Processo C-325/11
Krystyna Alder e Ewald Alder
contra
Sabina Orlowska e Czeslaw Orlowski
(pedido de decisão prejudicial apresentado pelo Sąd Rejonowy w Koszalinie)
«Regulamento (CE) n.° 1393/2007 — Citação e notificação de atos — Parte com domicílio no território de outro Estado-Membro — Representante com domicílio no território nacional — Inexistência — Atos processuais juntos aos autos — Presunção de conhecimento»
Sumário do acórdão
1. Cooperação judiciária em matéria civil — Citação e notificação dos atos judiciais — Regulamento n.° 1393/2007 — Âmbito de aplicação — Determinação pela legislação nacional — Inadmissibilidade
(Regulamento n.° 1393/2007 do Conselho)
2. Cooperação judiciária em matéria civil — Citação e notificação dos atos judiciais — Regulamento n.° 1393/2007 — Notificação de atos judiciais a uma parte com domicílio ou paradeiro habitual noutro Estado-Membro e que não nomeou um representante no Estado do litígio — Legislação nacional que prevê a notificação mediante a conservação dos referidos atos nos autos — Inadmissibilidade
(Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia, artigo 47.°, segundo parágrafo; Regulamento n.° 1393/2007 do Conselho, artigo 1.°, n.° 1)
(cf. n.os 19-27)
2. O artigo 1.°, n.° 1, do Regulamento n.° 1393/2007, relativo à citação e à notificação dos atos judiciais e extrajudiciais em matérias civil e comercial nos Estados-Membros e que revoga o Regulamento n.° 1348/2000, deve ser interpretado no sentido de que obsta à legislação de um Estado-Membro que prevê que os atos judiciais dirigidos a pessoa com domicílio ou paradeiro habitual noutro Estado-Membro são juntos aos autos, com a consequência de se presumir que estes atos lhe foram notificados, quando essa pessoa não tiver nomeado um representante para receber as notificações com domicílio no Estado-Membro no qual o processo corre os seus termos.
O Regulamento n.° 1393/2007, que prevê os meios de transmissão dos atos judiciais de maneira exaustiva, não prevê nenhuma margem e obsta, pois, a uma forma de citação ou de notificação fictícia como a que está em vigor na Polónia.
Além disso, um tal um sistema de citação ou notificação fictícia priva de qualquer efeito útil o direito de o destinatário de um ato judicial, cujo domicílio ou paradeiro habitual não se situe no Estado-Membro no qual a ação corre, beneficiar de uma receção real e efetiva desse ato, e isto pelo facto de, nomeadamente, não lhe serem assegurados o conhecimento do ato judicial em tempo útil para preparar a sua defesa nem a tradução do mesmo.
Com efeito, os objetivos do Regulamento n.° 1393/2007 de melhorar e tornar mais rápida a transmissão entre os Estados-Membros de atos judiciais, não seriam alcançados se disposições nacionais enfraquecessem, por qualquer forma, os direitos de defesa dos seus destinatários, que decorrem do direito a um processo equitativo, consagrado nos artigos 47.° segundo parágrafo, da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia e 6.°, n.° 1, da Convenção Europeia para a Proteção dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais.
(cf. n.os 32, 34-36, 41, 42 e disp.)
ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Primeira Secção)
15 de março de 2012 (*)
«Competência judiciária e execução de decisões em matéria civil e comercial — Citação edital de documentos judiciais — Inexistência de domicílio ou paradeiro conhecido do demandado no território de um Estado‑Membro — Competência ‘em matéria extracontratual’ — Violação dos direitos de personalidade suscetível de ter sido cometida através da publicação de fotografias na Internet — Lugar onde ocorreu ou poderá ocorrer o facto danoso»
No processo C‑292/10,
que tem por objeto um pedido de decisão prejudicial nos termos do artigo 267.° TFUE, apresentado pelo Landgericht Regensburg (Alemanha), por decisão de 17 de maio de 2010, entrado no Tribunal de Justiça em 11 de junho de 2010, no processo
G
contra
Cornelius de Visser,
O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Primeira Secção),
composto por: A. Tizzano, presidente de secção, M. Safjan (relator), A. Borg Barthet, J.‑J. Kasel e M. Berger, juízes,
advogado‑geral: P. Cruz Villalón,
secretário: B. Fülöp, administrador,
vistos os autos e após a audiência de 25 de maio de 2011,
vistas as observações apresentadas:
– em representação do Governo dinamarquês, por C. Vang, na qualidade de agente,
– em representação da Irlanda, por D. O’Hagan, na qualidade de agente, assistido por A. Collins, SC, e M. Noonan, BL,
– em representação do Governo italiano, por G. Palmieri, na qualidade de agente, assistida por S. Varone, avvocato dello Stato,
– em representação do Governo luxemburguês, por C. Schiltz, na qualidade de agente,
– em representação do Governo húngaro, por M. Z. Fehér, K. Szíjjártó e K. Molnár, na qualidade de agentes,
– em representação do Governo neerlandês, por C. Wissels, na qualidade de agente,
– em representação da Comissão Europeia, por M. Wilderspin e S. Grünheid, na qualidade de agentes,
vista a decisão tomada, ouvido o advogado‑geral, de julgar a causa sem apresentação de conclusões,
profere o presente
Acórdão
1 O pedido de decisão prejudicial tem por objeto a interpretação dos artigos 6.° TUE e 47.° da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia (a seguir «Carta»), do artigo 3.°, n.os 1 e 2, da Diretiva 2000/31/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 8 de junho de 2000, relativa a certos aspetos legais dos serviços da sociedade de informação, em especial do comércio eletrónico, no mercado interno («Diretiva sobre o comércio eletrónico») (JO L 178, p. 1), dos artigos 4.°, n.° 1, 5.°, n.° 3, e 26.°, n.° 2, do Regulamento (CE) n.° 44/2001 do Conselho, de 22 de dezembro de 2000, relativo à competência judiciária, ao reconhecimento e à execução de decisões em matéria civil e comercial (JO 2001, L 12, p. 1), e do artigo 12.° do Regulamento (CE) n.° 805/2004 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 21 de abril de 2004, que cria o título executivo europeu para créditos não contestados (JO L 143, p. 15).
2 Este pedido foi apresentado no âmbito de um litígio que opõe G a C. de Visser a respeito de uma ação de indemnização devido à colocação em linha num sítio Internet de fotografias nas quais G aparece parcialmente nua.
Quadro jurídico
Direito da União
Diretiva 2000/31
3 O vigésimo terceiro considerando da Diretiva 2000/31 enuncia:
«A presente diretiva não estabelece normas adicionais de direito internacional privado em matéria de conflitos de leis, nem abrange a jurisdição dos tribunais. O disposto na legislação aplicável por força das normas de conflitos do direito internacional privado não restringe a liberdade de prestar serviços da sociedade da informação nos termos constantes da presente diretiva.»
4 Em conformidade com o seu artigo 1.°, n.° 1, esta diretiva tem por objetivo «contribuir para o correto funcionamento do mercado interno, garantindo a livre circulação dos serviços da sociedade da informação entre Estados‑Membros».
5 O artigo 1.°, n.° 4, da referida diretiva está redigido como segue:
«A presente diretiva não estabelece normas adicionais de direito internacional privado, nem abrange a jurisdição dos tribunais.»
6 O artigo 3.° da mesma diretiva, sob a epígrafe «Mercado interno», dispõe no seu n.° 1:
«Cada Estado‑Membro assegurará que os serviços da sociedade da informação prestados por um prestador estabelecido no seu território cumpram as disposições nacionais aplicáveis nesse Estado‑Membro que se integrem no domínio coordenado.»
7 O artigo 3.°, n.° 2, da Diretiva 2000/31 tem a seguinte redação:
«Os Estados‑Membros não podem, por razões que relevem do domínio coordenado, restringir a livre circulação dos serviços da sociedade de informação provenientes de outro Estado‑Membro.»
Regulamento n.° 44/2001
8 O segundo considerando do Regulamento n.° 44/2001 enuncia:
«Certas disparidades das regras nacionais em matéria de competência judicial e de reconhecimento de decisões judiciais dificultam o bom funcionamento do mercado interno. São indispensáveis disposições que permitam unificar as regras de conflito de jurisdição em matéria civil e comercial, bem como simplificar as formalidades com vista ao reconhecimento e à execução rápidos e simples das decisões proferidas nos Estados‑Membros abrangidos pelo presente regulamento.»
9 Nos termos do artigo 2.° deste regulamento:
«1. Sem prejuízo do disposto no presente regulamento, as pessoas domiciliadas no território de um Estado‑Membro devem ser demandadas, independentemente da sua nacionalidade, perante os tribunais desse Estado.
2. As pessoas que não possuam a nacionalidade do Estado‑Membro em que estão domiciliadas ficam sujeitas nesse Estado‑Membro às regras de competência aplicáveis aos nacionais.»
10 O artigo 3.°, n.° 1, do referido regulamento dispõe:
«As pessoas domiciliadas no território de um Estado‑Membro só podem ser demandadas perante os tribunais de um outro Estado‑Membro por força das regras enunciadas nas secções 2 a 7 do presente capítulo.»
11 O artigo 4.° do mesmo regulamento tem a seguinte redação:
«1. Se o requerido não tiver domicílio no território de um Estado‑Membro, a competência será regulada em cada Estado‑Membro pela lei desse Estado‑Membro, sem prejuízo da aplicação do disposto nos artigos 22.° e 23.°
2. Qualquer pessoa, independentemente da sua nacionalidade, com domicílio no território de um Estado‑Membro, pode, tal como os nacionais, invocar contra esse requerido as regras de competência que estejam em vigor nesse Estado‑Membro e, nomeadamente, as previstas no Anexo I.»
12 No capítulo II, secção 2, sob a epígrafe «Competências especiais», o artigo 5.°, n.° 3, do Regulamento n.° 44/2001 prevê:
«Uma pessoa com domicílio no território de um Estado‑Membro pode ser demandada noutro Estado‑Membro:
[…]
3. Em matéria extracontratual, perante o tribunal do lugar onde ocorreu ou poderá ocorrer o facto danoso».
13 O artigo 26.° deste regulamento, que figura na secção 8 do referido capítulo II, sob a epígrafe «Verificação da competência e da admissibilidade», está redigido como se segue:
«1. Quando o requerido domiciliado no território de um Estado‑Membro for demandado perante um tribunal de outro Estado‑Membro e não compareça, o juiz declarar‑se‑á oficiosamente incompetente se a sua competência não resultar das disposições do presente regulamento.
2. O juiz deve suspender a instância, enquanto não se verificar que a esse requerido foi dada a oportunidade de receber o ato que iniciou a instância, ou ato equivalente, em tempo útil para apresentar a sua defesa, ou enquanto não se verificar que para o efeito foram efetuadas todas as diligências.
3. Será aplicável, em vez do disposto no n.° 2, o artigo 19.° do Regulamento (CE) n.° 1348/2000 do Conselho, de 29 de maio de 2000, relativo à citação e à notificação dos atos judiciais e extrajudiciais em matéria civil e comercial nos Estados‑Membros [JO L 160, p. 37], se o ato que iniciou a instância tiver sido transmitido por um Estado‑Membro a outro em execução desse regulamento.
4. Nos casos em que não sejam aplicáveis as disposições do Regulamento (CE) n.° 1348/2000, será aplicável o artigo 15.° da Convenção da Haia, de 15 de novembro de 1965, relativa à citação e à notificação no estrangeiro dos atos judiciais e extrajudiciais em matérias civil e comercial [a seguir ‘Convenção da Haia de 1965’], se o ato que iniciou a instância tiver sido transmitido em aplicação dessa convenção.»
14 No capítulo III do Regulamento n.° 44/2011, sob a epígrafe «Reconhecimento e execução», figura o artigo 34.° que prevê, no n.° 2, que uma decisão não será reconhecida se:
«o ato que iniciou a instância, ou ato equivalente, não tiver sido comunicado ou notificado ao requerido revel, em tempo útil e de modo a permitir‑lhe a defesa, a menos que o requerido não tenha interposto recurso contra a decisão embora tendo a possibilidade de o fazer».
15 O artigo 59.° do Regulamento n.° 44/2001 dispõe:
«1. Para determinar se uma parte tem domicílio no território do Estado‑Membro a cujos tribunais é submetida a questão, o juiz aplica a sua lei interna.
2. Quando a parte não tiver domicílio no Estado‑Membro a cujos tribunais foi submetida a questão, o juiz, para determinar se a parte tem domicílio noutro Estado‑Membro, aplica a lei desse Estado‑Membro.»
Regulamento n.° 805/2004
16 Nos termos do seu artigo 1.°, o Regulamento n.° 805/2004 tem por objetivo criar o Título Executivo Europeu para créditos não contestados, a fim de assegurar, mediante a criação de normas mínimas, a livre circulação de decisões, transações judiciais e instrumentos autênticos em todos os Estados‑Membros, sem necessidade de efetuar quaisquer procedimentos intermédios no Estado‑Membro de execução previamente ao reconhecimento e à execução.
