Processo C‑245/14
Thomas Cook Belgium NV
contra
Thurner Hotel GmbH
[Pedido de decisão prejudicial apresentado pelo Handelsgericht Wien (Áustria)]
«Espaço de liberdade, segurança e justiça – Cooperação em matéria civil – Regulamento (CE) n.° 1896/2006 – Procedimento europeu de injunção de pagamento – Artigo 20.°, n.° 2 – Reapreciação da injunção de pagamento europeia depois do termo do prazo para deduzir oposição – Informação falsa ou errada – Incompetência do tribunal que emite a injunção de pagamento europeia – Conceito de ‘circunstâncias excecionais’»
Sumário do acórdão
O artigo 20.°, n.° 2, do Regulamento (CE) n.° 1896/2006 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 12 de dezembro de 2006, que cria um procedimento europeu de injunção de pagamento, conforme alterado pelo Regulamento (UE) n.° 936/2012 da Comissão, de 4 de outubro de 2012, deve ser interpretado no sentido de que, em circunstâncias como as que estão em causa no processo principal, se opõe a que um requerido que, em conformidade com este regulamento, foi notificado de uma injunção de pagamento europeia possa validamente pedir a reapreciação dessa injunção, alegando que o tribunal de origem se declarou competente, indevidamente, com base em informações pretensamente falsas, prestadas pelo requerente no formulário de requerimento dessa injunção de pagamento.
ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Quarta Secção)
«Reenvio prejudicial – Espaço de liberdade, segurança e justiça – Regulamento (CE) n.° 1896/2006 – Procedimento europeu de injunção de pagamento – Oposição extemporânea – Artigo 20.°, n.° 2 – Pedido de reapreciação da injunção de pagamento europeia – Exceção de incompetência do tribunal de origem – Injunção de pagamento europeia emitida de forma indevida, tendo em conta os requisitos estabelecidos no regulamento – Não emissão de forma ‘claramente’ indevida – Inexistência de circunstâncias ‘excecionais’»
No processo C‑245/14,
que tem por objeto um pedido de decisão prejudicial apresentado, nos termos do artigo 267.° TFUE, pelo Handelsgericht Wien (Tribunal de Comércio de Viena, Áustria), por decisão de 8 de abril de 2014, que deu entrada no Tribunal de Justiça em 21 de maio de 2014, no processo
Thomas Cook Belgium NV
contra
Thurner Hotel GmbH,
O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Quarta Secção),
composto por: L. Bay Larsen (relator), presidente da Terceira Secção, exercendo funções de presidente da Quarta Secção, J. Malenovský, M. Safjan, A. Prechal e K. Jürimäe, juízes,
advogado‑geral: P. Cruz Villalón,
secretário: K. Malacek, administrador,
vistos os autos e após a audiência de 16 de abril de 2015,
vistas as observações apresentadas:
– em representação da Thurner Hotel GmbH, por C. Linser e P. Linser, Rechtsanwälte,
– em representação do Governo austríaco, por G. Eberhard, na qualidade de agente,
– em representação do Governo alemão, por T. Henze e J. Kemper, na qualidade de agentes,
– em representação do Governo português, por L. Inez Fernandes e E. Pedrosa, na qualidade de agentes,
– em representação da Comissão Europeia, por M. Wilderspin, na qualidade de agente,
ouvidas as conclusões do advogado‑geral na audiência de 2 de julho de 2015,
profere o presente
Acórdão
1 O pedido de decisão prejudicial tem por objeto a interpretação do artigo 20.°, n.° 2, do Regulamento (CE) n.° 1896/2006 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 12 de dezembro de 2006, que cria um procedimento europeu de injunção de pagamento (JO L 399, p. 1), conforme alterado pelo Regulamento (UE) n.° 936/2012 da Comissão, de 4 de outubro de 2012 (JO L 283, p. 1, a seguir «Regulamento n.° 1896/2006»).
2 Este pedido foi apresentado no âmbito de um litígio que opõe a Thomas Cook Belgium NV (a seguir «Thomas Cook»), sociedade com sede na Bélgica, à Thurner Hotel GmbH (a seguir «Thurner Hotel»), sociedade com sede na Áustria, a respeito de um procedimento europeu de injunção de pagamento.
Quadro jurídico
Regulamento n.o 1896/2006
3 O considerando 9 do Regulamento n.° 1896/2006 tem a seguinte redação:
«O presente regulamento tem por objetivo simplificar, acelerar e reduzir os custos dos processos judiciais em casos transfronteiriços de créditos pecuniários não contestados, através da criação de um procedimento europeu de injunção de pagamento […]»
4 O considerando 16 deste regulamento dispõe:
«O tribunal deverá analisar o requerimento, bem como a questão da competência e a descrição das provas, com base nas informações constantes do formulário de requerimento, o que deverá permitir‑lhe apreciar prima facie o mérito do pedido e, nomeadamente, excluir pedidos manifestamente infundados ou requerimentos inadmissíveis. Esta análise não terá necessariamente de ser efetuada por um juiz.»
5 O considerando 25 do referido regulamento enuncia:
«Após o termo do prazo para apresentar a declaração de oposição, o requerido deverá ter, em certos casos excecionais, o direito de pedir a reapreciação da injunção de pagamento europeia. A reapreciação em casos excecionais não deverá significar a concessão ao requerido de uma segunda oportunidade para deduzir oposição. Durante o procedimento de reapreciação, o mérito do pedido não deverá ser apreciado para além dos fundamentos decorrentes das circunstâncias excecionais invocadas pelo requerido. As outras circunstâncias excecionais poderão incluir os casos em que a injunção de pagamento europeia tenha por base informações falsas fornecidas no formulário de requerimento.»
6 Nos termos do considerando 29 deste mesmo regulamento, o objetivo deste último é «o estabelecimento de um mecanismo uniforme, rápido e eficiente de liquidação de créditos não contestados em toda a União Europeia».
7 O artigo 1.°, n.° 1, do Regulamento n.° 1896/2006 dispõe:
«O presente regulamento tem por objetivo:
a) Simplificar, acelerar e reduzir os custos dos processos judiciais em casos transfronteiriços de créditos pecuniários não contestados, através da criação de um procedimento europeu de injunção de pagamento;
[…]»8 Nos termos do artigo 5.° deste regulamento, o «[t]ribunal de origem» é definido como o «tribunal que emite uma injunção de pagamento europeia».
9 O artigo 6.° do referido regulamento, sob a epígrafe «Competência judiciária», prevê, no seu n.° 1:
«Para efeitos da aplicação do presente regulamento, a competência judiciária é determinada em conformidade com as regras do direito comunitário aplicáveis na matéria, designadamente o Regulamento (CE) n.° 44/2001 [do Conselho, de 22 de dezembro de 2000, relativo à competência judiciária, ao reconhecimento e à execução de decisões em matéria civil e comercial (JO L 12, p. 1)].»
