornar‑se numa retenção ilícita, que os órgãos jurisdicionais irlandeses estão vinculados pelas decisões dos tribunais franceses, os primeiros chamados a pronunciar‑se e competentes em matéria de direito de guarda da criança e que o Tribunal de Família de Niort reiterou, nomeadamente, na sua sentença de 10 de julho de 2013, que era o único órgão jurisdicional competente nos termos do Regulamento n.° 2201/2003 e que a residência habitual da criança se situava em França.
34. A mãe alega, em particular que, em conformidade com a sentença do tribunal de grande instance de Angoulême de 2 de abril de 2012, estava autorizada a decidir sozinha o local da residência habitual da criança sem o consentimento do pai e que a residência habitual da criança tinha mudado devido à sua deslocação para a Irlanda, de modo que a criança residia habitualmente na Irlanda antes de março de 2013 e que a retenção continuada da criança na Irlanda não era ilícita.
35. No âmbito do processo relativo ao regresso da criança sobre o qual foi chamada a pronunciar‑se, a Supreme Court submeteu ao Tribunal de Justiça três questões sobre a interpretação do Regulamento n.° 2201/2003 (v., n.° 39, infra).
36. Em 18 de dezembro 2013, o pai requereu ao Master of the High Court of Ireland, nos termos do artigo 28.° do Regulamento n.° 2201/2003, a execução da sentença de 5 de março de 2013 da cour d’appel de Bordeaux. O referido tribunal julgou procedente o pedido, tendo a mãe sido notificada desta decisão em 20 de dezembro de 2013.
37. Por seu turno, a mãe requereu a suspensão do processo de execução. O pedido foi registado em 9 de maio de 2014 na High Court da Irlanda. Neste momento ainda não se conhece o resultado deste processo.
38. Em 7 de janeiro de 2014, a mãe interpôs um recurso de cassação em França (pourvoi en cassation) na Cour de Cassation da sentença da cour d’appel de Bordeaux de 5 de março de 2013. Estava marcada uma audiência para 25 de junho de 2014. Também ainda não se conhece o resultado deste processo.
IV – Questões submetidas ao Tribunal de Justiça
39. Por decisão de 31 de julho de 2014, que deu entrada no Tribunal de Justiça em 7 de agosto de 2014, a Supreme Court submeteu as seguintes questões para decisão prejudicial:
«(1) A existência de um processo francês relativa ao direito de guarda da criança obsta, nas circunstâncias do presente processo, ao estabelecimento da residência habitual da criança na Irlanda?
(2) O pai ou os tribunais franceses continuam a manter o direito de guarda relativamente à criança, tornando ilícita a retenção da criança na Irlanda?
(3) Os tribunais irlandeses podem apreciar a questão da residência habitual da criança, quando esta reside na Irlanda desde julho de 2012, altura em que a sua deslocação para a Irlanda não violava o direito francês?»
V – Tramitação urgente
40. Nessa mesma decisão de 31 de julho de 2014, o órgão jurisdicional de reenvio pediu que o presente pedido de reenvio prejudicial fosse sujeito a tramitação urgente prevista no artigo 107.° do Regulamento de Processo do Tribunal de Justiça. O motivo invocado pelo órgão jurisdicional é que o considerando 17 do Regulamento n.° 2201/2003 indica que, em caso de deslocação ilícita de uma criança, deve ser obtido sem demora o seu regresso.
41. A Terceira Secção do Tribunal de Justiça decidiu, em 14 de agosto de 2014, sob proposta do juiz relator, ouvido o advogado‑geral, deferir o pedido do órgão jurisdicional de reenvio no sentido de submeter o presente reenvio prejudicial a tramitação urgente. O recorrente e a recorrida no processo principal e a Comissão Europeia apresentaram observações escritas. As mesmas partes e a República Francesa compareceram na audiência de 22 de setembro de 2014.
VI – Apreciação
A – Observações preliminares
42. Na sua decisão de reenvio, o órgão jurisdicional de reenvio faz referência a várias disposições do Regulamento n.° 2201/2003. Pretende obter especificamente a interpretação dos artigos 2.°, 12.°, 19.° e 24.° do referido regulamento, e, além disso, parece basear o seu raciocínio nos artigos 8., 9.°, 10.°, 13.°, 16.°, 17.° e 23.° do mesmo regulamento. Acresce que parece resultar da decisão de reenvio que o órgão jurisdicional de reenvio pressupõe que o artigo 19.°, n.° 2, do Regulamento n.° 2201/2003 relativo à litispendência é aplicável.
43. Neste contexto, devem clarificar‑se algumas questões antes de propor as respostas às três questões submetidas.
1. Admissibilidade das questões
44. Antes de mais, há que observar que o órgão jurisdicional de reenvio foi chamado a pronunciar‑se no âmbito de um pedido de regresso nos termos da Convenção de Haia de 1980, a que se refere o artigo 11.° do Regulamento n.° 2201/2003.
45. Isso exige uma breve clarificação da relação jurídica entre a Convenção de Haia de 1980 e o artigo 11.° do Regulamento n.° 2201/2003, relação que deve ser analisada na sua perspetiva histórica.
46. Inicialmente, tanto a Convenção de Bruxelas II (9) como o Regulamento Bruxelas II (10), precursor do Regulamento n.° 2201/2003, pretendiam manter separadas a Convenção de Haia de 1980 e as regras comunitárias relativas à competência e ao reconhecimento e à execução de decisões em matéria matrimonial e de responsabilidade parental. Assim, o artigo 4.° do Regulamento Bruxelas II continha simplesmente uma referência à Convenção de Haia de 1980 (11). Fora esta referência, não existia outra interação com a Convenção de Haia de 1980. No processo legislativo que levou à adoção do Regulamento n.° 2201/2003, a Comissão propôs num projeto de capítulo III, um sistema intracomunitário para um processo de regresso (12). Embora este sistema não visasse substituir completamente a Convenção de Haia de 1980 (13), teria essencialmente «comunitarizado» o processo de regresso. A proposta não foi aceite e, em seu lugar, optou‑se por um compromisso: o processo de regresso continua a basear‑se na Convenção de Haia de 1980, mas é completado pelo artigo 11.° do Regulamento n.° 2201/2003 (14).