17 O artigo 5.° deste regulamento, sob a epígrafe «Supressão do exequatur», tem a seguinte redação:
«Uma decisão que tenha sido certificada como Título Executivo Europeu no Estado‑Membro de origem será reconhecida e executada nos outros Estados‑Membros sem necessidade de declaração da executoriedade ou contestação do seu reconhecimento.»
18 O artigo 12.° n.° 1, do referido regulamento lê‑se como segue:
«Uma decisão relativa a um crédito não contestado, na aceção das alíneas b) ou c) do n.° 1 do artigo 3.°, só poderá ser certificada como Título Executivo Europeu se o processo judicial no Estado‑Membro de origem obedecer aos requisitos processuais constantes do presente capítulo.»
19 Nos termos do artigo 14.°, n.os 1 e 2, do Regulamento n.° 805/2004:
«1. A citação ou notificação do documento que dá início à instância ou ato equivalente, bem como qualquer ordem de comparência em audiência dirigida ao devedor, pode igualmente ser efetuada pelos seguintes meios:
a) Citação ou notificação pessoal, no endereço do devedor, das pessoas que vivem no mesmo domicílio ou que nele trabalhem;
b) Se o devedor for um trabalhador por conta própria ou uma pessoa coletiva, citação ou notificação pessoal, no estabelecimento comercial do devedor, das pessoas por ele empregadas;
c) Depósito do documento na caixa de correio do devedor;
d) Depósito do documento num posto de correios ou junto das autoridades competentes e notificação escrita desse depósito na caixa de correio do devedor, desde que a notificação escrita mencione claramente o caráter judicial do documento ou o efeito legal da notificação como sendo uma efetiva citação ou notificação, e especificando o início do decurso do respetivo prazo;
e) Citação ou notificação por via postal sem a prova prevista no n.° 3, quando o devedor tenha endereço no Estado‑Membro de origem;
f) Citação ou notificação por meios eletrónicos, com confirmação automática de entrega, desde que o devedor tenha expressa e previamente aceite esse meio de citação ou notificação.
2. Para efeitos do presente regulamento, a citação ou notificação nos termos do n.° 1 não é admissível se o endereço do devedor não for conhecido com segurança.»
Regulamento (CE) n.° 1393/2007
20 Segundo o seu artigo 1.°, n.° 2, o Regulamento (CE) n.° 1393/2007 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 13 de novembro de 2007, relativo à citação e à notificação dos atos judiciais e extrajudiciais em matérias civil e comercial nos Estados‑Membros («citação e notificação de atos») e que revoga o Regulamento n.° 1348/2000 (JO L 324, p. 79), não se aplica quando o endereço do destinatário for desconhecido.
21 O artigo 19.° do Regulamento n.° 1393/2007, sob a epígrafe «Não comparência do demandado», está redigido como segue:
«1. Se tiver sido transmitida uma petição inicial ou ato equivalente a outro Estado‑Membro para citação ou notificação nos termos do presente regulamento, e se o demandado não tiver comparecido, o juiz sobrestará na decisão enquanto não for determinado:
a) Que o ato foi objeto de citação ou notificação segundo a forma prescrita pela legislação do Estado‑Membro requerido para a citação ou notificação de atos emitidos no seu território e dirigidos a pessoas que aí se encontrem; ou
b) Que o ato foi efetivamente entregue ao demandado ou na sua residência, segundo outra forma prevista pelo presente regulamento;
e que, em qualquer destes casos, quer a citação ou notificação, quer a entrega, foi feita em tempo útil para que o demandado pudesse defender‑se.
2. Os Estados‑Membros podem declarar, nos termos do n.° 1 do artigo 23.°, que os seus juízes, não obstante o disposto no n.° 1, podem julgar, embora não tenha sido recebida qualquer certidão da citação ou notificação, se se reunirem as seguintes condições:
a) Ter o ato sido transmitido segundo uma das formas previstas pelo presente regulamento;
b) Ter decorrido, desde a data da transmissão do ato, um prazo não inferior a seis meses e que o juiz considere adequado no caso concreto;
c) Não ter sido recebida qualquer certidão ou certificado, não obstante terem sido feitas todas as diligências razoáveis para esse efeito junto das autoridades ou entidades competentes do Estado‑Membro requerido;
3. Não obstante o disposto nos n.os 1 e 2, o juiz pode, em caso de urgência, ordenar medidas provisórias ou conservatórias.
4. Se tiver sido transmitida uma petição inicial ou ato equivalente a outro Estado‑Membro para citação ou notificação, nos termos do presente regulamento, e tiver sido proferida uma decisão contra um demandado que não tenha comparecido, o juiz pode relevar ao demandado o efeito perentório do prazo para recurso, se concorrerem as condições seguintes:
a) Não ter tido o demandado, sem que tenha havido culpa da sua parte, conhecimento do dito ato em tempo útil para se defender ou conhecimento da decisão em tempo útil para interpor recurso; e
b) Não parecerem as possibilidades de defesa do demandado desprovidas de qualquer fundamento.
O pedido de relevação deve ser formulado em prazo razoável a contar do momento em que o demandado tenha conhecimento da decisão.
Qualquer Estado‑Membro pode comunicar, nos termos do n.° 1 do artigo 23.°, que esse pedido não será atendido se for formulado após o decurso de um prazo que indicará na comunicação, contanto que esse prazo não seja inferior a um ano contado da data da decisão.
5. O disposto no n.° 4 não se aplica às decisões relativas ao estado das pessoas ou à qualidade em que agem.»
Direito nacional
22 O Código de Processo Civil alemão (Zivilprozessordnung) contém, nos seus §§ 185, 186 e 188, as seguintes disposições em matéria de citação edital:
«§ 185 Citação edital
A citação pode ser efetuada por aviso público (citação edital)
quando
1. o local de residência do citando for desconhecido e não for possível fazer a citação relativa ao ato em causa na pessoa de um representante ou mandatário ad litem;
2. no caso das pessoas coletivas obrigadas ao registo de um domicílio profissional nacional no registo comercial, não for possível a citação, quer no domicílio legal quer no domicílio inscrito no registo comercial da pessoa habilitada a receber citações, ou ainda noutro endereço nacional conhecido sem que tenha sido efetuada nenhuma diligência;
3. não for possível a citação no estrangeiro ou existir toda a probabilidade de esta não ter sucesso; ou
4. a citação não puder ser feita porque o local da citação é a residência de uma pessoa que, em conformidade com os §§ 18 a 20 da Lei de organização judiciária, não pode ser citada.
§ 186 Aprovação e execução da citação edital
1) O tribunal da instância decide se autoriza ou não a citação edital. A decisão pode ser tomada sem necessidade de audiência.
2) A citação edital faz‑se por afixação de um aviso no quadro de avisos ou pela introdução do aviso num sistema de informação eletrónico acessível ao público no interior do tribunal. O aviso pode igualmente ser publicado num sistema de informação e de comunicação eletrónica do tribunal destinado às publicações. O aviso deve indicar
1. a pessoa por conta da qual o ato é citado;
2. o nome e o último domicílio conhecido do citando;
3. a data, o número de referência do ato e a denominação do objeto do litígio; bem como
4. o local onde o ato pode ser consultado.
O aviso deve indicar que um ato é citado por via edital, que o prazo começa a correr e que, no respetivo termo, o interessado pode ser privado dos seus direitos. Quando se refira a uma citação, o edital deve indicar que o ato contém uma citação judicial cuja inobservância pode ter consequências jurídicas negativas.
3) Os atos devem mencionar a data a partir da qual o aviso foi afixado e da data da sua retirada.
[…]
§ 188 Momento da citação edital
A citação do ato é considerada efetuada decorrido um mês sobre a afixação do aviso. O tribunal da instância pode fixar um prazo mais longo.»
23 O § 331 do Código de Processo Civil alemão, sob a epígrafe «Julgamento à revelia do réu», dispõe:
«1. Se o autor requerer que seja realizado julgamento à revelia de réu que não compareceu à audiência, consideram‑se confessados os factos invocados pelo autor na mesma. Esta regra não é aplicável no que diz respeito aos factos que visem fundamentar a competência do tribunal ao abrigo dos §§ 29, n.° 2, ou 38.
2. Na medida em que argumentos apresentados pelo autor confiram fundamento aos pedidos formulados, deverão os mesmos ser considerados procedentes; se não for esse o caso, deve a ação ser considerada improcedente.
3. Se, contrariamente ao § 276, n.os 1, primeiro período, e 2, o réu não manifestar em tempo útil a intenção de apresentar defesa em juízo, o tribunal, mediante pedido do autor, decide sem audiência das partes; esta regra não é aplicável caso a declaração do réu dê entrada em tribunal antes de a sentença assinada pelo juiz ser remetida à secretaria. O pedido pode ser formulado imediatamente após o ato que determinou o início da instância. O tribunal pode igualmente decidir sem audiência das partes na medida em que os argumentos apresentados pelo autor não confiram fundamento às suas pretensões num pedido acessório, desde que o autor tenha sido informado dessa possibilidade antes da decisão do tribunal.»
Litígio no processo principal e questões prejudiciais
24 C. de Visser é titular do nome de domínio e responsável pelo sítio Internet www.*****.de. No link «Fotos und Videos» (fotos e vídeos) deste sítio Internet, pode ver‑se uma fotografia de G. Após clicar no link «für weitere Fotos hier klicken» (para mais fotografias clicar aqui), é possível ver diversas fotografias da demandante, nas quais aparece parcialmente nua.
25 Esta situação teve origem, aproximadamente em 2003, no interesse de G pelo sítio Internet e pelas prestações de serviços de C. de Visser, tendo por isso entrado em contacto com este. Posteriormente, C. de Visser, através de uma colaboradora e de um fotógrafo por si contratado para o efeito, fez fotografias da G na Alemanha, para serem utilizadas «für eine Party» (para uma festa). Todavia, G nunca consentiu que essas fotografias fossem publicadas. A questão da colocação em linha na Internet das referidas fotografias também nunca foi discutida com ela e, por isso, nunca foi objeto de nenhum acordo concreto.
26 Só durante o ano de 2009 é que G foi confrontada por colegas de trabalho com as fotografias em causa colocadas em linha na Internet.
27 Quer nas informações legais do sítio Internet em causa quer na base de dados de DENIC (registo de domínio .de) é indicado como «Admin‑C» (contacto administrativo) N*****, com um endereço em Dortmund, na Alemanha. Contudo, esse nome não aparece na lista telefónica de Dortmund.
28 Não é conhecido o local onde se encontra o servidor que alberga o sítio Internet em causa.
29 Nas informações legais do sítio Internet www.*****.de, C. de Visser está inscrito como titular do domínio com um endereço em Terneuzen (Países Baixos) e um endereço postal em Venlo (Países Baixos). Contudo, não foi possível efetuar a citação nestes endereços, dado que ambos os envios postais vieram devolvidos com a menção «destinatário desconhecido». Solicitado para o efeito, o Consulado do Reino dos Países Baixos em Munique (Alemanha) declarou que C. de Visser não está inscrito em nenhum registo da população nos Países Baixos.
30 Após a concessão de apoio judiciário a G, o órgão jurisdicional de reenvio ordenou, em 8 de fevereiro de 2010, a citação edital do ato que determinou o início da instância e uma fase escrita preparatória. Anteriormente, tinha sido tentado, sem êxito, no âmbito do processo de concessão de apoio judiciário, fazer chegar a C. de Visser o projeto de ato que determinava o início da instância por correio normal para diversos endereços.
31 A citação edital do ato que determinou o início da instância, em conformidade com o Código de Processo Civil alemão, foi efetuada mediante afixação de um aviso de citação no quadro de avisos do Landgericht Regensburg de 11 de fevereiro a 15 de março de 2010. No dia da adoção da decisão de reenvio, os prazos fixados a C. de Visser na citação para indicar se pretendia apreciar a sua defesa expiraram sem qualquer reação por sua parte. Segundo o órgão jurisdicional de reenvio, tendo em conta as circunstâncias, deve partir‑se do princípio, de que, até à data, o demandado não tem conhecimento do processo contra si intentado.
32 Esse órgão jurisdicional acrescenta que, na hipótese de a citação edital do ato que determinou o início da instância nos termos do direito nacional ser considerada inadmissível por força das regras do direito da União, resta apenas G a possibilidade de indicar outros endereços de C. de Visser nos quais esta citação possa ser feita, o que provavelmente lhe será impossível por não os conhecer nem lhe ser possível apurá‑los. Ora, isso pode ser incompatível com o artigo 47.°, primeiro parágrafo, da Carta, porque G seria, na prática, privada da tutela jurisdicional efetiva que lhe é garantida.