10 O artigo 7.°, n.° 2, deste mesmo regulamento dispõe:
«O requerimento [de injunção de pagamento europeia] deve incluir:
a) Os nomes e endereços das partes e, se for caso disso, dos seus representantes, bem como do tribunal a que é apresentado;
[…]e) Uma descrição das provas que sustentam o pedido;
f) O fundamento da competência judiciária;
[…]»11 O artigo 8.° do Regulamento n.° 1896/2006, com a epígrafe «Análise do requerimento», está redigido nos seguintes termos:
«O tribunal ao qual é apresentado um requerimento de injunção de pagamento europeia analisa, no prazo mais curto possível, com base no formulário de requerimento, se estão preenchidos os requisitos estabelecidos nos artigos [6.° e 7.°] e se o pedido parece fundamentado. Esta análise pode assumir a forma de um procedimento automatizado.»
12 O artigo 12.°, n.os 1 e 3 a 5, do Regulamento n.° 1896/2006 tem a seguinte redação:
«1. Se estiverem preenchidos os requisitos referidos no artigo 8.°, o tribunal emite uma injunção de pagamento europeia no prazo mais curto possível e, regra geral, no prazo de 30 dias a contar da apresentação do requerimento, utilizando para o efeito o formulário normalizado E, constante do Anexo V.
[…]3. Na injunção de pagamento europeia, o requerido é avisado de que pode optar entre:
a) Pagar ao requerente o montante indicado na injunção;
ou
b) Deduzir oposição à injunção de pagamento mediante a apresentação de uma declaração de oposição, que deve ser enviada ao tribunal de origem no prazo de 30 dias a contar da citação ou notificação da injunção.
4. Na injunção de pagamento europeia, o requerido é informado de que:
a) A injunção foi emitida exclusivamente com base nas informações prestadas pelo requerente e não verificadas pelo tribunal;
b) A injunção de pagamento adquirirá força executiva, a menos que seja apresentada uma declaração de oposição junto do tribunal ao abrigo do artigo 16.°;
[…]5. O tribunal assegura a citação ou notificação da injunção de pagamento europeia ao requerido nos termos do direito interno, em moldes que obedeçam às normas mínimas estabelecidas nos artigos 13.°, 14.° e 15.°»
13 O artigo 16.°, n.os 1 a 3, deste regulamento tem a seguinte redação:
«1. O requerido pode apresentar uma declaração de oposição à injunção de pagamento europeia junto do tribunal de origem […]
2. A declaração de oposição deve ser enviada no prazo de 30 dias a contar da citação ou notificação do requerido.
3. O requerido deve indicar na declaração de oposição que contesta o crédito em causa, não sendo obrigado a especificar os fundamentos da contestação.»
14 Sob a epígrafe «Reapreciação em casos excecionais», o artigo 20.°, n.° 2, do referido regulamento prevê:
«Após o termo do prazo fixado no n.° 2 do artigo 16.°, o requerido tem também o direito de pedir a reapreciação da injunção de pagamento europeia ao tribunal competente do Estado‑Membro de origem nos casos em que esta tenha sido emitida de forma claramente indevida, tendo em conta os requisitos estabelecidos no presente regulamento ou outras circunstâncias excecionais.»
Regulamento n.° 44/2001
15 O artigo 5.° do Regulamento n.° 44/2001 prevê:
«Uma pessoa com domicílio no território de um Estado‑Membro pode ser demandada noutro Estado‑Membro:
1. a) Em matéria contratual, perante o tribunal do lugar onde foi ou deva ser cumprida a obrigação em questão;
b) Para efeitos da presente disposição e salvo convenção em contrário, o lugar de cumprimento da obrigação em questão será:
[…]– no caso da prestação de serviços, o lugar num Estado‑Membro onde, nos termos do contrato, os serviços foram ou devam ser prestados;
[…]»16 O artigo 23.° deste regulamento tem a seguinte redação:
«1. Se as partes, das quais pelo menos uma se encontre domiciliada no território de um Estado‑Membro, tiverem convencionado que um tribunal ou os tribunais de um Estado‑Membro têm competência para decidir quaisquer litígios que tenham surgido ou que possam surgir de uma determinada relação jurídica, esse tribunal ou esses tribunais terão competência. Essa competência será exclusiva a menos que as partes convencionem em contrário. […] […]»
Litígio no processo principal e questões prejudiciais
17 Em 3 de setembro de 2009, a agência de viagens Thomas Cook celebrou com a Thurner Hotel um contrato de prestação de serviços hoteleiros.
18 A Thurner Hotel apresentou no Bezirksgericht für Handelssachen Wien (Tribunal Cantonal de Comércio de Viena) um requerimento de injunção de pagamento europeia contra a Thomas Cook, a fim de obter o pagamento da quantia de 15 232,28 euros para regularização das faturas correspondentes às prestações por si efetuadas no âmbito desse contrato. A Thurner Hotel alegou que aquele tribunal era competente com base no lugar do cumprimento das referidas prestações.
19 Em 26 de junho de 2013, a Thomas Cook foi notificada da injunção de pagamento europeia, em conformidade com as disposições do Regulamento n.° 1896/2006.
20 Esta sociedade apresentou uma declaração de oposição em 25 de setembro de 2013, ou seja, depois de decorrido o prazo de 30 dias para a oposição, previsto no artigo 16.°, n.° 2, do Regulamento n.° 1896/2006, e pediu também ao Bezirksgericht für Handelssachen Wien (Tribunal Cantonal de Comércio de Viena) para proceder à reapreciação da injunção de pagamento europeia, em conformidade com o artigo 20.°, n.° 2, deste regulamento.
21 Para o efeito, a Thomas Cook alegou que a Thurner Hotel não lhe havia enviado as faturas correspondentes, pelo menos, em tempo útil, e que o crédito controvertido se fundava em informações falsas. Por outro lado, a Thomas Cook deduziu uma exceção de incompetência dos tribunais austríacos, invocando a existência de uma cláusula atributiva de jurisdição a favor dos tribunais belgas, nas condições gerais do contrato controvertido. Com base nas disposições do artigo 20.°, n.° 2, do Regulamento n.° 1896/2006, a Thomas Cook alegou que a incompetência do tribunal de origem constituía um fundamento de reapreciação na aceção desta disposição.