47. Nos termos do artigo 11.° do Regulamento n.° 2201/2003, os n.os 2 a 8 são aplicáveis quando uma pessoa, instituição ou outro organismo titular do direito de guarda pedir às autoridades competentes de um Estado‑Membro uma decisão, baseada na Convenção da Haia, a fim de obter o regresso de uma criança que tenha sido ilicitamente deslocada ou retida num Estado‑Membro que não o da sua residência habitual imediatamente antes da deslocação ou retenção ilícitas.
48. A redação do artigo 11.°, n.° 1, do Regulamento n.° 2201/2003 faz transparecer imediatamente que esta disposição não determina diretamente o tribunal competente para apreciar a questão do regresso da criança (15). Pelo contrário, ela refere‑se às «autoridades competentes (16) de um Estado‑Membro [chamadas a pronunciar‑se sobre um pedido de] uma decisão, baseada na Convenção da Haia». Consequentemente, o artigo 11.°, n.° 1 não constitui em si uma base jurídica para proferir uma decisão de regresso (17). Uma tal base jurídica decorre de outras disposições do direito nacional ou internacional.
49. Daqui resulta que se deve tramitar um processo em conformidade com a Convenção de Haia de 1980 para que o artigo 11.° do Regulamento n.° 2201/2003 se aplique. Esse processo é regulado essencialmente pelos artigos 12.° e 13.°, em conjugação com o artigo 3.° da Convenção de Haia de 1980. Em substância, o juiz nacional deve determinar se ocorreu uma deslocação ilícita da criança da sua residência habitual ou a sua retenção ilícita.
50. O artigo 11.° do Regulamento n.° 2201/2003 completa (18) o processo de regresso da Convenção de Haia de 1980 da seguinte forma: os n.os 2 e 5 exigem que a criança seja ouvida no processo, o n.° 3 obriga os tribunais aos quais são apresentados os pedidos a acelerar a tramitação e o n.° 4 salienta que, tomadas as medidas adequadas para garantir a proteção da criança após o regresso, esse regresso não pode ser recusado ao abrigo do artigo 13.°, alínea b), da Convenção da Haia de 1980. Contudo, a função principal do artigo 11.° do Regulamento n.° 2201/2003 encontra‑se no n.° 6 e seguintes. Se um tribunal proferir uma decisão de retenção ao abrigo do artigo 13.° da Convenção da Haia de 1980, os tribunais do Estado‑Membro em que a criança tinha a sua residência habitual imediatamente antes da sua deslocação ou retenção ilícitas têm a última palavra sobre o regresso (19). Uma tal extensão do processo da Convenção de Haia de 1980 explica‑se em última análise por um grau superior de cooperação e confiança entre os Estados‑Membros da União Europeia (20).
51. É óbvio que, na medida em que o artigo 11.° do Regulamento n.° 2201/2003 coincida com a Convenção de Haia de 1980, prevalece o artigo 11.° (21), ao passo que a convenção continua a produzir efeitos em relação a matérias não abrangidas pelo regulamento (22).
52. O facto de ser principalmente a Convenção de Haia de 1980 que determina o processo no caso em apreço suscita a questão de saber se as questões submetidas ao Tribunal de Justiça são admissíveis, por outras palavras, se o Tribunal de Justiça é competente para interpretar a Convenção de Haia de 1980, como referido no artigo 11.°, n.° 1, do Regulamento n.° 2201/2003 (23).
53. Neste contexto, importa salientar que apesar de a União ser membro da Conferência de Haia de Direito Internacional Privado (24), não é, porém, parte na Convenção de Haia de 1980, todos os Estados‑Membros da União são partes na convenção (25).
54. O Regulamento n.° 2201/2003 contém em diversas disposições uma redação semelhante à da convenção. No caso em apreço, isto verifica‑se em especial a respeito das definições legais do artigo 2.° do Regulamento n.° 2201/2003, por um lado, e as expressões utilizadas nos artigos 3.° e 12.° da Convenção de Haia, por outro. Além disso, o artigo 11.° do Regulamento n.° 2201/2003, ao referir‑se à Convenção de Haia de 1980, reproduz parte da sua terminologia.
55. Nesse caso, uma interpretação do Tribunal de Justiça, mesmo no contexto da Convenção de Haia de 1980, é certamente útil para garantir uma aplicação paralela e coerente com o regulamento, para assegurar uma aplicação uniforme do Regulamento n.° 2201/2003 e contribuir para uma interpretação coerente da Convenção de Haia de 1980, na medida em que afeta os 28 Estados‑Membros da União (26).
56. O Tribunal de Justiça tende a seguir uma abordagem liberal quando se trata de interpretar o processo de regresso em conformidade com a Convenção de Haia de 1980 e o artigo 11.° do Regulamento n.° 2201/2003. No processo McB (27) em que o direito irlandês obrigava o órgão jurisdicional nacional a interpretar a Convenção de Haia de 1980 da mesma forma que o Regulamento n.° 2201/2003, o Tribunal de Justiça considerou admissível uma questão sobre a Convenção de Haia de 1980 (28). No mesmo acórdão, o Tribunal de Justiça declarou também que, uma vez que os raptos de menores de um Estado‑Membro para outro eram doravante regulados por um conjunto de normas constituído pelas disposições da Convenção de Haia de 1980, como complementadas pelas disposições do Regulamento n.° 2201/2003, sendo certo que são estas últimas que prevalecem no âmbito de aplicação deste, a interpretação solicitada pelo órgão jurisdicional não se afigurava desprovida de pertinência em face da decisão que este era chamado a proferir (29).
57. Em conclusão, penso que existem razões válidas para responder às questões submetidas a fim de guiar o órgão jurisdicional de reenvio na sua decisão sobre o pedido de regresso da criança.