33 Tendo, por outro lado, determinadas dúvidas quanto à aplicabilidade e à interpretação do Regulamento n.° 44/2001, bem como quanto à determinação do direito material aplicável à ação no processo principal, o Landgericht Regensburg decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça as seguintes questões prejudiciais:
«1) O disposto no artigo 6.°, n.° 1, primeiro [parágrafo, primeiro membro de frase, TUE, por um lado,] e [no] artigo 47.°, segundo parágrafo, primeiro período, da Carta[, por outro], ou outras disposições de direito [da União], opõe[m]‑se à [‘citação] edital’, prevista no direito nacional (nos termos dos §§ 185 a 188 do […] Código de Processo Civil alemão através de afixação, durante 1 mês, do [aviso de citação] no quadro de avisos do órgão jurisdicional que ordena a [citação]), quando a parte contrária num processo civil (na fase inicial deste) indica no seu sítio Internet um endereço no território da União Europeia, mas é impossível [a citação] por o demandado não residir aí e também não ser possível determinar o seu paradeiro?
2) Em caso de resposta afirmativa à [primeira] questão:
O órgão jurisdicional nacional, atendendo à jurisprudência atual do Tribunal de Justiça (mais recentemente, acórdão [de 12 de janeiro de 2010, Petersen, C‑341/08, Colet., p. I‑47]), deve recusar‑se a aplicar as disposições nacionais que permitem uma [citação] edital, embora nos termos do direito nacional só o [Bundesverfassungsgericht] tenha competência para recusar essa aplicação?
E:
Deveria a demandante, para poder fazer valer os seus direitos, comunicar ao [tribunal da instância] um novo endereço […] do demandado, para nova [citação do ato que deu início à instância], dado que, nos termos do direito nacional, sem [citação] edital e não sendo conhecido o paradeiro do demandado não é possível prosseguir o processo?
3) Em caso de resposta negativa à [primeira] questão: na presente situação, o artigo 26.°, n.° 2, do Regulamento […] n.° 44/2001 […] opõe‑se a [uma sentença] proferida à revelia, nos termos do § 331 [do Código de Processo Civil alemão], ou seja, a um título executivo para créditos não contestados na aceção do Regulamento […] n.° 805/2004 […], na medida em que seja pedida a condenação no pagamento de uma indemnização por danos morais no montante de, pelo menos, [20 000] euros [acrescido] de juros, e de despesas com advogados no montante de […] 1 419,19 euros, [acrescido] de juros?
As questões seguintes são submetidas na condição de a demandante poder prosseguir o processo, tendo em conta as respostas dadas pelo Tribunal de Justiça às questões [anteriores]:
4) Atendendo ao disposto nos seus artigos 4.°, n.° 1, e 5.°, n.° 3, o Regulamento n.° 44/2001 é aplicável igualmente nos casos em que, devido à exploração de um sítio Internet, é intentada uma ação cível de inibição, de prestação de informações e de indemnização por danos morais, quando o demandado é (presumivelmente) cidadão da União, na aceção do artigo 9.°, segundo período, TUE, mas não é conhecido o seu paradeiro, e, deste modo, é também concebível, mas de maneira alguma certo, que se encontre fora do território da União e também fora do resto do [âmbito] de aplicação da Convenção relativa à competência judiciária e à execução de decisões em matéria civil e comercial, assinada em Lugano, em 16 de setembro de 1988, sendo também desconhecido o exato local onde está instalado o servidor que armazena o sítio Internet, embora seja provável que se encontre no território da União?
5) Se o Regulamento n.° 44/2001 for aplicável neste caso: se existir (risco de) [violação] dos direitos de personalidade através de conteúdos de um sítio Internet, a expressão ‘lugar onde poderá ocorrer o facto danoso’, constante do n.° 3 do artigo 5.° [deste regulamento], deve ser interpretada no sentido de que:
a [demandante] pode intentar uma ação inibitória, de prestação de informações e de indemnização contra o operador do sítio Internet […] também nos órgãos jurisdicionais [de qualquer] Estado‑Membro no qual o sítio Internet pode ser consultado, independentemente do lugar onde o demandado está estabelecido (dentro ou fora do território da União),
ou:
a competência dos órgãos jurisdicionais de um Estado‑Membro em cujo território o demandado não esteja estabelecido nem existam quaisquer indícios de que ele aí se encontre pressupõe que, para além da possibilidade técnica de consultar o sítio, exista um nexo especial dos conteúdos impugnados ou do sítio com o Estado do foro (nexo de caráter territorial [com o Estado em questão])?
6) Se esse nexo especial de caráter territorial for necessário: com base em que critérios deve ser determinado?
É necessário que, de acordo com [a finalidade prosseguida] pelo operador, o sítio Internet contestado se dirija (de igual modo) aos utilizadores de Internet no Estado do foro ou é suficiente que as informações acessíveis no sítio apresentem objetivamente um nexo com o Estado do foro, no sentido de que, nas circunstâncias do caso concreto, em particular devido ao conteúdo do sítio contestado, um conflito de interesses divergentes — o interesse da demandante no respeito dos seus direitos de personalidade e o interesse do operador na organização do seu sítio Internet — pode ter efetivamente ocorrido ou poderá ocorrer, no Estado do foro, por um ou vários conhecidos da vítima da [violação dos] direitos de personalidade terem tomado conhecimento do [conteúdo do] sítio Internet?
7) O número de acessos ao sítio [Internet] contestado a partir do Estado do foro é relevante para determinar o nexo especial de caráter territorial?
8) No caso de, atendendo às [respostas às] questões anteriores, o órgão jurisdicional de reenvio ser competente para conhecer da ação: os princípios jurídicos enunciados no acórdão do Tribunal de Justiça de 7 de março de 1995, Shevil e o. (C‑68/93, Colet., p. I‑415), são aplicáveis também à situação descrita?
9) Se não for necessário qualquer nexo especial de caráter territorial para admitir a competência ou se for suficiente, para se considerar que esse nexo existe, que as informações contestadas apresentem objetivamente um nexo com o Estado do foro, no sentido de que, nas circunstâncias do caso concreto, em particular devido ao conteúdo do sítio [Internet] contestado, pode ter efetivamente ocorrido ou poderá ocorrer, no Estado do foro, um conflito de interesses divergentes, por um ou vários conhecidos da vítima da [violação] dos direitos de personalidade terem tomado conhecimento do [conteúdo do] sítio Internet, e a afirmação da existência de um nexo especial de caráter territorial não depender da determinação de um número mínimo de acessos ao sítio contestado a partir do Estado do foro, ou se o Regulamento n.° 44/2001 não for aplicável no presente processo:
O artigo 3.°, n.os 1 e 2, da Diretiva 2000/31[…] deve ser interpretado no sentido de que se deve atribuir a estas disposições o caráter de regras de conflito de leis, no sentido de que impõem, também no domínio do direito civil, a aplicação exclusiva do direito em vigor no país de origem, com exclusão das normas de conflito nacionais,
ou:
as disposições em causa consistem numa correção ao nível do direito substantivo através da qual o resultado substancial do direito declarado aplicável de acordo com as normas de conflito nacionais é modificado no seu conteúdo e reduzido às exigências do país de origem?
10) No caso de o artigo 3.°, n.os 1 e 2, da Diretiva 2000/31[…] revestir o caráter de regra de conflito de leis:
As disposições referidas ordenam simplesmente a aplicação exclusiva do direito substantivo vigente no país de origem ou também a aplicação das normas de conflito aí em vigor, com a consequência de que continua a ser possível um reenvio do direito do país de origem para o direito do país de destino?
11) No caso de o artigo 3.°, n.os 1 e 2, da Diretiva 2000/31 revestir caráter de regra de conflito de leis:
Para determinar o lugar de estabelecimento do prestador de serviços deve atender‑se [ao seu presumível paradeiro] atual, [ao local onde se encontrava] quando começaram a ser publicadas as fotografias da demandante ou ao local onde (presumivelmente) está instalado o servidor que armazena o sítio Internet?»
34 Por carta de 28 de outubro de 2011, a Secretaria do Tribunal de Justiça transmitiu ao órgão jurisdicional de reenvio uma cópia do acórdão de 25 de outubro de 2011, eDate Advertising e o. (C‑509/09 e C‑161/10, Colet., p. I‑10269), e convidou‑o a indicar se, à luz deste acórdão, pretendia manter a sua sétima a décima primeira questões prejudiciais.
35 Por decisões de 10 e 16 de novembro de 2011, entradas no Tribunal de Justiça, respetivamente, em 10 e 16 de novembro de 2011, o órgão jurisdicional de reenvio informou que retirava a sua quinta a décima questões, mas mantinha a décima primeira questão reformulando‑a da seguinte forma:
«Tendo em conta o acórdão […] eDate Advertising [e o., já referido,] deve o artigo 3.°, n.os 1 e 2, da Diretiva 2000/31[…] ser interpretado no sentido de que, no caso de o lugar de estabelecimento do prestador não ser conhecido, e de ser possível que este se encontre fora do território da União […], o direito aplicável no domínio coordenado decorre unicamente do direito do Estado‑Membro no qual a pessoa lesada tem o seu domicílio ou a sua residência permanente ou
no domínio coordenado pela Diretiva 2000/31[…], é necessário assegurar que o prestador de um serviço de comércio eletrónico não seja sujeito a exigências mais estritas do que as previstas pelo direito material aplicável no Estado‑Membro de que o prestador é provavelmente nacional ou,
nesse caso, no domínio coordenado pela Diretiva 2000/31[…], é necessário assegurar que o prestador de um serviço de comércio eletrónico não seja sujeito a exigências mais estritas do que as previstas pelo direito material aplicável no conjunto dos Estados‑Membros?»
36 Nestas circunstâncias, o Tribunal de Justiça é chamado a pronunciar‑se unicamente sobre as quatro primeiras questões inicialmente submetidas e a última questão, conforme reformulada.
Quanto às questões prejudiciais
Quanto à quarta questão
37 Com a sua quarta questão, que importa examinar em primeiro lugar, o órgão jurisdicional de reenvio procura saber, no essencial, se, em circunstâncias como as do processo principal, o artigo 4.°, n.° 1, do Regulamento n.° 44/2001 deve ser interpretado no sentido de que se opõe à aplicação do artigo 5.°, n.° 3, do mesmo regulamento a uma ação de indemnização devido à exploração de um sítio Internet proposta contra um demandado que é provavelmente cidadão da União, mas cujo paradeiro é desconhecido.
38 Na decisão de reenvio, o referido órgão jurisdicional precisa efetivamente que, ainda que bastantes elementos indiciem que o demandado se encontra no território da União, tal não é absolutamente seguro. Questiona‑se, portanto, particularmente sobre a interpretação do critério «não [ter] domicílio no território de um Estado‑Membro» que exige, por força do artigo 4.°, n.° 1, do Regulamento n.° 44/2001, a aplicação das regras de competência nacionais em vez das regras uniformes do referido regulamento.
39 A este respeito, há que recordar, por um lado, que, na circunstância de o domicílio do demandado cidadão de um Estado‑Membro não ser conhecido, a aplicação das regras uniformes de competência instituídas pelo Regulamento n.° 44/2001 em vez das que estão em vigor nos diferentes Estados‑Membros está em conformidade com a exigência de segurança jurídica e o objetivo que o referido regulamento prossegue de reforçar a proteção jurídica das pessoas estabelecidas na União, permitindo simultaneamente ao requerente identificar facilmente o órgão jurisdicional a que pode recorrer e ao requerido prever razoavelmente aquele no qual pode ser demandado (v., neste sentido, acórdão de 17 de novembro de 2011, Hypoteční banka, C‑327/10, Colet., p. I‑11543, n.° 44).
40 Por outro lado, importa entender a expressão «não [ter] domicílio no território de um Estado‑Membro», empregue no artigo 4.°, n.° 1, do Regulamento n.° 44/2001, no sentido de que a aplicação das regras nacionais em vez das regras uniformes de competência só é possível se o órgão jurisdicional ao qual o processo foi submetido dispuser de indícios de prova que lhe permitam concluir que o demandado, cidadão da União não domiciliado no Estado‑Membro do referido órgão jurisdicional, está, efetivamente, domiciliado fora do território da União (v., neste sentido, acórdão Hypoteční banka, já referido, n.° 42).
41 Na falta de tais indícios de prova, a competência internacional de um órgão jurisdicional de um Estado‑Membro é estabelecida, por força do Regulamento n.° 44/2001, assim que estejam preenchidos os requisitos para a aplicação de uma das regras de competência previstas por este regulamento, nomeadamente a do seu artigo 5.°, n.° 3, respeitante à matéria extracontratual.
42 Em face do exposto, há que responder à quarta questão que, em circunstâncias como as do processo principal, o artigo 4.°, n.° 1, do Regulamento n.° 44/2001 deve ser interpretado no sentido de que não se opõe à aplicação do artigo 5.°, n.° 3, do mesmo regulamento a uma ação de indemnização devido à exploração de um sítio Internet proposta contra um demandado que é provavelmente cidadão da União, mas cujo paradeiro não é conhecido, se o órgão jurisdicional ao qual o processo foi submetido dispuser de indícios de prova que lhe permitam concluir que o referido demandado está efetivamente domiciliado fora do território da União.