22 Por despacho de 28 de outubro de 2013, o Bezirksgericht für Handelssachen Wien (Tribunal Cantonal de Comércio de Viena) indeferiu este pedido, pelo facto de a possibilidade de reapreciação prevista no artigo 20.°, n.° 2, deste regulamento dever ser objeto de interpretação estrita. Segundo este tribunal, a emissão de uma injunção de pagamento europeia por um tribunal incompetente não constitui uma circunstância que permita ao devedor pedir a reapreciação da injunção de pagamento com base nessa disposição.
23 A Thomas Cook recorreu deste despacho para o órgão jurisdicional de reenvio, alegando que o litígio no tribunal de primeira instância havia sido objeto de uma apreciação jurídica errada e que o artigo 20.°, n.° 2, do Regulamento n.° 1896/2006 lhe devia permitir pedir a reapreciação da injunção de pagamento europeia.
24 Segundo o órgão jurisdicional de reenvio, a doutrina austríaca defende uma interpretação estrita do artigo 20.°, n.° 2, do Regulamento n.° 1896/2006, estando no entanto dividida quanto à questão de saber se a emissão de uma injunção de pagamento europeia por um tribunal incompetente constitui um fundamento de reapreciação válido, na aceção desta disposição. Além disso, o órgão jurisdicional de reenvio salienta que este regulamento não define as «circunstâncias excecionais» previstas nessa disposição, cuja existência condiciona a reapreciação de uma injunção de pagamento europeia.
25 Nestas condições, o Handelsgericht Wien (Tribunal de Comércio de Viena) decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça as questões prejudiciais seguintes:
«1) Deve o Regulamento [n.° 1896/2006] ser interpretado no sentido de que o [requerido] pode apresentar um pedido de reapreciação, pelo tribunal, da injunção de pagamento europeia, nos termos do artigo 20.°, n.° 2, [deste regulamento], quando a injunção lhe foi validamente notificada, mas esta tenha sido emitida, com base nas informações fornecidas no formulário de requerimento, por um tribunal não competente?
2) Em caso de resposta afirmativa à primeira questão: pode falar‑se de circunstâncias excecionais, na aceção do artigo 20.°, n.° 2, do Regulamento n.° 1896/2006, em conformidade com o considerando 25 da [Proposta alterada de Regulamento do Parlamento Europeu e do Conselho que cria um procedimento europeu de injunção de pagamento, apresentada pela Comissão em conformidade com o disposto no n.° 2 do artigo 250.° do Tratado CE – COM(2006) 57 final], quando a injunção de pagamento europeia foi emitida com base em informações fornecidas no formulário de requerimento que posteriormente se revelaram incorretas, especialmente se a competência do tribunal depende dessas informações?»
Quanto às questões prejudiciais
26 Com as suas duas questões, que importa analisar em conjunto, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, se o artigo 20.°, n.° 2, do Regulamento n.° 1896/2006 deve ser interpretado no sentido de que, em circunstâncias como as que estão em causa no processo principal, se opõe a que um requerido que, em conformidade com este regulamento, foi notificado de uma injunção de pagamento europeia possa validamente pedir a reapreciação dessa injunção, alegando que o tribunal de origem se declarou competente, indevidamente, com base em informações pretensamente falsas, prestadas pelo requerente no formulário de requerimento dessa injunção de pagamento.
27 Importa começar por salientar que, como resulta do artigo 12.°, n.° 3, do Regulamento n.° 1896/2006, uma vez notificada a injunção de pagamento europeia ao requerido, em conformidade com este regulamento, o referido requerido é informado de que pode optar entre pagar ao requerente o montante indicado na injunção ou deduzir oposição à mesma, nos termos do artigo 16.° do referido regulamento, junto do tribunal de origem, no prazo de 30 dias a contar da citação ou notificação da referida injunção de pagamento.
28 Como o Tribunal de Justiça declarou no n.° 30 do seu acórdão Goldbet Sportwetten (C‑144/12, EU:C:2013:393), esta possibilidade que o requerido tem de deduzir oposição destina‑se a compensar o facto de o sistema instituído pelo Regulamento n.° 1896/2006 não prever a participação do referido requerido no procedimento europeu de injunção de pagamento, permitindo‑lhe contestar o crédito após a emissão da injunção de pagamento europeia.
29 Quanto à possibilidade de reapreciar a injunção de pagamento europeia, uma vez decorrido o prazo para a dedução de oposição, esta reapreciação só pode ocorrer em «casos excecionais», como indica a própria epígrafe do artigo 20.° do referido regulamento.
30 A este respeito, resulta do texto do artigo 20.°, n.° 2, do Regulamento n.° 1896/2006 que uma injunção de pagamento europeia pode ser reapreciada em caso de incumprimento do prazo de dedução de oposição, quando tenha sido emitida de forma claramente indevida, tendo em conta os requisitos estabelecidos no Regulamento n.° 1896/2006 ou outras circunstâncias excecionais.
31 Tendo o legislador da União pretendido limitar o procedimento de reapreciação a situações excecionais, a referida disposição deve necessariamente ser objeto de interpretação estrita (v., por analogia, acórdão Comissão/Conselho, C‑111/10, EU:C:2013:785, n.° 39 e jurisprudência aí referida).
32 Importa, em primeiro lugar, determinar se, numa situação como a que está em causa no processo principal, esta injunção foi emitida de forma «claramente» indevida, tendo em conta os requisitos estabelecidos no Regulamento n.° 1896/2006.
33 Nos termos do artigo 7.°, n.° 2, deste regulamento, o requerimento de injunção de pagamento europeia inclui, nomeadamente, a indicação do tribunal a que é apresentado bem como o fundamento da competência desse tribunal.
34 Por força do artigo 8.° do mesmo regulamento, o referido tribunal analisa, no prazo mais curto possível, com base no formulário de requerimento de injunção de pagamento europeia (a seguir «formulário de requerimento»), se estão preenchidos os requisitos enunciados, designadamente, no artigo 6.° deste regulamento, nos termos do qual a competência é determinada em conformidade com as regras do direito da União aplicáveis na matéria, designadamente o Regulamento n.° 44/2001, e se o pedido parece fundamentado. Se estiverem preenchidos os requisitos referidos no artigo 8.° do Regulamento n.° 1896/2006, o tribunal emite a injunção de pagamento europeia no prazo mais curto possível e, regra geral, no prazo de 30 dias a contar da apresentação do requerimento, utilizando para o efeito o formulário normalizado E, constante do Anexo V deste regulamento, em conformidade com o seu artigo 12.°, n.° 1.
35 No caso em apreço, resulta da decisão de reenvio que a Thomas Cook suscitou a incompetência do tribunal de origem, invocando a existência, nas condições gerais do contrato controvertido celebrado com a Hotel Thurner, de uma cláusula atributiva de jurisdição a favor dos tribunais belgas.