2. Falta de litispendência
58. No contexto do artigo 19.°, n.° 2, do Regulamento n.° 2201/2003, existe litispendência quando são instauradas em tribunais de Estados‑Membros diferentes ações relativas à responsabilidade parental em relação a uma criança, que tenham o mesmo pedido e a mesma causa de pedir. O objetivo dessa disposição é evitar que sejam proferidas decisões incompatíveis (30).
59. Não é o que se verifica no presente caso. Todos os processos perante os tribunais franceses têm como objeto a questão da responsabilidade parental, e, mais precisamente, a determinação dos direitos de guarda e de visita em relação à criança. Em contrapartida, nos tribunais irlandeses não corre nenhum processo cujo objeto seja a responsabilidade parental. Correm dois tipos de processos nos tribunais irlandeses. Em primeiro lugar, o processo relativo ao caso em apreço, em que o pai submeteu aos tribunais irlandeses um pedido de regresso da criança a França (31), nos termos do artigo 12.° da Convenção de Haia de 1980, conjugado com o artigo 11.° do Regulamento n.° 2201/2003. Em segundo lugar, um processo de execução do acórdão da cour d’appel de Bordeaux de 5 de março de 2013, nos termos do artigo 28.° do Regulamento 2201/2003.
60. Uma vez que o processo na Irlanda no caso em apreço tem um objeto diferente dos processos em França, não existe litispendência. Consequentemente, é irrelevante que os tribunais franceses ainda «conheçam do assunto» (32).
3. Inexistência de cedência de competência
61. Também resulta claramente da decisão de reenvio que o órgão jurisdicional pretende obter uma resposta do Tribunal de Justiça para determinar se é «necessário que os tribunais irlandeses cedam a sua competência (33) a favor dos tribunais franceses nos termos do Regulamento n.° 2201/2003». Neste contexto, o órgão jurisdicional de reenvio afirma também que «os tribunais irlandeses, ao aplicarem o regulamento e salvo circunstâncias excecionais, cederão a sua competência a favor do tribunal onde o processo foi instaurado em primeiro lugar que continua a ser competente» (artigo 19.°, n.° 3, do regulamento).
62. Uma vez que, como expus acima, no caso em apreço não foi solicitado aos tribunais irlandeses que se pronunciassem sobre o mérito da responsabilidade parental, mas apenas quanto a um pedido de regresso da criança, não se coloca a questão da cedência de competência. Uma decisão sobre o mérito do processo só pode ter lugar quando se tenha determinado que não há lugar ao regresso da criança nos termos da Convenção de Haia de 1980 e do artigo 11.° do Regulamento n.° 2201/2003(34).
4. Disposições sem pertinência para o presente processo
63. Consequentemente, resulta das considerações que antecedem que o que órgão jurisdicional de reenvio deve realmente saber é como aplicar a Convenção de Haia de 1980 e o artigo 11.° do Regulamento n.° 2201/2003, quando se serve das definições legais previstas no artigo 2.° do Regulamento n.° 2201/2003. Não necessita de aplicar ao processo que lhe foi submetido os artigos 8.°, 9.°, 10.°, 12.°, 23.° e 24.° do Regulamento n.° 2201/2003 e, portanto não necessita de uma interpretação dos referidos artigos, como tentarei rapidamente expor a seguir.
64. O artigo 8.° contém a regra geral sobre a competência em matéria de responsabilidade parental. Estipula que os tribunais de um Estado‑Membro são competentes em matéria de responsabilidade parental relativamente a uma criança que resida habitualmente nesse Estado‑Membro à data em que o processo seja instaurado no tribunal. Uma vez que o caso em apreço não está relacionado com o mérito da responsabilidade parental, pode‑se excluir desde já o artigo 8.°
65. Em derrogação do artigo 8.°, o artigo 9.° estabelece que quando uma criança se desloca legalmente de um Estado‑Membro para outro e passa a ter a sua residência habitual neste último, os tribunais do Estado‑Membro da anterior residência habitual da criança mantêm a sua competência durante um período de três meses após a deslocação, para alterarem uma decisão sobre o direito de visita proferida nesse Estado‑Membro antes da deslocação da criança. Esse direito de visita é definido no artigo 2.°, n.° 10, do Regulamento 2201/2003, como incluindo, nomeadamente, o direito de levar uma criança, por um período limitado, para um lugar diferente do da sua residência habitual.
66. É evidente que o caso em apreço não tem por objeto o direito de visita, mas sim uma coisa muito diferente (35): o pai não pretende levar a criança para um lugar diferente do da sua residência habitual (36), nem fazê‑lo por um período limitado. O pai pretende obter a guarda da criança numa base permanente através de um pedido de uma ordem de regresso nos termos da Convenção de Haia de 1980.
67. Do mesmo modo, o artigo 10.° do Regulamento n.° 2201/2003 não se pode aplicar ao caso em apreço. Nos termos desta disposição, em caso de deslocação ou retenção ilícitas de uma criança, os tribunais do Estado‑Membro onde a criança residia habitualmente imediatamente antes da deslocação ou retenção ilícitas, continuam a ser competentes até a criança passar a ter a sua residência habitual noutro Estado‑Membro se estiverem reunidas várias condições. Mais uma vez, esta disposição trata do mérito da responsabilidade parental e não, como no presente caso, de uma ordem de regresso.
68. O mesmo raciocínio se aplica para a não aplicação do artigo 12.° relativo à extensão da competência (37).
69. Os artigos 23.° (38) e 24.° (39) do Regulamento n.° 2201/2003 não são pertinentes para o presente processo, uma vez que dizem respeito ao reconhecimento de decisões que não estão em causa no caso em apreço.
B – Primeira questão
70. Com a sua primeira questão, o órgão jurisdicional de reenvio pretende, em substância, obter a interpretação da expressão «residência habitual» que figura no artigo 3.° da Convenção de Haia de 1980 e no artigo 11.°, n.° 1, do Regulamento n.° 2201/2003. O órgão jurisdicional de reenvio parece ter dúvidas quanto à possibilidade de a criança adquirir uma residência habitual fora de França, tendo em conta o processo relativo ao direito de guarda em França.