Quanto à primeira questão e à primeira parte da terceira questão
43 Com a sua primeira questão e a primeira parte da sua terceira questão, que importa analisar em conjunto, o órgão jurisdicional de reenvio procura saber, no essencial, se o direito da União deve ser interpretado no sentido de que se opõe a que seja proferida uma decisão à revelia contra um demandado que, na impossibilidade de ser localizado, foi citado para o ato que determinou o início da instância por via edital nos termos do direito nacional.
44 A este respeito, há que precisar desde logo que o Regulamento n.° 44/2001, à semelhança da Convenção de 27 de setembro de 1968 relativa à competência judiciária e à execução de decisões em matéria civil e comercial (JO 1972, L 299, p. 32; EE 01 F1 p. 186), conforme alterada pelas sucessivas Convenções relativas à adesão de novos Estados‑Membros a essa Convenção, não tem por objeto unificar todas as normas processuais dos Estados‑Membros, mas repartir as competências jurisdicionais para a solução dos litígios em matéria civil e comercial nas relações entre estes Estados e facilitar a execução das decisões jurisdicionais (acórdão Hypoteční banka, já referido, n.° 37).
45 Embora, na falta de regulamentação sistemática dos procedimentos internos pelo direito da União, seja, portanto, competência dos Estados‑Membros, no âmbito da sua autonomia processual, fixar as regras processuais aplicáveis às ações propostas nos seus órgãos jurisdicionais, as referidas regras não devem violar o direito da União, nomeadamente, as disposições do Regulamento n.° 44/2001.
46 Daqui decorre que, no âmbito da aplicação do referido regulamento, um órgão jurisdicional nacional só pode, em virtude de uma disposição do seu direito nacional, dar andamento a um processo contra uma pessoa cujo domicílio não é conhecido se as regras de competência fixadas por este mesmo regulamento não se opuserem a tal.
47 No que respeita às exigências a respeitar quando do processo, importa recordar que todas as disposições do Regulamento n.° 44/2001 exprimem a intenção de zelar por que, no quadro dos objetivos deste, os processos conducentes à adoção de decisões judiciais se desenrolem no respeito dos direitos de defesa (v. acórdãos de 21 de maio de 1980, Denilauler, 125/79, Recueil, p. 1553, n.° 13, e de 2 de abril de 2009, Gambazzi, C‑394/07, Colet., p. I‑2563, n.° 23).
48 Todavia, a exigência do respeito dos direitos de defesa, conforme também é enunciada no artigo 47.° da Carta, deve ser aplicada no respeito do direito do demandante de recorrer a um órgão jurisdicional para que este se pronuncie sobre a justeza das suas pretensões.
49 A este propósito, o Tribunal de Justiça declarou, no n.° 29 do acórdão Gambazzi, já referido, que os direitos fundamentais, como o respeito dos direitos de defesa, não surgem como prerrogativas absolutas, podendo comportar restrições. Contudo, estas restrições devem corresponder efetivamente a objetivos de interesse geral prosseguidos pela medida em causa e não constituir, à luz do fim prosseguido, uma violação desmesurada dos referidos direitos.
50 A este respeito, importa recordar que o Tribunal de Justiça já declarou que a preocupação de evitar situações de denegação da justiça com as quais seria confrontado o demandante devido à impossibilidade de localizar o demandado constitui um objetivo de interesse geral (acórdão Hypoteční banka, já referido, n.° 51).
51 Quanto ao imperativo de evitar uma violação desmesurada dos direitos de defesa, importa salientar que o mesmo encontra expressão na regra enunciada no artigo 26.°, n.° 2, do Regulamento n.° 44/2001 segundo a qual o juiz está obrigado a suspender a instância enquanto não se verificar que ao demandado foi dada oportunidade de receber o ato que iniciou a instância ou ato equivalente em tempo útil para apresentar a sua defesa, ou enquanto não se verificar que para o efeito foram efetuadas todas as diligências.
52 No que respeita, por um lado, à aplicabilidade desta disposição, importa salientar desde logo que, em circunstâncias como as do processo principal, a mesma não é afastada pelas regras referidas no artigo 26.°, n.os 3 e 4, do Regulamento n.° 44/2001, a saber, o artigo 19.° do Regulamento n.° 1393/2007, ou o artigo 15.° da Convenção da Haia de 1965.
53 É certo que a regularidade da citação do ato que determinou o início da instância a um demandado revel deve ser apreciada na perspetiva das disposições da referida Convenção (acórdão de 13 de outubro de 2005, Scania Finance France, C‑522/03, Colet., p. I‑8639, n.° 30) e, a fortiori, à luz das disposições do Regulamento n.° 1393/2007. Todavia, esta regra só é válida na medida em que as referidas disposições sejam aplicáveis. Ora, tanto o artigo 1.°, n.° 2, do Regulamento n.° 1393/2007 como o segundo parágrafo do artigo 1.° da Convenção da Haia de 1965 estipulam que estes instrumentos «não se aplica[m] quando o endereço do destinatário for desconhecido».
54 Por conseguinte, importa declarar que, em circunstâncias como as do processo principal, nem o artigo 19.° do Regulamento n.° 1393/2007 nem o artigo 15.° da Convenção da Haia de 1965 são aplicáveis se o endereço do demandado for desconhecido.
55 No que respeita, por outro lado à interpretação do artigo 26.°, n.° 2, do Regulamento n.° 44/2001, importa entender esta disposição, como o Tribunal de Justiça declarou recentemente, no sentido de que um órgão jurisdicional competente nos termos deste regulamento só pode prosseguir validamente o processo, caso não esteja demonstrado que foi dada oportunidade ao demandado de receber o ato que iniciou a instância, se tiverem sido tomadas todas as medidas necessárias para permitir a este defender‑se. A este respeito, o órgão jurisdicional ao qual foi submetido o processo deve assegurar‑se de que foram efetuadas todas as averiguações exigidas pelos princípios da diligência e da boa fé para encontrar o demandado (v. acórdão Hypoteční banka, já referido, n.° 52).
56 É verdade que, mesmo que estas condições sejam respeitadas, a possibilidade de prosseguir o processo contra a vontade do demandado mediante, como no processo principal, «uma citação edital» restringe os direitos de defesa do demandado. Esta restrição é, contudo, justificada à luz do direito do demandante a uma proteção efetiva visto que, não existindo este meio de citação, este direito não passaria de letra morta (v. acórdão Hypoteční banka, já referido, n.° 53).
57 Com efeito, contrariamente à situação do demandado que, quando tenha sido privado da faculdade de se defender de forma eficaz, terá a possibilidade de fazer respeitar os direitos de defesa opondo‑se, nos termos do artigo 34.°, n.° 2, do Regulamento n.° 44/2001, ao reconhecimento da sentença contra si proferida, o demandante arrisca‑se a ficar privado de qualquer possibilidade de ação em juízo (v. acórdão Hypoteční banka, já referido, n.° 54).
58 Decorre, por outro lado, da jurisprudência do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem que o direito de acesso a um tribunal, garantido pelo artigo 6.°, n.° 1, da Convenção Europeia para a Proteção dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais, assinada em Roma, em 4 de novembro de 1950, que corresponde ao segundo parágrafo do artigo 47.° da Carta, não se opõe a uma «citação edital» desde que os direitos dos interessados sejam devidamente acautelados (v. TEDH, decisão Nunes Dias c. Portugal de 10 de abril de 2003, Recueil des arrêts et décisions 2003‑IV).
59 Consequentemente, há que responder à primeira questão e à primeira parte da terceira questão que o direito da União deve ser interpretado no sentido de que não se opõe a que seja proferida uma decisão à revelia contra um demandado que, na impossibilidade de ser localizado, foi citado para o ato que determinou o início da instância por via edital nos termos do direito nacional, desde que o órgão jurisdicional ao qual foi submetido o processo se assegure previamente de que foram efetuadas todas as averiguações exigidas pelos princípios da diligência e da boa fé para encontrar esse demandado.
Quanto à segunda questão
60 Tendo em conta a resposta dada no número anterior à primeira questão, não há que responder à segunda questão.
Quanto à segunda parte da terceira questão
61 Com a segunda parte da sua terceira questão, o órgão jurisdicional de reenvio procura saber, no essencial, se o direito da União deve ser interpretado no sentido de que se opõe à certificação, enquanto Título Executivo Europeu na aceção do Regulamento n.° 805/2004, de uma sentença proferida à revelia contra um demandado cujo endereço não é conhecido.
62 É verdade que uma sentença proferida à revelia está incluída entre os títulos executivos na aceção do artigo 3.° do referido regulamento, suscetíveis de serem certificados como Título Executivo Europeu. Como sublinha o sexto considerando do Regulamento n.° 805/2004, a falta de contestação a que se refere a alínea b) do n.° 1 do artigo 3.° por parte do devedor pode assumir a forma de não comparência na audiência, ou de falta de resposta a um convite do tribunal para manifestar por escrito a sua intenção de contestar.
63 No entanto, para efeitos do artigo 14.°, n.° 2, do mesmo regulamento, «a citação ou notificação nos termos do n.° 1 não é admissível se o endereço do devedor não for conhecido com segurança».
64 Decorre, pois, da própria redação do Regulamento n.° 805/2004 que uma sentença à revelia proferida em caso de impossibilidade de determinar o domicílio do demandado não pode ser certificada como Título Executivo Europeu. Esta conclusão decorre igualmente de uma análise dos objetivos e da sistemática deste regulamento. Com efeito, o referido regulamento institui um mecanismo derrogatório do regime comum de reconhecimento de sentenças, cujos requisitos devem por princípio ser interpretados em sentido estrito.
65 Da mesma forma, o décimo considerando do Regulamento n.° 805/2004 sublinha que, sempre que um tribunal de um Estado‑Membro tiver proferido uma decisão num processo sobre um crédito não contestado, na ausência do devedor, a supressão de todos os controlos no Estado‑Membro de execução está indissociavelmente ligada e subordinada à existência de garantia suficiente do respeito pelos direitos de defesa.
66 Ora, como decorre do n.° 57 do presente acórdão, a possibilidade de o demandado se opor ao reconhecimento da sentença contra si proferida em virtude do artigo 34.°, n.° 2, do Regulamento n.° 44/2001 permite‑lhe assegurar o respeito dos seus direitos de defesa. Não obstante, esta garantia não existiria se, em circunstâncias como as do processo principal, uma decisão proferida à revelia contra um demandado que não tomou conhecimento do processo fosse certificada como Título Executivo Europeu.
67 Por conseguinte, importa declarar que uma decisão proferida à revelia contra um demandado cujo endereço não é conhecido não deve ser certificada como Título Executivo Europeu na aceção do Regulamento n.° 805/2004.
68 Consequentemente, há que responder à segunda parte da terceira questão que o direito da União deve ser interpretado no sentido de que se opõe à certificação, como Título Executivo Europeu na aceção do Regulamento n.° 805/2004, de uma decisão proferida à revelia contra um demandado cujo endereço não é conhecido.
Quanto à décima primeira questão
69 Com a sua décima primeira questão, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, no essencial, se o artigo 3.°, n.os 1 e 2, da Diretiva 2000/31 deve ser interpretado no sentido de que se aplica numa situação na qual não é conhecido o lugar de estabelecimento do prestador de serviços da sociedade da informação.
70 A este respeito, cumpre observar que decorre claramente do acórdão eDate Advertising e o., já referido, que o estabelecimento do prestador de serviços da sociedade da informação em causa num Estado‑Membro constitui tanto a razão de ser como a condição de aplicação do mecanismo estabelecido no artigo 3.° da Diretiva 2000/31. Com efeito, o referido mecanismo visa assegurar a livre circulação dos serviços da sociedade da informação entre os Estados‑Membros através da sujeição dos referidos serviços ao regime jurídico do Estado‑Membro onde estão estabelecidos os seus prestadores (v. acórdão eDate Advertising e o., já referido, n.° 66).
71 Ao sujeitar‑se, portanto, a possibilidade de aplicar o artigo 3.°, n.os 1 e 2, da referida diretiva à identificação do Estado‑Membro em cujo território o prestador do serviço da sociedade de informação em causa está efetivamente estabelecido (acórdão eDate Advertising e o., já referido, n.° 68), incumbe ao órgão jurisdicional de reenvio verificar se o demandado no processo principal está efetivamente estabelecido no território de um Estado‑Membro. Na falta de tal estabelecimento, o mecanismo previsto no artigo 3.°, n.° 2, da Diretiva 2000/31 não é aplicável.
72 Nestas circunstâncias, há que responder à décima primeira questão que o artigo 3.°, n.os 1 e 2, da Diretiva 2000/31 não se aplica numa situação na qual o lugar de estabelecimento do prestador de serviços da sociedade da informação não é conhecido, dado que a aplicação desta disposição está dependente da identificação do Estado‑Membro em cujo território o prestador em causa está efetivamente estabelecido.