36 A este respeito, importa salientar que o artigo 23.° do Regulamento n.° 44/2001 dispõe que se as partes, das quais pelo menos uma se encontre domiciliada no território de um Estado‑Membro, tiverem convencionado que um tribunal ou os tribunais de um Estado‑Membro têm competência para decidir quaisquer litígios que tenham surgido ou que possam surgir de uma determinada relação jurídica, esse tribunal ou esses tribunais terão competência, sendo essa competência exclusiva, a menos que as partes convencionem em contrário.
37 Todavia, admitindo que este artigo se aplica numa situação como a que está em causa no processo principal, há que sublinhar que, como resulta do considerando 16 do Regulamento n.° 1896/2006, o tribunal ao qual foi apresentado o requerimento deverá analisá‑lo, incluindo a questão da competência e a descrição das provas, com base nas informações constantes do formulário de requerimento. Com efeito, em conformidade com o artigo 8.° deste regulamento, esse tribunal analisa, no prazo mais curto possível, com base no formulário de requerimento, se estão preenchidos os requisitos estabelecidos, designadamente, nos artigos 6.° e 7.° do mesmo regulamento e se o pedido parece fundamentado.
38 Por outro lado, o artigo 12.°, n.° 4, alínea a), do Regulamento n.° 1896/2006 precisa que o requerido é informado, na injunção de pagamento europeia, nomeadamente, de que a injunção foi emitida exclusivamente com base nas informações prestadas pelo requerente e não verificadas pelo tribunal, e o artigo 12.°, n.° 4, alínea b), deste regulamento especifica que a injunção adquirirá força executiva, a menos que seja apresentada uma declaração de oposição junto do tribunal, ao abrigo do artigo 16.° É igualmente o que resulta com clareza da notificação ao requerido, por meio do formulário normalizado E constante do Anexo V do Regulamento n.° 1896/2006, da injunção de pagamento europeia.
39 Assim, em circunstâncias como as que estão em causa no processo principal, incumbe ao requerido, quando pretenda deduzir uma exceção de incompetência do tribunal de origem, em razão do caráter pretensamente falso das informações prestadas pelo requerente no formulário de requerimento, atuar no prazo de oposição previsto no artigo 16.° do Regulamento n.° 1896/2006.
40 A este respeito, importa recordar que esta possibilidade de atuação é facilitada pelo facto de o requerido não ser obrigado a especificar os fundamentos da contestação e de se poder limitar a contestar o crédito, em conformidade com o artigo 16.°, n.° 3, do referido regulamento.
41 Visando o procedimento instituído pelo Regulamento n.° 1896/2006 conciliar a rapidez e a eficácia de um processo judicial com o respeito dos direitos de defesa, o requerido deve, por conseguinte, exercer os seus direitos nos prazos que lhe são concedidos e, consequentemente, só pode dispor de meios limitados para se opor à injunção de pagamento europeia.
42 Por outro lado, importa recordar que, como salientou o advogado‑geral no n.° 33 das suas conclusões, a verificação da competência pelo tribunal de origem, no âmbito do procedimento europeu de injunção de pagamento, é suscetível de levantar questões de direito complexas, como a da validade de uma cláusula atributiva de jurisdição, cuja apreciação poderia necessitar de uma análise mais aprofundada do que a exigida no âmbito do artigo 8.° do Regulamento n.° 1896/2006.
43 Daqui decorre que, nas circunstâncias particulares do processo principal, não se pode considerar que a injunção de pagamento europeia emitida contra a requerida o foi de forma claramente indevida, tendo em conta os requisitos estabelecidos no Regulamento n.° 1896/2006.
44 Em segundo lugar, importa determinar se, numa situação como a que está em causa no processo principal, se deve considerar que esta injunção foi emitida de forma «claramente» indevida, tendo em conta outras «circunstâncias excecionais», na aceção do artigo 20.°, n.° 2, do Regulamento n.° 1896/2006.
45 A este respeito, há que salientar que resulta do considerando 25 desse regulamento, que reflete o considerando 25 da Proposta alterada de regulamento COM(2006) 57 final, a que o órgão jurisdicional de reenvio faz referência, que essas «outras circunstâncias excecionais» poderiam nomeadamente incluir o caso em que a injunção de pagamento europeia tinha por base informações falsas prestadas pelo requerente no formulário de requerimento.
46 Todavia, no caso concreto, como recordado no n.° 35 do presente acórdão, a requerida suscitou, em apoio do seu pedido de reapreciação, a incompetência do tribunal de origem, alegando que as duas partes no contrato em causa no processo principal acordaram em atribuir competência aos tribunais belgas.
47 Nestas condições, uma vez notificada a injunção de pagamento europeia à requerida, em conformidade com o Regulamento n.° 1896/2006, esta, que não podia ignorar a existência dessa cláusula atributiva de jurisdição, pôde apreciar o caráter pretensamente falso das informações prestadas pela requerente no formulário de requerimento, relativamente, no caso concreto, à competência do tribunal de origem. Em consequência, tinha a possibilidade de o invocar no âmbito da oposição prevista no artigo 16.° do Regulamento n.° 1896/2006.
48 Como indicado no considerando 25 deste regulamento, a possibilidade de reapreciação da injunção, prevista no artigo 20.° do Regulamento n.° 1896/2006, não deve conduzir a dar ao requerido uma segunda oportunidade para deduzir oposição ao crédito.
49 Daqui decorre que, numa situação como a que está em causa no processo principal, não se pode considerar que a injunção de pagamento foi emitida de forma indevida, tendo em conta «circunstâncias excecionais», na aceção do artigo 20.°, n.° 2, do Regulamento n.° 1896/2006.
50 Esta interpretação da presente disposição é corroborada pelo objetivo prosseguido pelo referido regulamento. Com efeito, resulta do seu considerando 9 e do artigo 1.°, n.° 1, alínea a), que este regulamento tem por objetivo simplificar, acelerar e reduzir os custos dos processos judiciais em casos transfronteiriços de créditos pecuniários não contestados, através da criação de um procedimento europeu de injunção de pagamento. O considerando 29 do Regulamento n.° 1896/2006 acrescenta que o seu objetivo é o estabelecimento de um mecanismo rápido e uniforme de liquidação destes créditos.
51 Ora, este objetivo seria posto em causa se, em circunstâncias como as do processo principal, o artigo 20.°, n.° 2, do Regulamento n.° 1896/2006 fosse interpretado de modo a permitir ao requerido pedir a reapreciação do requerimento de injunção de pagamento europeia.
52 Tendo em conta as considerações precedentes, há que responder às questões colocadas que o artigo 20.°, n.° 2, do Regulamento n.° 1896/2006 deve ser interpretado no sentido de que, em circunstâncias como as que estão em causa no processo principal, se opõe a que um requerido que, em conformidade com este regulamento, foi notificado de uma injunção de pagamento europeia possa validamente pedir a reapreciação dessa injunção, alegando que o tribunal de origem se declarou competente, indevidamente, com base em informações pretensamente falsas, prestadas pelo requerente no formulário de requerimento.