71. Para decidir sobre o pedido de regresso baseado na Convenção de Haia de 1980, como referido no artigo 11.°, n.° 1, do Regulamento n.° 2201/2003, só a residência habitual da criança imediatamente antes da deslocação ou retenção ilícitas é pertinente (40).
72. Neste contexto, há que salientar que, contrariamente ao previsto nos artigos 8.°, 9.°, 10.° e 12.°, para efeitos do artigo 11.°, n.° 1, do Regulamento n.° 2201/2003, o conceito de residência habitual não é o critério de conexão para determinar a competência, dado que, como já expliquei acima, este artigo não visa conferir competência, mas desencadear o processo de regresso.
73. Assim sendo, a jurisprudência do Tribunal de Justiça relativa à residência habitual no contexto dos artigos 8.° e 10.° do Regulamento n.° 2201/2003 pode servir de guia para a questão em causa. Posso ser breve quanto a este ponto, uma vez que o órgão jurisdicional de reenvio parece estar familiarizado com a jurisprudência pertinente do Tribunal de Justiça, e parece desenvolver o conceito de residência habitual referindo‑se aos acórdãos A (41) e Mercredi (42).
74. O Regulamento n.° 2201/2003 não contém nenhuma definição do conceito de residência habitual. A utilização do adjetivo «habitual» apenas permite concluir que a residência deve ter uma certa estabilidade ou regularidade (43). Como o Tribunal de Justiça já declarou (44), a residência habitual está ligada ao superior interesse da criança e em particular ao critério da proximidade (45).
75. Para determinar a residência habitual, o Tribunal de Justiça recorre a elementos de facto.
76. É jurisprudência assente que o conceito de «residência habitual» corresponde ao local que revelar uma determinada integração do menor num ambiente social e familiar. Para esse fim, devem ser tidas em consideração, nomeadamente a duração, a regularidade, as condições e as razões da permanência no território de um Estado‑Membro e da mudança da família para esse Estado, a nacionalidade do menor, o local e as condições de escolaridade, os conhecimentos linguísticos, bem como os laços familiares e sociais que o menor tiver no referido Estado (46). Além disso, a residência habitual deve ter uma certa duração para traduzir uma estabilidade (47). Também deve ser tida em conta a idade da criança e o facto de, regra geral, o ambiente de uma criança de tenra idade ser essencialmente um ambiente familiar, determinado pela pessoa ou pelas pessoas de referência com as quais a criança vive, que a guardam efetivamente e dela cuidam (48).
77. De forma crucial, cabe ao órgão jurisdicional nacional fixar a residência habitual da criança tendo em conta todas as circunstâncias de facto específicas de cada caso (49).
78. Assim, resulta da jurisprudência referida que a residência habitual deve ser entendida como um conceito de facto. Esta interpretação é apoiada pelo relatório explicativo da Convenção de Haia de 1980, que é categórico a este respeito. Segundo os termos desse relatório «o conceito de residência habitual [é] um conceito familiar à Convenção de Haia, que se entende como um conceito puramente factual que difere em especial do conceito de domicílio» (50).
79. Além disso, a doutrina sobre a Convenção de Haia de 1980 também vê a residência habitual como um conceito de facto (51). O mesmo vale para a doutrina relativa ao Regulamento n.° 2201/2003 e aos seus precursores (52) ou para o direito internacional privado em geral (53). O que é crucial é o local onde a criança tem o centro da sua vida no ponto de vista dos factos (54).
80. Dado que a residência habitual é um conceito de facto, daqui resulta que é independente de qualquer questão de saber se está ou não estabelecida de forma legal. A não ser assim, o artigo 10.° do Regulamento n.° 2201/2003 ficaria privado de objeto, uma vez que essa disposição permite adquirir uma residência habitual apesar de a deslocação ser ilícita. Por outras palavras, a aquisição da residência habitual não tem qualquer relação com o caráter lícito de uma deslocação. A residência habitual pode, em princípio, ser adquirida na sequência de uma deslocação ilícita.
81. Além disso, há que esclarecer que, apesar de o Tribunal de Família de Angoulême ter utilizado os termos «residência habitual» da criança para decidir que esta devia residir no domicílio da mãe, isso não tem nenhuma relação com a questão de saber se, de facto, a criança adquiriu uma residência habitual na Irlanda na aceção das disposições da Convenção de Haia de 1980 e do Regulamento n.° 2201/2003.
82. Na decisão de reenvio, o órgão jurisdicional de reenvio parece inclinar‑se por uma interpretação que condiciona a residência habitual à inexistência de processos judiciais, no sentido de que o processo pendente em França relativo ao direito de guarda impede que o local da residência habitual da criança seja deslocado de França para a Irlanda (55).
83. Na minha opinião, não há qualquer razão para afastar a qualificação maioritariamente aceite, da residência habitual como um conceito de facto. Não é necessário sobrepor construções jurídicas a este conceito. A segurança jurídica exige um conceito que possa ser facilmente aplicado. Se se admitisse que a residência habitual de uma criança não pudesse mudar devido à existência de processos pendentes, isso levaria efetivamente a impedir a aquisição da residência habitual durante um período de tempo incerto. Significaria também que, em casos como o presente, a simples existência de um recurso teria mais peso que todos os elementos de facto acima referidos. Não pode ter sido essa a intenção dos autores da Convenção de Haia de 1980 ou do legislador do Regulamento n.° 2201/2003.
84. Por conseguinte, a residência habitual deve continuar a ser interpretada como conceito de facto. Um tribunal (nacional) deve poder determinar rapidamente, com base em elementos de prova factuais que lhe são apresentados, onde é que uma criança tem a sua residência habitual. Com o auxílio dos critérios referidos acima, deve ser um exercício razoável. Não se pode esperar que um tribunal nacional examine o historial dos litígios das duas partes noutro país, só para determinar a residência habitual do seu filho.