Quanto às despesas
73 Revestindo o processo, quanto às partes na causa principal, a natureza de incidente suscitado perante o órgão jurisdicional de reenvio, compete a este decidir quanto às despesas. As despesas efetuadas pelas outras partes para a apresentação de observações ao Tribunal de Justiça não são reembolsáveis.
Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Primeira Secção) declara:
1) Em circunstâncias como as do processo principal, o artigo 4.°, n.° 1, do Regulamento (CE) n.° 44/2001 do Conselho, de 22 de dezembro de 2000, relativo à competência judiciária, ao reconhecimento e à execução de decisões em matéria civil e comercial, deve ser interpretado no sentido de que não se opõe à aplicação do artigo 5.°, n.° 3, do mesmo regulamento a uma ação de indemnização devido à exploração de um sítio Internet proposta contra um demandado que é provavelmente cidadão da União, mas cujo paradeiro não é conhecido, se o órgão jurisdicional ao qual o processo foi submetido dispuser de indícios de prova que lhe permitam concluir que o referido demandado está efetivamente domiciliado fora do território da União Europeia.
2) O direito da União deve ser interpretado no sentido de que não se opõe a que seja proferida uma decisão à revelia contra um demandado que, na impossibilidade de ser localizado, foi citado para o ato que determinou o início da instância por via edital nos termos do direito nacional, desde que o órgão jurisdicional ao qual foi submetido o processo se assegure previamente de que foram efetuadas todas as averiguações exigidas pelos princípios da diligência e da boa fé para encontrar esse demandado.
3) O direito da União deve ser interpretado no sentido de que se opõe à certificação, como Título Executivo Europeu na aceção do Regulamento (CE) n.° 805/2004 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 21 de abril de 2004, que cria o título executivo europeu para créditos não contestados, de uma decisão proferida à revelia contra um demandado cujo endereço não é conhecido.
4) O artigo 3.°, n.os 1 e 2, da Diretiva 2000/31/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 8 de junho de 2000, relativa a certos aspetos legais dos serviços da sociedade de informação, em especial do comércio eletrónico, no mercado interno («Diretiva sobre o comércio eletrónico»), não se aplica numa situação na qual o lugar de estabelecimento do prestador de serviços da sociedade da informação não é conhecido, dado que a aplicação desta disposição está dependente da identificação do Estado‑Membro em cujo território o prestador em causa está efetivamente estabelecido.
Assinaturas
* Língua do processo: alemão.
CONCLUSÕES DO ADVOGADO‑GERAL
YVES BOT
apresentadas em 20 de setembro de 2012 (1)
Processo C‑325/11
Krystyna Alder
e
Ewald Alder
contra
Sabina Orlowska
e
Czeslaw Orlowski
[pedido de decisão prejudicial apresentado pelo Sąd Rejonowy w Koszalinie (Polónia)]
«Citação e notificação dos atos judiciais e extrajudiciais — Regulamento (CE) n.° 1393/2007 — Âmbito de aplicação — Determinação dos casos nos quais um ato deve ser transmitido de um Estado para outro — Disposição nacional que prevê a presunção da citação através da junção aos autos na falta da nomeação pela parte com domicílio no território de outro Estado‑Membro de um representante encarregado de receber as citações com domicílio no território nacional»
1. O presente pedido de decisão prejudicial tem por objeto a interpretação do Regulamento (CE) n.° 1393/2007 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 13 de novembro de 2007, relativo à citação e à notificação dos atos judiciais e extrajudiciais em matérias civil e comercial nos Estados‑Membros («citação e notificação de atos») e que revoga o Regulamento (CE) n.° 1348/2000 do Conselho (2).
2. A questão versa mais especificamente sobre o ponto de saber se os Estados‑Membros dispõem ou não de uma margem de manobra para definirem os casos nos quais um ato deve ser objeto de uma citação transfronteiriça de acordo com as regras previstas pelo Regulamento n.° 1393/2007.
3. Posto que a aplicação uniforme das regras de citação e notificação dos atos judiciais em todos os Estados‑Membros constitui um desafio primordial para a construção de um espaço judiciário europeu, o aspeto técnico e a complexidade da matéria, caracterizada tanto pelo emaranhado de normas nacionais, internacionais ou provenientes do direito da União como pela coexistência, na própria ordem jurídica da União, das regras provenientes do Regulamento n.° 1393/2007 com as regras oriundas de outros instrumentos, não devem ofuscar a importância efetiva que assume esta questão, a qual oferece ao Tribunal de Justiça uma oportunidade para esclarecer as modalidades da articulação entre os direitos processuais internos e a ordem jurídica da União.
4. O presente processo tem origem numa ação de cobrança de dívida intentada em 20 de novembro de 2008 no Sąd Rejonowy w Koszalinie (Polónia) por K. Alder e E. Alder (3), residentes na Alemanha, contra S. Orłowska e C. Orłowski, residentes na Polónia.
5. Este órgão jurisdicional notificou ao casal Alder a sua obrigação de, no prazo de um mês, designar um representante autorizado a receber as notificações de atos processuais, nos termos do artigo 11355 do Código de Processo Civil polaco (Kodeks postępowania cywilnego), o qual prevê que, se a parte que tiver o seu domicílio no estrangeiro não constituir mandatário ad litem nem nomear um representante para receber estas notificações, os atos processuais que lhe forem dirigidos são juntos aos autos, considerando‑se aquela notificada.
6. O casal Alder não constituiu mandatário ad litem nem nomeou um representante para receber as notificações, tendo a sua ação sido julgada improcedente por sentença proferida após uma audiência à qual não compareceu.
7. Em 29 de outubro de 2009, o casal Alder apresentou um pedido de reabertura do processo de cobrança de dívida e de revogação da sentença, alegando que a audiência não lhe foi efetivamente notificada, pelo que lhe foi negada a possibilidade de agir, e que, não lhe tendo notificado os atos processuais no seu domicílio na Alemanha, o Sąd Rejonowy w Koszalinie violou o princípio da não discriminação em razão da nacionalidade. Em 23 de junho de 2003, este órgão jurisdicional indeferiu este pedido.
8. Conhecendo do recurso interposto pelo casal Alder, o Sąd Okręgowy w Koszalinie (Polónia) revogou em 19 de abril de 2011 essa sentença e ordenou a remessa dos autos ao órgão jurisdicional que se tinha inicialmente pronunciado para que tomasse nova decisão, tendo entendido que a presunção de citação era contrária ao Regulamento n.° 1393/2007.
9. O Sąd Rejonowy w Koszalinie, que não partilha desta análise, decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça a seguinte questão prejudicial:
«Devem os artigos 1.°, n.° 1, do Regulamento (CE) n.° 1393/2007 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 13 de novembro de 2007, relativo à citação e à notificação dos atos judiciais e extrajudiciais em matéria civil e comercial nos Estados‑Membros, e 18.° do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia ser interpretados no sentido de que é lícito admitir a junção aos autos de determinados atos processuais dirigidos a pessoas com domicílio ou paradeiro habitual noutro Estado‑Membro, com a consequência de se presumir que esses atos lhes foram notificados, quando essas pessoas não tiverem nomeado um representante para receber notificações domiciliado no Estado‑Membro em que o processo corre os seus termos?»
I — Quadro jurídico
A — Direito da União
1. Artigo 18.° TFUE
«No âmbito de aplicação dos Tratados, e sem prejuízo das suas disposições especiais, é proibida toda e qualquer discriminação em razão da nacionalidade.
O Parlamento Europeu e o Conselho, deliberando de acordo com o processo legislativo ordinário, podem adotar normas destinadas a proibir essa discriminação.»
2. Regulamento n.° 1393/2007
11. O Regulamento n.° 1393/2007, que revoga e substitui o Regulamento (CE) n.° 1348/2000 do Conselho, de 29 de maio de 2000, relativo à citação e à notificação dos atos judiciais e extrajudiciais em matérias civil e comercial nos Estados‑Membros (4), estabelece um regime de citação e notificação dos atos judiciais e extrajudiciais em matérias civil e comercial nos Estados‑Membros da União. Destinado a acelerar e facilitar a transmissão dos atos, o Regulamento n.° 1393/2007 prevê a transmissão dos atos judiciais, diretamente e no mais breve prazo possível (5), através de entidades de origem e de entidades requeridas designadas pelos Estados‑Membros (6), permitindo embora outros modos de transmissão (7), sem estabelecer qualquer hierarquia entre eles (8), como a transmissão por via consular ou diplomática em casos excecionais (9), a citação ou a notificação por agentes diplomáticos ou consulares (10), a citação ou a notificação através dos serviços postais (11) ou a citação ou a notificação direta por oficiais de justiça a pedido de quaisquer interessados (12).
12. Os considerandos 6 a 9 do Regulamento n.° 1393/2007 têm a seguinte redação:
«(6) A eficácia e a celeridade nos processos judiciais no domínio civil impõe que os atos judiciais e extrajudiciais sejam transmitidos diretamente e através de meios rápidos entre as entidades locais designadas pelos Estados‑Membros. […]
(7) A celeridade na transmissão justifica a utilização de todos os meios adequados, respeitando determinadas condições quanto à legibilidade e à fidelidade do ato recebido. […]
(8) O presente regulamento não é aplicável à citação ou notificação de um ato ao representante de uma das partes no Estado‑Membro onde decorre a ação, independentemente do local de residência da referida parte.
(9) A citação ou notificação de um ato deverá ser efetuada logo que possível e, em todo o caso, no prazo de um mês a contar da receção do ato pela entidade requerida.»
13. O artigo 1.° deste regulamento dispõe:
«1. O presente regulamento é aplicável, em matéria civil ou comercial, quando um ato judicial ou extrajudicial deva ser transmitido de um Estado‑Membro para outro Estado‑Membro para aí ser objeto de citação ou notificação. O presente regulamento não abrange, nomeadamente, matéria fiscal, aduaneira ou administrativa, nem a responsabilidade do Estado por atos e omissões no exercício do poder público (‘ata iure imperii’).
2. O presente regulamento não se aplica quando o endereço do destinatário for desconhecido.
3. Para efeitos do presente regulamento, entende‑se por ‘Estado‑Membro’ todos os Estados‑Membros com exceção da Dinamarca.»
14. Nos termos do artigo 26.°, último parágrafo, do referido regulamento, este é «obrigatório em todos os seus elementos e diretamente aplicável nos Estados‑Membros em conformidade com o Tratado que institui a Comunidade Europeia».
B — Direito polaco
15. Nos termos do artigo 11355 do Código de Processo Civil polaco:
«1. A parte que tiver o seu domicílio, paradeiro habitual ou sede no estrangeiro, se não constituir mandatário com domicílio profissional na República da Polónia, está obrigada a nomear um representante para receber as notificações na República da Polónia.
2. Se a parte não nomear representante para receber as notificações, os atos processuais que lhe forem dirigidos são juntos aos autos, considerando‑se aquela notificada. A parte deve ser informada deste facto na primeira notificação que lhe for feita. Deve ser ainda informada da possibilidade de contestar o pedido introdutório da instância e de se pronunciar por escrito, bem como sobre quem pode recair a nomeação de mandatário judicial.»
II — Análise
16. A questão apresentada pelo Sąd Rejonowy w Koszalinie implica que se examine a compatibilidade do artigo 11355 do Código de Processo Civil polaco com o direito da União numa dupla perspetiva. Cumpre, por um lado, verificar se a presunção de notificação na ausência de nomeação de um representante é permitida na perspetiva do Regulamento n.° 1393/2007, especialmente do seu artigo 1.° Por outro lado, há que verificar se a disposição controvertida é compatível com o princípio de não discriminação em razão da nacionalidade previsto no artigo 18.° TFUE.
17. Por razões de clareza da análise, examinarei separadamente estes dois aspetos da questão.
A — Exame da disposição controvertida na perspetiva do artigo 1.° do Regulamento n.° 1393/2007
18. Por força do artigo 1.°, n.° 1, do Regulamento n.° 1393/2007, este é aplicável «quando um ato judicial ou extrajudicial deva ser transmitido de um Estado‑Membro para outro Estado‑Membro para aí ser objeto de citação ou notificação».
19. Adotado com fundamento no artigo 61.°, alínea c), CE, que habilita o Conselho a adotar medidas no domínio da cooperação judiciária em matéria civil unicamente se estas tiverem «incidência transfronteiriça», o Regulamento n.° 1393/2007 só é aplicável em caso de citação ou notificação internacional e não em caso de citação ou notificação interna.
20. Visto que o artigo 1.° deste regulamento não especifica em que casos um documento «dev[e]» ser transmitido ao estrangeiro para aí ser objeto de citação ou notificação, coloca‑se a questão de saber se este deixa a cada Estado‑Membro o cuidado de definir quando um ato deve ser transmitido ao estrangeiro para efeitos de citação ou notificação ou se, pelo contrário, é aplicável desde que a morada do destinatário do ato a ser objeto de citação ou notificação se situe noutro Estado‑Membro.