Quanto às despesas
53 Revestindo o processo, quanto às partes na causa principal, a natureza de incidente suscitado perante o órgão jurisdicional de reenvio, compete a este decidir quanto às despesas. As despesas efetuadas pelas outras partes para a apresentação de observações ao Tribunal de Justiça não são reembolsáveis.
Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Quarta Secção) declara:
O artigo 20.°, n.° 2, do Regulamento (CE) n.° 1896/2006 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 12 de dezembro de 2006, que cria um procedimento europeu de injunção de pagamento, conforme alterado pelo Regulamento (UE) n.° 936/2012 da Comissão, de 4 de outubro de 2012, deve ser interpretado no sentido de que, em circunstâncias como as que estão em causa no processo principal, se opõe a que um requerido que, em conformidade com este regulamento, foi notificado de uma injunção de pagamento europeia possa validamente pedir a reapreciação dessa injunção, alegando que o tribunal de origem se declarou competente, indevidamente, com base em informações pretensamente falsas, prestadas pelo requerente no formulário de requerimento dessa injunção de pagamento.
Assinaturas
* Língua do processo: alemão.
apresentadas em 2 de julho de 2015 (1)
Processo C‑245/14
Thomas Cook Belgium NV
contra
Thurner Hotel GmbH
[Pedido de decisão prejudicial apresentado pelo Handelsgericht Wien (Áustria)]
«Espaço de liberdade, segurança e justiça – Cooperação em matéria civil – Regulamento (CE) n.° 1896/2006 – Procedimento europeu de injunção de pagamento – Artigo 20.°, n.° 2 – Reapreciação da injunção de pagamento europeia depois do termo do prazo para deduzir oposição – Informação falsa ou errada – Incompetência do tribunal que emite a injunção de pagamento europeia – Conceito de ‘circunstâncias excecionais’»
1. O presente processo dá oportunidade ao Tribunal de Justiça de se pronunciar, praticamente pela primeira vez, sobre o conceito de «circunstâncias excecionais» contido no artigo 20.°, n.° 2, do Regulamento n.° 1896/2006 (2). Em especial, trata‑se, designadamente, de saber se, no âmbito do procedimento europeu de injunção de pagamento, a eventual incompetência do tribunal que emite a injunção de pagamento europeia, devida à eventual existência de um pacto atributivo de jurisdição, convencionado entre as partes e não mencionada no formulário do requerimento, justifica, por se tratar de uma das designadas «circunstâncias excecionais», a reapreciação do mesmo quando o devedor teve, aparentemente, oportunidade de deduzir oposição contra essa injunção no prazo estabelecido e não o fez.
I – Quadro jurídico
2. O considerando 25 do Regulamento n.° 1896/2006 tem a seguinte redação:
«Após o termo do prazo para apresentar a declaração de oposição, o requerido deverá ter, em certos casos excecionais, direito a pedir a reapreciação da injunção de pagamento europeia. A reapreciação em casos excecionais não deverá significar a concessão ao requerido de uma segunda oportunidade para deduzir oposição. Durante o procedimento de reapreciação, o mérito do pedido não deverá ser apreciado para além dos fundamentos decorrentes das circunstâncias excecionais invocadas pelo requerido. As outras circunstâncias excecionais poderão incluir os casos em que a injunção de pagamento europeia tenha por base informações falsas fornecidas no formulário de requerimento.»
3. O artigo 16.° do referido Regulamento, sob a epígrafe «Dedução de oposição à injunção de pagamento europeia», dispõe o seguinte:
«1. O requerido pode apresentar uma declaração de oposição à injunção de pagamento europeia junto do tribunal de origem, utilizando o formulário normalizado F, constante do anexo VI, que lhe é entregue juntamente com a injunção de pagamento europeia.
2. A declaração de oposição deve ser enviada num prazo de 30 dias a contar da citação ou notificação do requerido.
3. O requerido deve indicar na declaração de oposição que contesta o crédito em causa, não sendo obrigado a especificar os fundamentos da contestação.
4. A declaração de oposição deve ser apresentada em suporte papel ou por quaisquer outros meios de comunicação, inclusive eletrónicos, aceites pelo Estado‑Membro de origem e disponíveis no tribunal de origem.
[…]».4. O artigo 20.° do referido regulamento, sob a epígrafe «Reapreciação em casos excecionais», tem a seguinte redação:
«1. Após o termo do prazo fixado no n.° 2, artigo 16.°, o requerido tem também o direito de pedir a reapreciação da injunção de pagamento europeia ao tribunal competente do Estado‑Membro de origem se:
a)
i) A injunção de pagamento tiver sido citada ou notificada por um dos meios previstos no artigo 14.°, e
ii) A citação ou notificação tiver sido feita a tempo de permitir ao requerido preparar a sua defesa, sem que tal facto lhe possa ser imputável,
ou
b) O requerido tiver sido impedido de contestar o crédito por motivo de força maior ou devido a circunstâncias excecionais, sem que tal facto lhe possa ser imputável,
desde que, em qualquer dos casos, atue com celeridade.
2. Após o termo do prazo fixado no artigo 16.°, n.° 2, o requerido tem também o direito de pedir a reapreciação da injunção de pagamento europeia ao tribunal competente do Estado‑Membro de origem nos casos em que esta tenha sido emitida de forma claramente indevida, tendo em conta os requisitos estabelecidos no presente regulamento, ou outras circunstâncias excecionais.
3. Se o tribunal indeferir o pedido do requerido com base no facto de que não é aplicável nenhum dos fundamentos de reapreciação enumerados nos n.os 1 e 2, a injunção de pagamento europeia mantém‑se válida.
Se o tribunal decidir que se justifica a reapreciação com base num dos fundamentos enumerados nos n.os 1 e 2, a injunção de pagamento europeia é declarada nula.»
II – Processo principal e questões prejudiciais
5. A Thomas Cook Belgium NV (a seguir «Thomas Cook»), recorrente no processo a quo, é uma agência de viagens sediada em Gante (Bélgica) que presta serviços de natureza diversa no setor do turismo. Em 3 de setembro de 2009, a Thomas Cook celebrou com a Thurner Hotel GmbH (a seguir «Thurner Hotel»), uma empresa austríaca com sede em Sölden (Áustria), um contrato onde estipularam novas condições de cooperação para o período de verão de 2010. Posteriormente, face ao incumprimento da obrigação de pagamento por parte da Thomas Cook, a Thurner Hotel, que tinha disponibilizado alojamentos turísticos em Sölden nas condições fixadas no referido contrato, requereu ao Bezirksgericht für Handelssachen Wien (Áustria) a emissão de uma injunção de pagamento europeia contra a agência de viagens belga num montante superior a 15 000 euros. Justificou a competência do referido tribunal com base no facto de o lugar de cumprimento da obrigação ser na Áustria.