85. Consequentemente, proponho ao Tribunal de Justiça que responda à primeira questão que, num processo como o que está em causa no processo principal, no qual uma criança foi deslocada de um Estado‑Membro para outro com um progenitor que, nessa data, tinha o direito de guarda dessa criança e estava autorizado por um tribunal do Estado‑Membro de origem a deslocar‑se para outro Estado‑Membro, a criança pode em princípio adquirir a residência habitual nesse outro Estado‑Membro. O facto de o processo relativo ao direito de guarda da criança ainda estar pendente no Estado‑Membro de origem não altera esta constatação, uma vez que a residência habitual é um conceito factual e não depende da questão de saber se está ou não em curso um processo judicial.
C – Segunda questão
86. Com a sua segunda questão, o órgão jurisdicional de reenvio pretende saber se o pai ou os tribunais franceses (56) continuam a ter o direito de guarda da criança, de modo a tornar ilícita a retenção da criança na Irlanda. Isso significa que o órgão jurisdicional de reenvio necessita de uma interpretação da Convenção de Haia de 1980, a que se refere o artigo 11.°, n.° 1, do Regulamento n.° 2201/2003, para determinar se a presença ou não da criança na Irlanda constitui uma retenção ilícita por parte da mãe.
87. Há que recordar que a mãe foi para a Irlanda com a criança em 12 de julho de 2012 e que aí permanece desde então. Essa deslocação teve lugar com base na sentença do tribunal de grande instance de Angoulême de 2 de abril de 2012. Em 5 de março de 2013, a cour d’appel de Bordeaux ordenou o regresso da criança a França.
88. A deslocação de 12 de julho de 2012 foi lícita. Nesse momento, a mãe não tinha violado qualquer direito de guarda (57).
89. O órgão jurisdicional de reenvio alude à possibilidade de uma retenção ilícita «a partir da primeira violação do que foi determinado sobre o direito de visita pelo Tribunal de Família de Angoulême em 2 de junho de 2012» (58). Isto baseia‑se na suposição de que «os próprios tribunais franceses afirmam que continuam a ter ‘responsabilidade parental’ em relação à criança apesar da sua presença na Irlanda» (59).
90. Este raciocínio não pode ser mantido.
91. Tanto a Convenção de Haia de 1980 como o Regulamento n.° 2201/2003 se referem à violação do direito de guarda e não do direito de visita. No que diz respeito à Convenção de Haia de 1980, essa redação reflete claramente a vontade dos autores da convenção (60).
92. Por conseguinte, é inconcebível que a mãe tenha deslocado ou retido ilicitamente a criança em 12 de julho de 2012 ou nos meses imediatamente a seguir (61).
93. E no período posterior a 5 de março de 2013?
94. A este respeito, o pai afirma que a criança foi retida ilicitamente na Irlanda em virtude da decisão da cour d’appel de Bordeaux (62). Por outras palavras, a questão é saber se, no caso em apreço, uma deslocação lícita se converteu numa retenção ilícita.
95. Tenho algumas dúvidas quanto à questão de saber se a intenção das partes contratantes na Convenção de Haia de 1980 era a de incluir essa situação no conceito de retenção ilícita. Segundo o relatório explicativo da Convenção de Haia de 1980, as situações consideradas nessa convenção são as que decorrem da utilização de vias de facto para criar ligações artificiais de competência judicial internacional, com vista a obter a guarda de uma criança (63). Segundo o relatório explicativo, o que importa é que a criança foi retirada do ambiente familiar e social em que a sua vida se desenvolvia (64). No caso em apreço não é possível identificar uma situação como a descrita. À data da sentença da cour d’appel de Bordeaux, a criança já estava na Irlanda há mais de sete meses. Assim, nesse momento, não foi subitamente retirada do ambiente familiar e social.
96. Por conseguinte, nas circunstâncias do caso em apreço, não vejo como é que uma deslocação lícita se podia ter convertido numa retenção ilícita (65).
97. O raciocínio sobre este ponto assemelha‑se muito ao descrito acima sobre a residência habitual.
98. Na minha opinião, essa conclusão ajusta‑se à razão de ser da Convenção de Haia de 1980 e do Regulamento n.° 2201/2003. Examinarei apenas a questão de saber se os critérios para uma decisão de regresso com base na Convenção de Haia de 1980, como referida no artigo 11.° do Regulamento n.° 2201/2003, estão preenchidas.
99. Esta questão difere da do reconhecimento e execução das decisões dos tribunais franceses relativas ao direito de guarda. Neste sentido, o regulamento prevê no seu capítulo III um processo de reconhecimento e de execução.
100. Daqui resulta que há que responder à segunda questão que, num caso como o que está em causa no processo principal, quando a criança foi deslocada de um Estado‑Membro para outro com um progenitor que, nessa data, tinha o direito de guarda dessa criança e estava autorizado por um tribunal do Estado‑Membro de origem a deslocar‑se para outro Estado‑Membro, uma alteração no direito de guarda por meio de uma decisão proferida no âmbito de um recurso no Estado‑Membro de origem não dá lugar a uma retenção ilícita.
D – Terceira questão
101. Com a terceira questão, o órgão jurisdicional de reenvio pretende saber se está habilitado a apreciar a questão da residência habitual.
102. A resposta a esta pergunta é ‘sim’.
103. Gostaria, contudo, de reiterar e de salientar que cabe aos tribunais irlandeses determinar a residência habitual da criança unicamente para efeitos da Convenção de Haia de 1980, como referida no artigo 11.° do Regulamento n.° 2201/2003, isto é apenas para determinar se existiu uma retenção ilícita.
104. A questão da competência em matéria de guarda é diferente e deve ser decidida com base nos artigos 8.°, 10.° e 12.° do Regulamento n.° 2201/2003, que não estão em causa no presente processo.
105. Proponho, assim, em resposta à terceira questão, que um tribunal de um Estado‑Membro chamado a pronunciar‑se sobre um pedido de regresso com base na Convenção de Haia, como referida no artigo 11.° do Regulamento n.° 2201/2003, está habilitado a apreciar a questão da residência habitual da criança imediatamente antes da deslocação ou retenção ilícitas alegadas.