1. Argumentos das partes
21. Os demandados no processo principal e os Governos polaco e italiano pronunciam‑se no sentido da primeira alternativa alegando que, em conformidade com o princípio da autonomia processual, o Regulamento n.° 1393/2007 se limita a organizar a execução das notificações exigidas pelos direitos processuais nacionais.
22. Os Governos polaco e italiano acrescentam que existem obrigações análogas de nomeação de um representante para receber as notificações no direito da União (13).
23. O Governo polaco considera, além disso, que a instituição do representante autorizado a receber as notificações prevista pelo direito polaco se destina a cumprir os mesmos objetivos de eficácia e celeridade dos processos judiciais que são prosseguidos pelo Regulamento n.° 1393/2007.
24. Pelo contrário, o casal Alder, o Governo português e a Comissão Europeia optam pela segunda alternativa, defendendo que as condições de citação e de notificação previstas pelo Regulamento n.° 1393/2007 são aplicáveis a partir do momento em que a parte à qual o ato deve ser notificado resida noutro Estado‑Membro e o seu endereço seja conhecido.
25. Para o casal Alder, a disposição nacional polaca, aplicando este regulamento unicamente quanto à primeira notificação, bloqueia a circulação comunitária dos atos judiciais, pese embora o artigo 14.° do referido regulamento autorizar a citação ou a notificação dos atos através dos serviços postais.
26. Com base no artigo 26.°, último parágrafo, do Regulamento n.° 1393/2007, o Governo português considera, no mesmo sentido, que as disposições do Código de Processo Civil polaco são unicamente aplicáveis aos cidadãos residentes num Estado que não seja membro da União, posto que o dever de transmissão ao abrigo deste regulamento está apenas subordinado ao facto de o domicílio, o paradeiro habitual ou a sede de uma das partes não estar situado no Estado‑Membro em que a ação foi intentada, o que confere um caráter transnacional ao processo, independentemente do que disponha o direito processual nacional.
27. Apesar de também considerar que a obrigação de designar um representante na Polónia não é compatível com o Regulamento n.° 1393/2007, a Comissão, que refere que a compatibilidade do artigo 11355 do Código de Processo Civil polaco com o direito da União é objeto de diálogo com as autoridades polacas na sequência de uma petição dirigida ao Parlamento (14), dedica uma parte preponderante das suas observações à análise da compatibilidade desta disposição com o artigo 18.° TFUE. Sustenta que a obrigação de nomear um representante na Polónia é incompatível com este artigo, por constituir uma discriminação indireta em razão da nacionalidade, na medida em que geralmente visa mais precisamente os nacionais de outros Estados‑Membros, os quais, em numerosos casos, não têm domicílio, local de residência habitual ou sede na Polónia.
2. Apreciação
28. Concordando com a posição do casal Alder, do Governo português e da Comissão, entendo que não é compatível com o Regulamento n.° 1393/2007 o facto de se punir com uma presunção de notificação a falta de nomeação, pela parte com domicílio no estrangeiro, de um representante com domicílio na Polónia encarregado de receber os atos.
29. Este regulamento revoga e substitui o Regulamento n.° 1348/2000, que se inspira na Convenção elaborada com base no artigo K.3 do Tratado da União Europeia, relativa à citação e à notificação dos atos judiciais e extrajudiciais em matérias civil e comercial nos Estados‑Membros da União Europeia (15). A Convenção de 1997, destinada a elaborar um instrumento visando simplificar e acelerar os processos de transmissão dos atos judiciais e extrajudiciais entre os Estados‑Membros, não entrou em vigor por não ter sido ratificada antes da entrada em vigor do Tratado de Amesterdão.
30. Contendo embora certas inovações (16), designadamente com o objetivo de melhor preservar os direitos das partes, a Convenção de 1997 inscrevia‑se no seguimento lógico da Convenção da Haia de 15 de novembro de 1965, relativa à citação e à notificação no estrangeiro dos atos judiciais e extrajudiciais em matérias civil e comercial (17), que estabelece um mecanismo de cooperação administrativa que permite a citação ou a notificação de um ato através de uma autoridade central encarregada de receber os pedidos e de lhes dar seguimento. Além disso, o artigo IV do Protocolo anexo à Convenção de Bruxelas de 27 de setembro de 1968, relativa à competência judiciária e à execução de decisões em matéria civil e comercial (18), com as adaptações que lhe foram introduzidas pela Convenção de 29 de novembro de 1996, relativa à adesão da República da Áustria, da República da Finlândia e do Reino da Suécia (19), estabeleceu, como modo facultativo de transmissão dos atos judiciais, a sua transmissão direta de um oficial de justiça para outro.
31. A Convenção da Haia de 1965 é considerada desprovida de caráter obrigatório, no sentido de que só é aplicável quando a lei interna do Estado do foro decidir que um ato deve ser transmitido para o estrangeiro para efeitos de citação ou notificação. Assim, o manual prático sobre o funcionamento desta convenção, redigido pela Secretaria Permanente da Conferência da Haia de Direito Internacional Privado (20), refere que «uma breve resenha» da prática dos Estados Contratantes «parece confirmar, apenas com algumas exceções, o caráter não obrigatório da [referida] convenção» (21), acrescentando, em tom de lamento, que, para cumprir plenamente o objetivo de assegurar que o ato objeto de citação ou notificação chega ao conhecimento efetivo do seu destinatário, a Convenção da Haia de 1965 se deveria ter imiscuído no direito nacional e definir ela própria as condições de uma citação ou notificação válida, o que constituiria o único meio de eliminar os modos de citação ou de notificação presumida, como a entrega ao Ministério Público.
32. Considero, no entanto, que a evolução profunda que a matéria conheceu, designadamente na sequência da sua comunitarização, implica uma nova leitura das relações entre a regulamentação atualmente resultante do Regulamento n.° 1393/2007 e os direitos processuais nacionais.
33. Com efeito, há que tomar em consideração a evolução dos objetivos atribuídos à política da União em matéria de cooperação judiciária civil e da vontade de criar um espaço judiciário europeu, destinado, por um lado, a assegurar a livre circulação dos atos judiciais e extrajudiciais e, por outro, a promover os direitos fundamentais.
34. Retomem‑se, sucessivamente, estas duas finalidades indissociáveis
35. O Regulamento n.° 1393/2007 insere‑se, em primeiro lugar, na criação de um espaço judiciário europeu no qual deve ser assegurada a livre circulação dos atos judiciais e extrajudiciais.
36. Como o Tribunal de Justiça decidiu nos seus acórdãos de 8 de novembro de 2005, Leffler (22), e de 25 de junho de 2009, Roda Golf & Beach Resort (23), o objetivo do Tratado de Amesterdão, de criar um «espaço de liberdade, de segurança e de justiça», dando uma «dimensão nova» à Comunidade Europeia, e a transferência, do Tratado UE para o Tratado CE, do regime que permite a adoção de medidas que se incluem no domínio da cooperação judiciária em matéria civil com efeitos transfronteiriços atestam a vontade de os Estados‑Membros «ancorarem» estas medidas na ordem jurídica da União (24).
37. Esta «ancoragem» confere uma nova consistência ao sistema de citação e de notificação transfronteiriça, o qual participa no bom funcionamento do mercado interno, garantindo a livre circulação dos atos judiciais e extrajudiciais.
38. A vontade de construir um espaço judiciário europeu levou aliás a que o legislador da União ultrapassasse a via da simples coordenação dos processos nacionais, procedendo a avanços na aplicação de processos comunitários específicos, destinados a regular mais rápida e eficazmente os litígios transfronteiriços, como o título executivo europeu para créditos não contestados (25), o procedimento europeu de injunção de pagamento (26) e o processo europeu para ações de pequeno montante (27).
39. Embora não tenham procedido à unificação dos modos de citação ou de notificação à escala europeia, em contrapartida, estes novos instrumentos estabelecem normas mínimas, relativamente às quais tanto o Regulamento n.° 805/2004 como o Regulamento n.° 1896/2006 especificam que nenhum meio de citação ou de notificação baseado numa ficção jurídica pode ser considerado suficiente (28).
40. Sendo que a realização de atos processuais no território de outro Estado‑Membro era tradicionalmente considerada uma ingerência na soberania dos Estados, estes vários regulamentos, através da instauração destas normas mínimas, conseguem um abandono progressivo, ainda que limitado, de certos atributos desta soberania, pois preveem que sejam efetuadas citações ou notificações transfronteiriças diretas por via postal (29), sem concederem aos Estados‑Membros a faculdade de se oporem a este modo de transmissão. Do mesmo modo, diversamente da Convenção da Haia de 1965, a qual prevê que o Estado destinatário pode obstar à transmissão direta, por via postal, de atos judiciais às pessoas que se encontrem no seu território (30), o Regulamento n.° 1393/2007 não permite que o Estado‑Membro em cujo território resida o destinatário a exclua e nem sequer que especifique as condições da sua utilização (31).
41. A criação de um espaço judiciário europeu é, em segundo lugar, indissociável da finalidade geral de uma União de direito que constitui a promoção dos direitos fundamentais.
42. Este novo espaço tem, designadamente, por objetivo a promoção das garantias processuais, componentes do direito a um processo equitativo, como consagrado nos artigos 47.°, segundo parágrafo, da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia, e 6.°, n.° 1, da Convenção Europeia para a Proteção dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais, assinada em Roma em 4 de novembro de 1950, conjugando‑as com os imperativos de celeridade e eficácia da justiça civil.
43. No seguimento do Conselho Europeu de Tampere, de 15 e 16 de outubro de 1999, e do Programa da Haia, adotado em 2004, o Conselho Europeu proclamou, no programa de Estocolmo, adotado em 2010 (32), que o principal objetivo da ação desenvolvida no âmbito das disposições de direito processual em matéria civil consiste em fazer com que as fronteiras entre os Estados‑Membros não constituam um obstáculo à resolução dos processos cíveis nem à propositura de ações judiciais ou à execução das decisões em matéria civil. O Conselho Europeu declarou igualmente que devia ser dada prioridade a mecanismos destinados a facilitar o acesso das pessoas à justiça, para que estas possam fazer valer os seus direitos em toda a União. Indo mais além da cooperação judiciária tradicional, a edificação de uma «Europa do direito e da justiça» (33) visa, pois, diretamente responder às necessidades dos sujeitos jurídicos (34).
44. Ora, a instauração de modos de citação e de notificação eficazes figura entre as garantias do processo equitativo. Com efeito, o Tribunal Europeu dos Direitos do Homem considera que «o direito a um tribunal» e o princípio da igualdade de armas, inerentes ao processo equitativo, «que visam todo o direito processual dos Estados Contratantes, […] são igualmente aplicáveis neste domínio específico constituído pela citação e notificação dos atos judiciais às partes» (35) e que a obrigação de os Estados Contratantes «organizarem o seu sistema judiciário de modo a que os seus órgãos jurisdicionais possam garantir a todos o direito a uma decisão definitiva sobre as contestações relativas aos seus direitos e obrigações de caráter civil num prazo razoável […] implica igualmente a instauração de processos de notificação eficazes, que permitam assegurar a notificação da data das audiências às partes em tempo útil» (36).
45. No seu acórdão de 8 de maio de 2007, Weiss und Partner (37), o Tribunal de Justiça, que considerou que a interpretação do Regulamento n.° 1348/2000 não podia ser dissociada do contexto do desenvolvimento no domínio da cooperação judiciária em matéria civil no qual este regulamento se inscreve, acentuou a proteção dos direitos de defesa, realçando, por analogia com a solução conseguida para a interpretação do Regulamento n.° 44/2001, que os objetivos de eficácia e de rapidez da transmissão dos atos processuais prosseguidos pelo Regulamento n.° 1348/2000 «não podem […] ser alcançados à custa de um enfraquecimento, seja qual for a forma que assuma, dos direitos de defesa», os quais são «decorrentes do direito a um processo equitativo consagrado no artigo 6.° da Convenção Europeia para a Proteção dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais» e «constituem um direito fundamental que faz parte dos princípios gerais de direito cujo cumprimento é assegurado pelo Tribunal de Justiça» (38).
46. Diversas disposições do Regulamento n.° 1393/2007 demonstram a vontade de estabelecer um sistema de citação e de notificação dos atos judiciais adequado a assegurar o direito a um processo equitativo. O sistema da dupla data, que permite tomar em consideração, quando um ato deve ser citado ou notificado num determinado prazo, a lei do Estado‑Membro de origem para fixar a data em relação ao requerente, tendo simultaneamente em conta a lei do Estado‑Membro requerido para determinar a data em relação ao destinatário do ato, responde ao cuidado de assegurar um equilíbrio entre os interesses das partes. A proteção do destinatário do ato é assegurada pela faculdade que lhe é reconhecida de recusar receber o ato se este não estiver traduzido numa língua que ele compreenda ou na língua oficial do Estado‑Membro requerido, pela obrigação do juiz de sobrestar na decisão quando o demandado não comparecer ou ainda pela possibilidade de o demandado beneficiar de uma derrogação do efeito perentório do prazo de recurso se não tiver tomado conhecimento do processo em tempo útil e se os seus argumentos de defesa não parecerem desprovidos de fundamento.