6. Em 26 de junho de 2011, a Thomas Cook foi validamente citada ou notificada da injunção de pagamento europeia. Não deduziu oposição no prazo de trinta dias estabelecido no artigo 16.°, n.° 2, do Regulamento n.° 1896/2006 porque, segundo alega, ainda se encontrava a efetuar pesquisas nos seus arquivos para averiguar se a injunção de pagamento controvertida era ou não justificada.
7. Em 25 de setembro de 2013, a Thomas Cook apresentou ao Bezirksgericht für Handelssachen Wien um pedido de reapreciação da injunção de pagamento europeia ao abrigo do artigo 20.°, n.° 2, do Regulamento n.° 1896/2006. A Thomas Cook alegou essencialmente que o tribunal que emitiu a referida injunção não era competente, uma vez que as cláusulas contratuais gerais convencionadas entre as partes continham um pacto atributivo de jurisdição a favor dos tribunais de Gante (Bélgica). Na sua opinião, a injunção de pagamento europeia, indevidamente emitida, devia ser declarada nula nos termos do artigo 20.°, n.° 3, do Regulamento n.° 1896/2006 uma vez que a incompetência do tribunal que emitiu a injunção constitui um fundamento de reapreciação em conformidade com o artigo 20.°, n.° 2, do referido regulamento.
8. Por despacho de 28 de outubro de 2013, o Bezirksgericht für Handelssachen Wien indeferiu o pedido de reapreciação da injunção de pagamento europeia apresentada pela Thomas Cook. A Thomas Cook interpôs recurso deste despacho para o órgão jurisdicional de reenvio no prazo previsto. Como fundamento desse recurso, a Thomas Cook invocou o considerando 25 do Regulamento n.° 1896/2006, que qualifica expressamente de «circunstâncias excecionais», para efeitos do artigo 20.°, n.° 2, desse regulamento, o facto de o pedido de injunção de pagamento europeia se ter baseado em informações falsas fornecidas no formulário de requerimento. Em seu entender, no caso em apreço, o Bezirksgericht für Handelssachen Wien, por força das cláusulas contratuais gerais acordadas entre as partes, devia ter declarado a competência dos tribunais de Gante (Bélgica) e não dos tribunais austríacos. Segundo a Thomas Cook, o referido tribunal devia ter declarado que a injunção de pagamento europeia foi emitida de forma claramente indevida na aceção do artigo 20.°, n.° 2, do referido regulamento.
9. O Handelsgericht Wien decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça as seguintes questões prejudiciais:
«1) Deve o Regulamento n.° 1896/2006 do Parlamento Europeu e do Conselho [de 12 de dezembro de 2006], que cria um procedimento europeu de injunção de pagamento, ser interpretado no sentido de que o [requerido] pode apresentar um pedido de reapreciação, pelo tribunal, da injunção de pagamento europeia, nos termos do artigo 20.°, n.° 2, desse regulamento, quando a injunção lhe foi validamente notificada mas esta tenha sido emitida, com base nas informações contidas no formulário de requerimento, por um tribunal não competente?
2) Em caso de resposta afirmativa à primeira questão: pode falar‑se de circunstâncias excecionais, na aceção do artigo 20.°, n.° 2, do Regulamento n.° 1896/2006, [conjugado] com o considerando 25 da Comunicação n.° 2004/0055 da Comissão Europeia, de 7 de fevereiro de [2006], quando a injunção de pagamento europeia foi emitida com base em informações fornecidas no formulário de requerimento que posteriormente se revelaram incorretas, especialmente se a competência do tribunal depende dessas informações?»
10. No presente processo apresentaram observações escritas a Thurner Hotel, o Governo austríaco, o Governo português, a Comissão Europeia e o Governo alemão. A Thomas Cook apresentou as suas observações escritas fora do prazo, pelo que não foram admitidas. Na audiência, realizada em 16 de abril de 2015 a requerimento da Thomas Cook, apenas interveio a Comissão.
III – Síntese da posição das partes
11. Em primeiro lugar, a Thurner Hotel contesta as alegações da Thomas Cook no processo a quo sobre o seu alegado desconhecimento do incumprimento da obrigação de pagamento por não lhe terem sido enviadas (ou, pelo menos, não o foram no prazo previsto) as faturas correspondentes, facto que, segundo a Thomas Cook, a impediu de deduzir atempadamente a sua oposição. Em segundo lugar, contesta também que as partes tenham acordado atribuir a competência aos tribunais de Gante. De qualquer modo, do seu formulário de requerimento da injunção de pagamento europeia resultava claramente que baseava a competência do tribunal onde apresentou o referido requerimento no lugar de cumprimento das obrigações contratuais (nos termos do artigo 5.°, n.° 1, do Regulamento n.° 44/2001), motivo pelo qual a Thomas Cook podia ter deduzido oposição no prazo de trinta dias.
12. A Thurner Hotel considera que a disposição controvertida (artigo 20.°, n.° 2, do Regulamento n.° 1896/2006) deve ser interpretada restritivamente. Na sua opinião, o facto de permitir, mediante a referida disposição, a dedução de exceções processuais que poderiam (e deveriam) ter sido invocadas dentro do prazo previsto para a oposição violava o princípio da segurança jurídica.
13. O Governo austríaco também defende uma interpretação restritiva do artigo 20.°, n.° 2, do Regulamento n.° 1896/2006, que não permitia considerar como «circunstâncias excecionais» as que já podiam ter sido invocada pelo devedor em sede de oposição, entendimento que também é partilhado pelo Governo alemão. Segundo o Governo austríaco, apenas as injunções de pagamento europeias manifestamente ilegais ou obtidas de forma fraudulenta devem ser objeto da reapreciação do artigo 20.°, n.° 2, do referido regulamento.