VII – Conclusão
106. À luz das considerações que antecedem, proponho ao Tribunal de Justiça que responda às questões prejudiciais apresentadas pela Supreme Court (Irlanda) da seguinte forma:
1) Para efeitos de uma decisão sobre um pedido de regresso nos termos da Convenção de Haia, de 25 de outubro de 1980, sobre os aspetos civis do rapto internacional de crianças; como referido no artigo 11.°, n.° 1 do Regulamento n.° 2201/2003 do Conselho, de 27 de novembro de 2003, relativo à competência, ao reconhecimento e à execução de decisões em material matrimonial e de regulação do poder paternal que revoga o Regulamento (CE) n.° 1347/2000, num processo como o que está em causa no processo principal, no qual uma criança foi deslocada de um Estado‑Membro para outro com um progenitor que, nessa data, tinha o direito de guarda dessa criança e estava autorizado por um tribunal do Estado‑Membro de origem a deslocar‑se para outro Estado‑Membro, a criança pode em princípio adquirir a residência habitual nesse outro Estado‑Membro. O facto de o processo relativo ao direito de guarda da criança ainda estar pendente no Estado‑Membro de origem não altera esta constatação, uma vez que a residência habitual é um conceito factual e não depende da questão de saber se está ou não em curso um processo judicial.
2) Para efeitos de uma decisão sobre um pedido de regresso nos termos da Convenção de Haia de 1980, como referida no artigo 11.°, n.° 1, do Regulamento n.° 2201/2003, num caso como o que está em causa no processo principal, quando a criança foi deslocada de um Estado‑Membro para outro com um progenitor que, nessa data, tinha o direito de guarda dessa criança e estava autorizado por um tribunal do Estado‑Membro de origem a deslocar‑se para outro Estado‑Membro, uma alteração no direito de guarda por meio de uma decisão proferida no âmbito de um recurso no Estado‑Membro de origem não dá lugar a uma retenção ilícita.
3) Um tribunal de um Estado‑Membro chamado a pronunciar‑se sobre um pedido de regresso com base na Convenção de Haia de 1980, como referida no artigo 11.°, n.° 1, do Regulamento n.° 2201/2003, está habilitado a apreciar a questão da residência habitual da criança imediatamente antes da deslocação ou retenção ilícitas alegadas.
1 – Língua original: inglês.
2 – Regulamento do Conselho, de 27 de novembro de 2003, relativo à competência, ao reconhecimento e à execução de decisões em matéria matrimonial e em matéria de responsabilidade parental e que revoga o Regulamento (CE) n.° 1347/2000 (JO L 338, p. 1).
3 – Disponível em: http://www.hcch.net/upload/conventions/txt28en.pdf.
4 – Disponível em: http://www.irishstatutebook.ie/1991/en/act/pub/0006/.
5 – Disponível em: http://www.irishstatutebook.ie/2005/en/si/0112.html.
6 – Os litígios promovidos antes do divórcio não são referidos por não terem relevância para o caso em apreço.
7 – Os termos pertinentes da sentença tem a seguinte redação: «Fixe la résidence habituelle de l’enfant au domicile de la mere à compter du 7 juillet 2012».
8 – A decisão de reenvio indica que a High Court of Ireland se pronunciou sobre um pedido de regresso e sobre um pedido denominado «declaração» de retenção ilícita. Se este pedido constituir, como parece supor o órgão jurisdicional de reenvio, um pedido de «uma decisão ou de um atestado comprovando que a transferência ou a retenção da criança era ilícita nos termos do artigo 3.° da Convenção», isso parece‑me estranho. Uma ordem de regresso baseada no artigo 12.° da Convenção de Haia de 1980 e «uma decisão ou um atestado comprovando que a transferência ou a retenção da criança era ilícita nos termos do artigo 3.° da Convenção», a que se refere o artigo 15.° da Convenção de Haia de 1980 são coisas completamente diferentes. Tal como entendo a Convenção de Haia de 1980, não se podem pedir as duas ao mesmo órgão jurisdicional. Com efeito, a «decisão ou um atestado que comprovam que a deslocação ou a retenção ilícita era na aceção do artigo 13.° da Convenção» deve ser obtido de uma autoridade competente à qual não tenha sido solicitada uma ordem de regresso nos termos do artigo 12.° da Convenção de Haia de 1980.
9 – V. Ato do Conselho de 28 de maio de 1998, que estabelece, com base no artigo K.3 do Tratado da União Europeia, a Convenção relativa à competência, ao reconhecimento e à execução de decisões em matéria matrimonial (JO 1998, C 221, p. 1). Esta convenção nunca entrou em vigor, uma vez que foi substituída pelo Regulamento «Bruxelas II», na sequência da «comunitarização» da cooperação judicial em material civil através da passagem do capítulo pertinente do antigo terceiro pilar para o primeiro (terceira parte, título IV do Tratado CE) com a entrada em vigor do Tratado de Amesterdão em 1 de maio de 1999.
10 – Regulamento (CE) n.° 1347/2000 do Conselho, de 29 de maio de 2000, relativo à competência, ao reconhecimento e à execução de decisões em matéria matrimonial e de regulação do poder paternal em relação a filhos comuns do casal (JO L 160, p. 19).
11 – O artigo intitulava‑se «Rapto de crianças» e tinha a seguinte redação: «Os tribunais competentes nos termos do artigo 3.° exercem a sua competência nos termos da Convenção de Haia de 25 de outubro de 1980 sobre os aspetos civis do rapto internacional de crianças e em especial dos seus artigos 3.° e 16.°».
12 – V. proposta de Regulamento do Conselho relativo à competência, ao reconhecimento à execução de decisões em matéria matrimonial e em matéria de responsabilidade parental e que revoga o Regulamento (CE) n.° 1347/2000 e altera o Regulamento (CE) n.° 44/2001 em matéria de obrigação de alimentos, COM(2002)222 final/2, JO 2002 C 203 E/155.
13 – V. artigo 61.°, alínea e) da proposta, op. cit.