47. O objetivo da proteção dos direitos de defesa, que já inspirava o Regulamento n.° 1348/2000, é aliás reforçado pelas alterações introduzidas neste texto pelo Regulamento n.° 1393/2007, o qual, por exemplo, melhora a informação do destinatário, exigindo que este seja avisado por escrito, através de um formulário‑tipo, de que pode recusar a receção do ato a citar ou notificar se este não estiver redigido numa língua que ele compreenda ou na língua oficial do Estado‑Membro requerido (39), ou reforça a certeza da receção do ato, exigindo a carta registada com aviso de receção ou qualquer outro procedimento equivalente como modo de citação ou notificação pelo correio (40).
48. É à luz destes objetivos que deve ser interpretado o Regulamento n.° 1393/2007, respeitando o imperativo de uma aplicação uniforme das suas disposições. A este respeito, saliente‑se que, apesar de, numa primeira fase, ter apresentado uma proposta de diretiva com o objetivo de transformar a Convenção de 1997 num instrumento comunitário (41), a Comissão seguiu o parecer divergente do Parlamento, que tinha proposto legiferar por via de regulamento (42), a fim de garantir uma «aplicação rápida, clara e homogénea» das novas disposições (43). Esta opção pela via do regulamento, em vez da diretiva, como instrumento de instauração deste sistema, põe de relevo a importância que o legislador da União atribui à «aplicabilidade direta» das disposições do Regulamento n.° 1348/2000 e à «sua aplicação uniforme» (44).
49. Em minha opinião, a citação ou a notificação de um ato judicial deve necessariamente ser efetuada em conformidade com o disposto neste regulamento sempre que o destinatário do ato resida noutro Estado‑Membro.
50. Esta interpretação é confortada tanto pela redação como pelos objetivos e a economia geral do referido regulamento.
51. Em primeiro lugar, milita neste sentido uma interpretação literal do artigo 1.° do Regulamento n.° 1393/2007. Apesar de o artigo 1.°, n.° 1, ser ambíguo, pois não indica em que casos um ato judicial ou extrajudicial «deve» ser transmitido de um Estado‑Membro para outro para aí ser objeto de citação ou notificação, esta disposição deve ser lida em conjugação com o artigo 1.°, n.° 2, do referido regulamento, que especifica que este «não se aplica quando o endereço do destinatário for desconhecido». Posto que a falta de domicílio conhecido do destinatário constitui o único caso em que a aplicação do Regulamento n.° 1393/2007 está expressamente excluída, daí se pode deduzir, a contrario, que este regulamento é aplicável em todos os casos em que o destinatário tenha um endereço conhecido situado noutro Estado‑Membro.
52. Em segundo lugar, entendo que o facto de se permitir que cada Estado‑Membro continue a aplicar disposições nacionais que preveem uma ficção de citação quando o destinatário tenha domicílio noutro Estado‑Membro compromete os objetivos de livre circulação dos atos e de promoção dos direitos fundamentais. Importa, especialmente, salientar que a integração das regras de citação e de notificação dos atos judiciais nos elementos do processo equitativo destinados a garantir, para o demandante, o direito de acesso ao juiz e, para o demandado, o direito de ser informado em tempo útil do objeto e da causa do pedido a fim de se poder defender implica a proibição de qualquer modo fictício de citação que tenha por consequência privar as partes das regras de proteção constantes do Regulamento n.° 1393/2007. Ora, uma presunção de notificação poderia ter por efeito, por exemplo, privar o demandado com domicílio noutro Estado‑Membro da possibilidade de se recusar a receber o ato introdutório da instância se não estiver traduzido numa língua que compreenda ou na língua oficial do Estado‑Membro requerido (45).
53. Em terceiro lugar, resulta da economia geral do Regulamento n.° 1393/2007 que o sistema de citação e notificação que estabelece visa garantir a receção real e efetiva do ato judicial pelo seu destinatário, a qual representa o denominador comum dos diferentes modos de citação ou de notificação postos à disposição dos Estados‑Membros. Nesta perspetiva, não se pode admitir uma entrega puramente fictícia, resultante de uma presunção legal decorrente da junção dos atos aos autos. Do mesmo modo, contrariamente ao que defende o Governo polaco, não creio que o artifício processual constituído pela presunção de notificação por junção aos autos possa ser validamente comparado aos mecanismos de transmissão dos atos estabelecidos por este regulamento.
54. Em suma, creio que a circunstância de o direito nacional aplicável ao litígio no processo principal prever, em matéria de notificação dos atos judiciais, uma presunção que dispensa a obrigação de notificação no domicílio efetivo da parte que reside no estrangeiro é contrária tanto à redação como à finalidade e à economia geral do Regulamento n.° 1393/2007 e suscetível de o privar do seu efeito útil, contornando o sistema de citação e notificação dos atos judiciais que o mesmo estabelece.
55. O acórdão de 15 de março de 2012, G (46), corrobora esta interpretação.
56. Neste acórdão, no qual se colocava a questão da compatibilidade com o direito da União de uma disposição do Código de Processo Civil alemão (Zivilprozessordnung) que prevê a citação por via edital do ato introdutório da instância quando o local de residência do citando é desconhecido, o Tribunal de Justiça delimitou as condições nas quais pode ser proferida uma decisão à revelia contra um demandado que, na impossibilidade de ser localizado, foi citado para o ato introdutório da instância por via edital nos termos do direito nacional. Apesar de o Regulamento n.° 1393/2007 não ser aplicável às circunstâncias do processo principal em cujo âmbito o referido acórdão foi proferido, dado que o endereço do destinatário do ato não era conhecido (47), a análise do mesmo proporciona dois ensinamentos que são relevantes para a resposta a dar à presente questão prejudicial.
57. O primeiro destes ensinamentos é que a margem de manobra reconhecida aos Estados‑Membros para fixarem as regras processuais aplicáveis às ações propostas nos seus órgãos jurisdicionais é necessariamente limitada pela obrigação de respeitar o direito da União. Assim, o Tribunal de Justiça indicou que, «[e]mbora, na falta de regulamentação sistemática dos procedimentos internos pelo direito da União, seja […] competência dos Estados‑Membros, no âmbito da sua autonomia processual, fixar as regras processuais aplicáveis às ações propostas nos seus órgãos jurisdicionais, as referidas regras não devem violar o direito da União» (48).
58. O segundo ensinamento que se retira da análise do referido acórdão é que um modo de citação que não tenha por objetivo permitir que o destinatário receba efetivamente o ato, como a citação por via edital, só pode ser admitido quando o endereço do destinatário do ato não seja conhecido e tiverem sido efetuadas todas as averiguações exigidas pelos princípios da diligência e da boa‑fé para o encontrar (49). Donde resulta, a contrario, que, quando o endereço do destinatário seja conhecido, o ato deve ser citado ou notificado nesse endereço.
59. Todavia, à conclusão de que o Regulamento n.° 1393/2007 se opõe a uma presunção de notificação como a prevista pela disposição nacional controvertida são opostas três objeções que pretendo agora refutar.
60. A primeira objeção a esta solução é retirada do artigo 1.135.° do Código de Processo Civil polaco, o qual, embora estabeleça uma presunção de notificação, dispõe igualmente que, na primeira notificação que lhe for feita, a parte deve ser informada da obrigatoriedade de nomear um representante e da possibilidade de requerer a isenção de preparos e custas processuais e nomear um mandatário ad litem.
61. Creio, porém, que esta advertência não é suscetível de justificar uma derrogação das disposições do Regulamento n.° 1393/2007 e de tornar aceitável uma ficção de notificação que não satisfaz os requisitos do processo equitativo. Tanto mais quanto o Governo polaco indica que a primeira notificação é «a maior parte das vezes» efetuada nos termos deste regulamento, não o sendo, pois, sistematicamente, entendo que a informação inicialmente prestada não assegura a tramitação contraditória do processo e, consequentemente, não pode suprir a falta de notificação posterior dos atos judiciais.
62. Acresce que, admitir uma presunção de notificação sob pretexto de que o destinatário foi informado da sua obrigação de nomear um representante encarregado de receber as notificações, não é conforme com os princípios da cooperação leal e da confiança mútua, os quais implicam que todos os atos judiciais que devam ser objeto de citação ou notificação a um destinatário que resida noutro Estado‑Membro o sejam segundo o sistema estabelecido pelo Regulamento n.° 1393/2007.
63. A segunda objeção assenta no considerando 8 do Regulamento n.° 1393/2007, que especifica que este não é aplicável à citação ou notificação de um ato ao representante de uma das partes no Estado‑Membro onde decorre a ação, independentemente do local de residência da referida parte.
64. Entendo, no entanto, que esta exceção, que aliás figura unicamente num considerando sem ser retomada ou explicitada num artigo específico, deve ser de interpretação estrita e só pode visar, além da nomeação de um mandatário ad litem, a eleição voluntária de domicílio resultante de uma manifestação da vontade pela qual é reconhecida à pessoa a respeito de cujo domicílio é efetuada a designação qualidade para receber as citações ou as notificações dos atos judiciais.
65. Creio também que a terceira objeção, relativa à existência de disposições do direito da União que preveem a eleição de domicílio, também não é pertinente.
66. É certo que tanto o Regulamento n.° 44/2001 como o Regulamento n.° 2201/2003 obrigam a que a parte que pede a execução num Estado‑Membro de uma decisão proferida noutro Estado‑Membro eleja domicílio na área de jurisdição do tribunal em que tiver sido apresentado o requerimento ou a designar um mandatário ad litem quando a lei do Estado‑Membro requerido não preveja a eleição de domicílio.
67. No entanto, não vejo como a existência, à escala europeia, deste regime derrogatório das regras de direito comum resultantes do Regulamento n.° 1393/2007 possa autorizar os Estados‑Membros a introduzirem ou manterem na sua ordem jurídica nacional regras de citação ou de notificação transfronteiriça que substituam o sistema de citação ou de notificação estabelecido por este regulamento apesar de estarem reunidas as condições de aplicação do mesmo.
68. Além disso, a exigência de eleição de domicílio, própria ao processo de exequatur e destinada a facilitar tanto a comunicação ao requerente da decisão relativa ao seu pedido como a interposição de um recurso pela parte contra a qual é requerida a execução, aplica‑se, por hipótese, indistintamente a qualquer cidadão da União, independentemente da sua nacionalidade.
69. Por último, saliente‑se que, embora as consequências da violação das condições relativas à eleição de domicílio sejam definidas pela lei do Estado‑Membro requerido, contudo, o Tribunal de Justiça delimitou a margem de manobra dos Estados‑Membros, tendo declarado que «a sanção prevista não pode […] pôr em causa a validade da sentença que concede o exequatur, nem permitir a violação dos direitos da parte contra a qual se move a execução» (50).
70. Quanto ao argumento relativo ao Regulamento de Processo, creio‑o desprovido da mínima pertinência, pois este texto não é comparável ao instrumento de harmonização das legislações nacionais que constitui o Regulamento n.° 1393/2007. Acrescento a título superabundante que a eleição de domicílio prevista no artigo 38.°, n.° 2, do Regulamento de Processo é meramente facultativa (51) e que, além disso, se uma parte não tiver elegido domicílio ou autorizado que as notificações lhe sejam enviadas através de um meio técnico de comunicação, todas as notificações dirigidas à parte em questão serão enviadas, por meio de carta registada, ao seu agente ou advogado.
71. São estas as razões pelas quais concluo que a disposição controvertida deve ser considerada incompatível com o Regulamento n.° 1393/2007. Independentemente das lacunas e insuficiências de que padeça, designadamente no que respeita às regras de notificação por via postal (52), este regulamento representa tanto um avanço primordial como uma condição essencial da construção de um espaço judiciário europeu, no qual não há lugar para o «fóssil processual» (53) que constitui a ficção de notificação por junção aos autos.
72. Por conseguinte, proponho que o Tribunal de Justiça declare que o artigo 1.° do Regulamento n.° 1393/2007 deve ser interpretado no sentido de que se opõe a uma regulamentação de um Estado‑Membro, como a em causa no processo principal, que prevê que os atos processuais dirigidos a uma parte com domicílio, paradeiro habitual ou sede noutro Estado‑Membro são juntos aos autos, considerando‑se aquela notificada, se a referida parte não nomear um representante autorizado a receber as notificações com domicílio no Estado‑Membro em que o processo corre os seus termos.
73. As precedentes considerações bastam para responder à interrogação do órgão jurisdicional de reenvio. Porém, caso o Tribunal de Justiça não aprove a minha proposta de interpretação do Regulamento n.° 1393/2007, creio que é útil examinar rapidamente esta questão na perspetiva do artigo 18.° TFUE.
B — Exame da disposição controvertida na perspetiva do artigo 18.° TFUE
74. Como o casal Alder, o Governo português e a Comissão, entendo que a obrigação de eleição de domicílio viola o princípio da não discriminação em razão da nacionalidade consagrado no artigo 18.° TFUE.