14. O Governo português refere que são duas as situações em que, após o termo do prazo para deduzir oposição, o artigo 20.°, n.° 2, do referido regulamento permite apresentar um pedido de reapreciação da injunção de pagamento europeia após o termo do prazo para deduzir oposição: a primeira, quando for evidente que essa injunção foi emitida de forma claramente indevida tendo em conta os requisitos estabelecidos nesse regulamento, no sentido de que a injunção foi emitida sem respeitar os requisitos de validade da sua emissão previstos no regulamento; e, a segunda, quando se verifiquem quaisquer outras circunstância excecionais. O Governo português considera que o prazo para a dedução de oposição previsto no artigo 16.°, n.° 2, do Regulamento n.° 1896/2006 tem por objeto a contestação da legitimidade ou da validade do crédito que se pretende executar quando a injunção de pagamento europeia cumpre os requisitos de validade estabelecidos no referido regulamento. Em contrapartida, a reapreciação prevista no artigo 20.°, n.° 2, do mesmo tem por objeto impedir a execução de injunções de pagamento emitidas em violação do regulamento. Na opinião do Governo português, a emissão da injunção por um tribunal incompetente viola um requisito essencial de validade e deve poder ser impugnada num prazo superior ao previsto no artigo 16.°
15. A Comissão propõe que seja dada uma resposta afirmativa à primeira questão prejudicial, no sentido de que, se a injunção de pagamento foi efetivamente emitida por um tribunal internacionalmente incompetente, a referida injunção foi emitida de forma indevida tendo em conta os requisitos previstos no Regulamento n.° 896/2006, o que dá a possibilidade de requerer a reapreciação nos termos do artigo 20.°, n.° 2, desse regulamento. Para responder à segunda questão prejudicial, há que apurar se a injunção foi emitida de forma «claramente» indevida. No caso da competência judiciária internacional, na maioria dos casos não é «claro» se o órgão que emite a injunção é ou não competente. Ora, na opinião da Comissão, obrigar o tribunal a verificar sempre de uma forma exaustiva se é ou não competente para emitir a injunção iria contra a finalidade do regulamento.
16. A Comissão propõe que se restrinja o alcance do artigo 20.°, n.° 2, do Regulamento n.° 1896/2006 em conformidade com o disposto no Regulamento n.° 1215/2012 (3), de modo a que só seja possível impugnar a injunção de pagamento europeia depois do termo do prazo de dedução da oposição quando tenham sido violadas disposições atributivas da competência judiciária internacional especialmente pensadas para proteger a parte mais frágil numa relação jurídica ou nos casos previstos no artigo 24.° do Regulamento n.° 1215/2012 (competências exclusivas), para o qual remete o artigo 45.°, n.° 1, alínea e), ii) do mesmo regulamento. Em nenhum destes casos é possível enquadrar a eventual violação de um pacto atributivo de jurisdição como o que parece estar na origem deste processo, de modo que não se pode afirmar que a injunção foi emitida de forma «claramente» indevida.
17. Por conseguinte, segundo a Comissão, não seria possível determinar se se verifica alguma das «outras circunstâncias excecionais» na aceção do artigo 20.°, n.° 2, do Regulamento n.° 1896/2006. A Comissão propõe que esse conceito seja interpretado restritivamente, limitando‑o aos casos de abuso doloso do procedimento de injunção de pagamento, o que deve ser demonstrado em cada caso concreto (4).
18. O Governo alemão considera que nem todos os dados incorretos ou falsos incluídos no formulário de requerimento permitem a impugnação ao abrigo do artigo 20.°, n.° 2, do Regulamento n.° 1896/2006. A reapreciação da injunção de pagamento europeia só se considera justificada quando, da ponderação dos interesses de ambas as partes, resulte que a sua execução é insuportável («unerträglich») para uma delas. O Governo alemão cita também o despacho Novontech‑Zala (5), relativo ao artigo 20.° do Regulamento n.° 1896/2006, no qual o Tribunal de Justiça declarou, relativamente ao prazo de oposição de trinta dias, que «quando […] o incumprimento do referido prazo se dever a uma falta de diligência do representante do requerido, tal situação, desde que pudesse ter sido facilmente evitada, não resulta de circunstâncias excecionais na aceção [do artigo 20.°, n.os 1, alínea b), e 2]». Na opinião do Governo alemão, este raciocínio também deve ser aplicado no sentido de não se considerar «circunstâncias excecionais» algo que é invocado por quem o poderia ter facilmente evitado. Além do mais, iria contra os objetivos do Regulamento n.° 1896/2006 (nomeadamente de celeridade e de redução de despesas) reconhecer que se possa reapreciar uma injunção de pagamento europeia contra a qual poderia ter sido deduzia oposição no prazo fixado (oposição que, além do mais, nem sequer necessita de ser fundamentada, como dispõe o artigo 16.°, n.° 3, do referido regulamento).
19. Segundo o Governo alemão, o facto de o requerente da injunção de pagamento europeia e a contraparte não estarem de acordo quanto à competência judiciária internacional não é, de modo nenhum, algo «excecional» e, no caso em apreço, a Thomas Cook podia ter invocado sem grandes dificuldades, deduzindo oposição, a incompetência do tribunal que emitiu a injunção. Por último, o Governo alemão considera que, de qualquer modo, embora o tribunal que acabou por emitir a injunção não fosse internacionalmente competente, se trata de um órgão imparcial e independente de um Estado‑Membro cuja decisão não deveria ignorar ou violar os interesses da Thomas Cook.
IV – Análise
A – Considerações preliminares
20. O órgão jurisdicional de reenvio submete ao Tribunal de Justiça duas questões prejudiciais. Com primeira, pergunta se, com base no artigo 20.°, n.° 2, do Regulamento n.° 1896/2006, se pode apresentar um pedido de reapreciação de uma injunção de pagamento europeia emitida por um tribunal incompetente devido às informações relativas à competência constante do formulário de requerimento; com a segunda (que só se submete no caso de ser dada uma resposta afirmativa à primeira), pretende determinar se o facto de o requerimento ser emitido em virtude de informações relativas à competência que posteriormente se revelaram incorretas se inclui nas «circunstâncias excecionais» na aceção da referida disposição.
21. Na minha opinião, como sugere o Governo alemão nas suas observações, as duas questões podem juntar‑se numa única, reformulada nos seguintes termos:
«Deve o artigo 20.°, n.° 2, do Regulamento n.° 1896/2006, conjugado com o seu considerando 25, ser interpretado no sentido de que se pode falar de «circunstâncias excecionais,» que permitem ao [requerido] apresentar um pedido de reapreciação, pelo tribunal, da injunção de pagamento europeia, quando esta lhe foi validamente notificada mas tenha sido emitida com base em informações constantes do formulário de requerimento que posteriormente se revelaram incorretas, especialmente se a competência do tribunal depender dessas informações?»
B – Apreciação da questão
22. O artigo 20.°, n.° 2, do Regulamento n.° 1896/2006, sob a epígrafe «Reapreciação em casos excecionais», dispõe que «após o termo do prazo fixado no n.° 2 do artigo 16.°, o requerido tem também o direito de pedir a reapreciação da injunção de pagamento europeia ao tribunal competente do Estado‑Membro de origem nos casos em que esta tenha sido emitida de forma claramente indevida, tendo em conta os requisitos estabelecidos no presente regulamento ou outras circunstâncias excecionais», circunstâncias que, segundo o considerando 25 do referido regulamento, ao qual o órgão jurisdicional de reenvio (6) faz expressa referência, poderiam abranger o facto de «a injunção de pagamento europeia se ter baseado em informações falsas fornecidas no formulário de requerimento».