14 – V., em pormenor, P. McEleavy, «The new child abduction regime in the European Union: symbiotic relationship or forced partnership?», 1 Journal of Private International Law, pp. 5‑34, em especial pp. 8 a 14.
15 – V., nomeadamente, J. Rieck, ‘Kindesentführung und die Konkurrenz zwischen dem HKÜ und der EheEuGVVO 2003 (Brüssel IIa)’, Neue Juristische Wochenschrift, 2008, pp. 182‑185, em especial p. 184.
16 – Sublinhado meu.
17 – Isto é salientado com precisão por M. Frank, in: M. Gebauer, T. Wiedmann, Zivilrecht unter europäischem Einfluss, 2.ª edição, Stuttgart et al, 2010, capítulo 29, n.° 42.
18 – V. considerando 17 do Regulamento n.° 2201/2003.
19 – Isto foi denominado «significativo reajustamento na metodologia em matéria de rapto de crianças» por P.R. Beaumont, P.E. McEleavy, Private International Law, A.E. Anton 3rd edition, Edinburgh 2011, n.° 17.100, p. 838.
20 – V. T. Rauscher, «Parental Responsibility Cases under the new Council Regulation ‘Brussels IIA’», 5 The European Legal Forum, 2005, pp. I‑37‑46, em especial p. 43.
21 – V. artigo 60.°, alínea e), do Regulamento n.° 2201/2003.
22 – V. artigo 62.°, n.° 1, do Regulamento n.° 2201/2003.
23 – Para uma análise pormenorizada da questão geral da competência do Tribunal de Justiça em matéria de interpretação de acordos internacionais, v., conclusões da advogada‑geral J. Kokott apresentadas no processo TNT Express Nederland (C‑533/08, EU:C:2010:50, n.os 45 e segs.)
24 – V. Decisão do Conselho, de 5 de outubro de 2006 relativa à adesão da Comunidade à Conferência de Haia de Direito Internacional Privado (2006/719/CE) (JO 2006, L 297, p. 1).
25 – V. o quadro sobre o estado da Convenção de Haia de 1980 acessível em: http://www.hcch.net/index_en.php?act=conventions.status&cid=24.
26 – É assim em especial quando é difícil determinar as partes do artigo 11.° do Regulamento n.° 2201/2003 que só remetem para a Convenção de Haia de 1980 e as que de facto a completam, embora essa distinção seja possível, como tentei demonstrar supra.
27 – McB.(C‑400/10 PPU, EU:C:2010:582).
28 – V. acórdão McB. (EU:C:2010:582, n.° 35) no qual o Tribunal de Justiça declarou que «[n]o caso em apreço, o órgão jurisdicional de reenvio considera que necessita de uma interpretação do Regulamento n.° 2201/2003, e nomeadamente do seu artigo 2.°, n.° 11, para decidir o pedido que lhe foi submetido, que visa obter uma decisão ou um atestado comprovando a ilicitude da deslocação ou da retenção dos menores em causa no litígio no processo principal. Além disso, resulta da legislação nacional aplicável, a saber, o artigo 15.° da Lei de 1991 relativa ao rapto de crianças e à execução de decisões em matéria de guarda, conforme alterada pelo Regulamento de 2005 adotado no âmbito das Comunidades Europeias (decisões em matéria matrimonial e em matéria de responsabilidade parental), que, em caso de deslocação de um menor para outro Estado‑Membro, o órgão jurisdicional nacional deve pronunciar‑se sobre a licitude da deslocação à luz do artigo 2.° do Regulamento n.° 2201/2003 quando um requerente lhe apresenta um pedido com vista a que profira tal decisão ou atestado em conformidade com o artigo 15.° da Convenção de Haia de 1980».
29 – V. acórdão McB. (EU:C:2010:582, n.os 36 e 37).
30 – V. acórdão Purrucker (C‑296/10, EU:C:2010:665, n.° 67).
31 – A propósito da «declaração» de retenção ilícita, v. as minhas observações supra, nota 8.
32 – O órgão jurisdicional de reenvio utiliza essa expressão.
33 – Sublinhado meu.
34 – Isto também resulta claramente do artigo 16.° da Convenção de Haia de 1980.
35 – Parece‑me que a High Court não considerou este aspeto no seu acórdão de 13 de agosto de 2013. V., em especial os n.os 35 e 52 desse acórdão, acessível em: http://www.bailii.org/ie/cases/IEHC/2013/H460.html.
36 – O pai alega que a residência habitual se situa em França.
37 – Em todo o caso, quando um tribunal competente é chamado a pronunciar‑se, em princípio continua a ser competente mesmo se a criança adquirir a sua residência habitual noutro Estado‑Membro durante a pendência do processo judicial. Esta regra é conhecida como o princípio de perpetuatio fori. V. K. Weitz, ‘Jurysdykcja krajowa w sprawach małżeńskich oraz w sprawach dotyczących odpowiedzialności rodzicielskiej w prawie wspólnotowym’, in: 16 Kwartalnik prawa prywatnego, 2007, pp. 81‑154, em especial p. 126, que descreve com mais precisão esse princípio como o princípio de perpetuatio iurisdictionis. Em consequência desse princípio, uma mudança de residência habitual da criança durante o processo não determina em si uma alteração da competência judicial. V., a este respeito, Guia Prático para a aplicação do novo Regulamento Bruxelas II, Comissão Europeia disponível em: http://ec.europa.eu/civiljustice/publications/docs/guide_new_brussels_ii_en.pdf.
38 – Fundamentos de não‑reconhecimento de decisões de divórcio, separação ou anulação do casamento.
39 – Proibição do controlo da competência do tribunal de origem.
40 – E não, como no artigo 8.° do Regulamento n.° 2201/2003, a residência habitual da criança à data em que o processo é instaurado no tribunal.
41 – Acórdão A (C‑523/07, EU:C:2009:225).
42 – Acórdão Mercredi (C‑497/10 PPU, EU:C:2010:829).
43 – V. acórdão Mercredi (EU:C:2010:829, n.° 44).