75. Este princípio tem por corolário, no espaço judiciário europeu, o dever de observar a igualdade de tratamento entre todos os sujeitos jurídicos da União, independentemente da sua nacionalidade ou local de residência. Assim, na sua reunião de Tampere, de 15 e 16 de outubro de 1999, o Conselho Europeu salientou que o «cidadão só pode gozar a liberdade num verdadeiro espaço de justiça, em que todos possam recorrer aos tribunais e às autoridades de todos os Estados‑Membros tão facilmente como no seu próprio país».
76. O Tribunal de Justiça enunciou reiteradamente que uma norma processual civil nacional que, numa ação judicial, exige a prestação de uma cautio judicatum solvi não pode conduzir a discriminações relativamente a pessoas às quais o direito da União confere o direito à igualdade de tratamento (54).
77. No seu acórdão de 10 de fevereiro de 1994, Mund & Fester (55), o Tribunal de Justiça considerou que uma norma nacional de processo civil que, para uma sentença a executar num Estado‑Membro, autoriza o arresto com base apenas no facto de a execução dever ter lugar no estrangeiro, ao passo que, para uma sentença a executar no território nacional, só o autoriza no caso de ser provável que, não sendo aquele efetuado, esta execução venha a ser impossível ou muito dificultada, constitui uma forma dissimulada de discriminação que não é justificada por circunstâncias objetivas.
78. À luz destas decisões, entendo que uma norma processual que impõe às partes que tiverem o seu domicílio noutro Estado‑Membro a obrigação de nomearem um representante no Estado‑Membro em que o processo corre os seus termos para receberem as citações e as notificações dos atos processuais infringe o princípio da não discriminação.
79. Embora, como observa o Governo polaco, o artigo 11355 do Código de Processo Civil polaco não introduza qualquer discriminação direta em razão da nacionalidade, dado que é aplicável em todos os casos em que uma parte, independentemente da sua nacionalidade, tenha o seu domicílio noutro Estado‑Membro, é também evidente que, como justamente alega a Comissão, esta disposição se aplica principalmente aos nacionais dos outros Estados‑Membros, os quais, a maior parte das vezes, não têm residência ou paradeiro habitual na Polónia, e não aos nacionais polacos.
80. Além disso, a afirmação do Governo polaco segundo a qual a presunção de notificação não é discriminatória, posto que o artigo 136.°, n.° 2, do Código de Processo Civil polaco prevê uma sanção idêntica a respeito da parte com domicílio na Polónia, é, em minha opinião, inexata. Com efeito, diversamente da parte residente no estrangeiro, a parte com domicílio na Polónia não tem a obrigação de nomear um representante para receber as citações ou as notificações. Só se expõe à sanção da presunção de notificação no caso específico de não ter comunicado ao tribunal a sua mudança de residência ou de sede no decurso da instância.
81. Não creio que as razões aduzidas pelo Governo polaco em apoio da obrigação de eleição de domicílio na Polónia, a saber, principalmente, a necessidade de garantir uma tramitação eficaz do processo judicial, constituam razões que possam justificar a sua manutenção, posto que o Regulamento n.° 1393/2007 tem precisamente por objeto facilitar e acelerar as transmissões transfronteiriças, estabelecendo vários modos de transmissão dos atos.
82. Consequentemente, concluo que o artigo 11355 do Código de Processo Civil polaco constitui uma discriminação na perspetiva do artigo 18.° TFUE.
III — Conclusão
83. Vistas as precedentes considerações, proponho que o Tribunal de Justiça responda do seguinte modo ao Sąd Rejonowy w Koszalinie:
«O artigo 1.° do Regulamento (CE) n.° 1393/2007 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 13 de novembro de 2007, relativo à citação e à notificação dos atos judiciais e extrajudiciais em matérias civil e comercial nos Estados‑Membros (‘citação e notificação de atos’) e que revoga o Regulamento (CE) n.° 1348/2000 do Conselho, deve ser interpretado no sentido de que se opõe a uma regulamentação de um Estado‑Membro, como a em causa no processo principal, que prevê que os atos processuais dirigidos a uma parte com domicílio, paradeiro habitual ou sede noutro Estado‑Membro são juntos aos autos, considerando‑se aquela notificada, se a referida parte não nomear um representante autorizado a receber as notificações com domicílio no Estado‑Membro em que o processo corre os seus termos.»
1 — Língua original: francês.
2 — JO L 324, p. 79.
3 — A seguir «casal Alder».
4 — JO L 160, p. 37.
5 — Artigo 4.°, n.° 1, deste regulamento.
6 — Artigo 2.°, n.os 1 e 2, do referido regulamento.
7 — Capítulo II do Regulamento n.° 1393/2007.
8 — V. acórdão de 9 de fevereiro de 2006, Plumex (C‑473/04, Colet., p. I‑1417, n.os 19 a 22).
9 — Artigo 12.° do referido regulamento.
10 — Artigo 13.° do referido regulamento.
11 — Artigo 14.° do Regulamento n.° 1393/2007.
12 — Artigo 15.° do referido regulamento.
13 — Os Governos polaco e italiano invocam o Regulamento (CE) n.° 44/2001 do Conselho, de 22 de dezembro de 2000, relativo à competência judiciária, ao reconhecimento e à execução de decisões em matéria civil e comercial (JO 2001, L 12, p. 1). A este, o Governo polaco acrescenta o Regulamento (CE) n.° 2201/2003 do Conselho, de 27 de novembro de 2003, relativo à competência, ao reconhecimento e à execução de decisões em matéria matrimonial e em matéria de responsabilidade parental e que revoga o Regulamento (CE) n.° 1347/2000 (JO L 338, p. 1), e o Regulamento de Processo do Tribunal de Justiça.
14 — Petição 0277/2010, apresentada por A. K., de nacionalidade polaca, sobre a impossibilidade, na Polónia, da citação de documentos judiciais e extrajudiciais por correio ou via eletrónica.
15 — JO 1997, C 261, p. 2, a seguir «Convenção de 1997».
16 — V. n.° 3 da introdução do relatório explicativo sobre a convenção, elaborada com base no artigo K.3 do Tratado do União Europeia relativa à citação e à notificação dos atos judiciais e extrajudiciais em matérias civil e comercial nos Estados‑Membros da União Europeia (JO 1997, C 261, p. 26).
17 — A seguir «Convenção da Haia de 1965».
18 — JO 1972, L 299, p. 32.
19 — JO 1997, C 15, p. 1.
20 — Manuel pratique sur le fonctionnement de la ConventionNotification de La Haye, Bureau permanent de la Conférence de La Haye de droit international privé, 3ª ed., Wilson & Lafleur, Montreal, 2006.
21 — N.° 41, p. 23.
22 — C‑443/03, Colet., p. I‑9611.
23 — C‑14/08, Colet., p. I‑5439.
24 — Acórdãos, já referidos, Leffler (n.° 45), e Roda Golf & Beach Resort (n.° 48).
25 — Regulamento (CE) n.° 805/2004 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 21 de abril de 2004, que cria o título executivo europeu para créditos não contestados.
26 — Regulamento (CE) n.° 1896/2006 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 12 de dezembro de 2006, que cria um procedimento europeu de injunção de pagamento.
27 — Regulamento (CE) n.° 861/2007 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 11 de julho de 2007, que estabelece um processo europeu para ações de pequeno montante.
28 — Nos termos do considerando 13 do Regulamento n.° 805/2004, «nenhum meio de citação ou de notificação baseado numa ficção jurídica, no que se refere ao respeito dessas normas mínimas, pode ser considerado suficiente para efeitos de certificação de uma decisão como Título Executivo Europeu» e, nos termos do considerando 19 do Regulamento n.° 1896/2006, «nenhum meio de citação ou de notificação baseado numa ficção legal deverá poder ser considerado suficiente para efeitos de citação ou notificação de uma injunção de pagamento europeia».
29 — Artigos 13.°, n.° 1, alínea c), do Regulamento n.° 805/2004, 14.°, n.° 1, alínea e), do Regulamento n.° 1896/2006, e 13.°, n.° 1, do Regulamento n.° 861/2007.
30 — Artigo 10.°, alínea a), desta convenção.
31 — O artigo 14.° do Regulamento n.° 1393/2007 exige a utilização da carta registada com aviso de receção ou equivalente.
32 — Programa de Estocolmo — Uma Europa aberta e segura que sirva e proteja os cidadãos (JO 2010, C 115, p. 1).
33 — V. ponto 3 do Programa de Estocolmo.
34 — V., neste sentido, Hess, B., «Nouvelles techniques de la coopération judiciaire transfrontière en Europe», Revue critique de droit international privé, 2003, p. 215. Este autor invoca uma «alteração conceptual» no sistema europeu de cooperação judiciária, a qual «já não se define na perspetiva da cooperação entre Estados, mas a partir dos interesses e das necessidades dos sujeitos jurídicos» (pp. 221 e 222).
35 — V. TEDH, acórdão Övüs c. Turquia de 13 de outubro de 2009, §§ 46, 47 e jurisprudência aí referida.
36 — V. TEDH, acórdão Gospodinov c. Bulgária de 10 de maio de 2007, § 40.
37 — C‑14/07, Colet., p. I‑3367.
38 — N.° 47.
39 — Artigo 8.°, n.° 1, deste regulamento.
40 — Artigo 14.° do referido regulamento.
41 — Proposta de Diretiva do Conselho relativa à citação e à notificação dos atos judiciais e extrajudiciais em matérias civil e comercial nos Estados‑Membros [COM(1999) 219 final].
42 — Proposta alterada de Regulamento do Conselho relativo à citação e à notificação dos atos judiciais e extrajudiciais em matérias civil e comercial nos Estados‑Membros [COM(2000) 75 final].
43 — V. justificação da alteração 1 no relatório sobre a proposta de Diretiva do Conselho relativa à citação e à notificação dos atos judiciais e extrajudiciais em matérias civil e comercial nos Estados‑Membros [COM (1999) 219, C5‑0044/1999, 1999/0102 (CNS)].
44 — Acórdãos, já referidos, Leffler (n.° 46), e Roda Golf & Beach Resort (n.° 49).
45 — V., neste sentido, Schack, H., «Transnational Service of Process: A Call for Uniform and Mandatory Rules», Revue de droit uniforme, abril de 2001, p. 827. Segundo este autor, «[i]nsofar as national rules on service of process deny the defendant’s right to be heard, they infringe the fair proceeding requirement of Article 6 I ECHR» (p. 836).
46 — C‑292/10.
47 — O acórdão G., já referido, aplica a regra enunciada no artigo 26.°, n.° 2, do Regulamento n.° 44/2001, segundo a qual o juiz deve sobrestar na decisão enquanto não estiver estabelecido que foi dada ao requerido oportunidade para receber o ato introdutório da instância ou ato equivalente em tempo útil para apresentar a sua defesa, ou enquanto não estiver determinado que foram efetuadas para o efeito todas as diligências. Porém, o artigo 19.°, n.° 1, do Regulamento n.° 1393/2007 estabelece uma norma idêntica de suspensão da decisão, o que é facilmente explicável, posto que a regra do artigo 26.°, n.° 2, do Regulamento n.° 44/2001 foi diretamente importada do artigo 15.° da Convenção da Haia de 1965, na qual se inspira o Regulamento n.° 1393/2007 (v., neste sentido, Pataut, E., «Notifications internationales et règlement ‘Bruxelles I’», Vers de nouveaux équilibres entre ordres juridiques —Mélanges en l’honneur d’Hélène Gaudemet‑Tallon, Dalloz, Paris, 2008, p. 377, especialmente p. 381).
48 — Acórdão G., já referido (n.° 45).
49 — Ibidem (n.° 55 e jurisprudência aí referida).
50 — Acórdão de 10 de julho de 1986, Carron/Alemanha (198/85, Colet., p. 2437, n.° 14).
51 — Esta disposição esclarece que, além da escolha de domicílio, a petição pode indicar que o advogado ou agente autoriza que lhe sejam enviadas notificações através de telecópia ou de qualquer outro meio técnico de comunicação.
52 — V., sobre esta matéria, Hess, B., op. cit.
53 — A expressão é utilizada por Herbert Roth para qualificar o modo de citação fictícia que constituía a «entrega ao Ministério Público», antigamente em vigor em várias legislações de Estados‑Membros (v. Roth, H., «Remise au parquet und Auslandszustellung nach dem Haager Zustellungsübereinkommen von 1965», Praxis des Internationalen Privat‑und Verfahrensrechts, 2000, p. 497).
54 — Acórdãos de 26 de setembro de 1996, Data Delecta e Forsberg (C‑43/95, Colet., p. I‑4661, n.° 12); de 20 de março de 1997, Hayes (C‑323/95, Colet., p. I‑1711, n.° 13), e de 2 de outubro de 1997, Saldanha e MTS (C‑122/96, Colet., p. I‑5325, n.° 19).
55 — C‑398/92, Colet., p. I‑467.