44 – V. acórdão Mercredi (EU:C:2010:829, n.° 46).
45 – V. considerando 12 do Regulamento n.° 2021/2003.
46 – V. acórdão A (EU:C:2009:225, n.° 44).
47 – V. acórdão Mercredi (EU:C:2010:829, n.° 51).
48 – V. acórdão Mercredi (EU:C:2010:829, n.° 54).
49 – V. acórdão Mercredi (EU:C:2010:829, n.° 56). Nesse acórdão o Tribunal de Justiça salientou além disso a intenção da pessoa que tem a responsabilidade parental de se estabelecer com a criança noutro Estado‑Membro expressa através de circunstância externas, como a aquisição ou a locação de um alojamento, que podem ser um indício da deslocação da residência habitual. Embora no caso em apreço a intenção da mãe deva ser tomada em consideração como um elemento de facto, deve‑se, contudo, salientar que a ênfase do Tribunal de Justiça nesse fator deve ser apreciada no contexto dos factos do processo Mercredi no qual a estada da mãe noutro Estado‑Membro tinha sido muito breve. Com efeito, como observa R. Lamont, ‘Habitual residence and Brussels II bis: developing concepts for European private international family law’, 3 Journal of Private International Law, 2007, pp. 261‑281, em especial p. 263: «O desejo de estabelecer a residência habitual após um período de tempo muito curto demonstrou que as intenções de uma pessoa de se tornar residente são pertinentes para saber se têm residência habitual».
50 – V. Relatório explicativo de Elisa Pérez‑Vera, Madrid, abril de 1981, n.° 66, disponível em: http://www.hcch.net/upload/expl28.pdf.
51 – P.R. Beaumont, P.E. McEleavy, Private International Law, A.E. Anton 3.ª edição, Edimburgo 2011, n.° 7.67, p. 178: «Factual connections lie at the heart of the connecting factor and in this it can be contrasted with domicile»; T. Rauscher, Internationales Privatrecht, 3.ª edição, Heidelberg 2009, n.° 273, p. 65.
52 – V., por exemplo, R. Lamont, op. cit., p. 263 que descreve com precisão o conceito como sendo «de simples aplicação e flexível, que muda em função da mudança das circunstâncias da pessoa ou da família».
53 – V., por exemplo, G. Kegel, K. Schurig, Internationales Privatrecht, Munique 2004, p. 471. V., também, Świerczyński, in: M. Pazdan (ed.), System prawa prywatnego. Prawo prywatne międzynarodowe, tomo 20A, Warszawa 2014, n.° 113, p. 233.
54 – Os termos da «Daseinsmittelpunkt» (centro de existência) (T. Rauscher, Internationales Privatrecht, 3.ª edição, Heidelberg 2009,n.° 274, p. 65) ou «Lebensmittelpunk» (centro de vida) (B. Heß, Europäisches Zivilprozeßrecht, Heidelberg 2010, § 7, n.° 55, p. 408) na doutrina alemã descrevem a matéria de forma muito precisa. Para uma análise extensa do conceito de «Lebensmittelpunkt» como local das ligações sociais de uma pessoa, v. G. Kegel, ‘Was ist gewöhnlicher Aufenthalt?’, Recht im Wandel seines sozialen und technischen Umfeldes ‑ Festschrift für Manfred Rehbinder, Munique/Berna 2002, pp. 699‑706, em especial p. 701.
55 – Cabe acrescentar que a mãe deslocou‑se para a Irlanda com a criança sabendo que tinha sido interposto um recurso na cour d’appel de Bordeaux. Indiquei acima que o pai tinha interposto recurso em 23 de abril de 2012 e a mãe deslocou‑se para a Irlanda em 12 de julho de 2012.
56 – Na audiência, a República Francesa esclareceu que em França os tribunais não podem ser titulares desse direito.
57 – Como indicado acima, isto não se discute.
58 – Deve‑se ler «2 de abril de 2012».
59 – A referência do órgão jurisdicional de reenvio, na decisão de reenvio, ao acórdão e Health Service Executive (C‑92/12 PPU, EU:C:2012:255, n.° 59) para estabelecer que os tribunais têm uma «responsabilidade parental» em relação à criança é irrelevante. Nesse acórdão, o Tribunal de Justiça limita‑se a reproduzir as definições jurídicas que figuram no artigo 2.°, n.os 7, 8 e 9, do Regulamento n.° 2201/2003.
60 – V. relatório explicativo de Elisa Pérez‑Vera, Madrid, abril de 1981, n.° 65, disponível em: http://www.hcch.net/upload/expl28.pdf: «[…] ainda que durante a Décima quarta sessão, se tenham colocado problemas que podem decorrer da violação de um direito de visita, sobretudo quando o titular da guarda desloca a criança para o estrangeiro, a opinião maioritária foi a de que não se pode equiparar essa situação às deslocações ilícitas que tentamos evitar».
61 – Parece que o órgão jurisdicional de reenvio o reconhece e o pai não o discute.
62 – Recordo que, em 5 de março de 2013, a cour d’appel de Bordeaux determinou o exercício conjunto do poder paternal e que a criança residisse com o pai, com direito de visita e alojamento especificados a favor da mãe. A decisão de reenvio indica que o pai alega a retenção ilícita a partir desta data, ao passo que a mãe «defendeu com sucesso na High Court da Irlanda que imediatamente antes de 5 de março de 2013, H residia habitualmente na Irlanda e que por isso os tribunais franceses já não tinham que se pronunciar sobre o processo». Quero observar mais uma vez que a questão de saber se existe ou não uma retenção ilícita é independente da questão de saber se os tribunais franceses «conheciam do processo». Assim, como referi acima, isto é irrelevante uma vez que o objeto dos processos em França e na Irlanda são diferentes.
63 – V. relatório explicativo, op. cit., n.° 11.
64 – Ibidem.
65 – Isto não significa que estabeleça uma regra geral Segundo a qual uma deslocação lícita nunca se pode converter numa retenção ilícita. V., também, ponto 12 do relatório explicativo.