23. Ora, na minha opinião, tanto a exigência, prevista no próprio artigo 20.°, n.° 2, do Regulamento n.° 1896/2006, de que a injunção tenha sido «emitida de forma claramente indevida», como a indicação, no considerando 25, de que «a reapreciação em casos excecionais não significa que o requerido deva ter uma segunda oportunidade para deduzir oposição» apoiam a tese de que a via da «reapreciação em circunstâncias excecionais» tem de ser objeto de aplicação estrita. Assim, em princípio, concordo com o Governo alemão quanto ao facto de que nem toda a informação falsa ou incorreta fornecida no formulário de requerimento pode justificar a reapreciação da injunção de pagamento europeia nos termos do artigo 20.°, n.° 2, do Regulamento n.° 1896/2006.
24. Também seria contrária à aplicação extensiva de uma via pensada exclusivamente para casos excecionais a própria configuração do procedimento europeu de injunção de pagamento que, em termos gerais, apenas confere ao devedor uma única possibilidade de reagir à pretensão do credor, a saber, a oposição do artigo 16.° do Regulamento n.° 1896/2006, mas, que, precisamente por isso, está sujeita a muito poucas exigências formais (deve apresentar‑se por escrito no prazo de trinta dias) e a nenhuma exigência material (não tem de ser fundamentada) (7).
25. Por conseguinte, considero que o artigo 20.°, n.° 2, em conformidade com o considerando 25 do referido regulamento, deve ser objeto de uma interpretação estrita, como defendido por todos os intervenientes que apresentaram observações, com exceção do Governo português.
26. Em circunstâncias como as do presente processo isso significa que, no que respeita às informações fornecidas pelo requerente no formulário do requerimento, a via da reapreciação não deve ser aberta quando o devedor (em especial, quando se trata, como aqui, de um profissional) já teve oportunidade de verificar, ao analisar a injunção de pagamento europeia validamente notificada, que as informações em que o tribunal que a emitiu se baseou (isto é, as informações fornecidas pelo requerente) era errada, incorreta ou falsa. Ou seja, concordo com a Thurner Hotel e o Governo austríaco em que não são «circunstâncias excecionais», que justifiquem a reapreciação da injunção, as informações falsas ou incorretas contra as quais o devedor já teve oportunidade de reagir através da dedução de oposição. Em suma, considero que as «informações falsas» a que alude o considerando 25 do Regulamento n.° 1896/2006 devem restringir‑se àquelas cuja falsidade ou incorreção só se revela ou está em condições de ser apreciada pelo devedor num momento efetivamente posterior, depois do decorrido previsto no prazo do artigo 16.°, n.° 2, do referido Regulamento, o que deve ser apreciado caso a caso pelo tribunal nacional.
27. Por conseguinte, a título de conclusão provisória, considero que só se deve incluir nas «circunstâncias excecionais», que permitirão ao devedor apresentar o pedido de reapreciação da injunção de pagamento europeia ao abrigo do artigo 20.°, n.° 2, do Regulamento n.° 1896/2006, o facto de o referido pedido se basear nas informações contidas no formulário de requerimento que se revelaram falsas ou incorretas num momento efetivamente posterior, após o termo do prazo para deduzir oposição, o que o devedor terá de demonstrar em cada caso. Por outras palavras, se a injunção se baseia nas informações constantes do formulário de requerimento cuja falsidade ou incorreção o devedor teve oportunidade de verificar dentro do prazo fixado no artigo 16.°, n.° 2, do referido regulamento para deduzir oposição, o que deve ser apreciado pelo tribunal nacional, não se estará perante «circunstâncias excecionais» que justifiquem a reapreciação.
28. Na minha opinião, pelas razões que exporei a seguir, também o facto de a competência do tribunal que emite a injunção depender das informações falsas ou incorretas fornecidas no formulário de requerimento, que é o caso a que se refere precisamente o Handelsgericht Wien, leva a uma conclusão diferente.
29. Segundo o considerando 16 do Regulamento n.° 1896/2006, «o tribunal deverá analisar o requerimento [de uma injunção de pagamento europeia], bem como a questão da competência […], com base nas informações constantes do formulário de requerimento», sem que esta análise tenha necessariamente de ser efetuada por um juiz (8). Entre os requisitos que, segundo o artigo 8.° do Regulamento n.° 1896/2006, devem ser analisados, com base no formulário correspondente, pelo tribunal ao qual é apresentado um requerimento de injunção de pagamento europeia, figura a competência judiciária internacional (artigo 6.° do referido Regulamento). Assim, quem analisa o requerimento de uma injunção de pagamento europeia limita‑se a verificar se o código numérico (dos treze possíveis) do critério de competência do tribunal indicado pelo requerente no formulário normalizado A do anexo I do Regulamento n.° 1896/2006 é verosímil nos termos do disposto no Regulamento n.° 44/2001 (9), para o qual remete o artigo 6.°, n.° 1, do Regulamento n.° 1896/2006 relativamente à competência judiciária (10).
30. Por outro lado, ao citar ou notificar ao devedor a injunção de pagamento europeia através do formulário normalizado E do anexo V do Regulamento n.° 1896/2006, na alínea c) aquele é informado, em carateres que se destaquem visualmente, não só de que pode deduzir oposição no prazo de trinta dias e das consequências da falta de oposição, como também de que «a presente injunção é emitida com base exclusivamente nas informações fornecidas pelo demandante, que não foram verificadas pelo tribunal».
31. Assim, no presente processo, e uma vez que, segundo o órgão jurisdicional de reenvio, a injunção de pagamento foi validamente notificada à Thomas Cook, há que considerar que a referida empresa, desde que recebeu a notificação (data em que começa a correr o prazo para deduzir oposição), tinha conhecimento que a referida injunção foi emitida apenas com base nas informações fornecidas pela Thurner Hotel no formulário normalizado A do anexo I do Regulamento n.° 1896/2006. Consequentemente, ainda que não conste dos autos se a Thomas Cook recebeu efetivamente cópia do referido formulário normalizado A, a empresa belga podia presumir que a Thurner Hotel não tinha feito constar no seu requerimento a existência de um pacto atributivo de jurisdição convencionado entre as partes (na medida em que a injunção provinha de um tribunal austríaco e não de um tribunal de Gante) e que, em princípio, quem tinha efetuado a análise com base nas informações constantes no formulário não sabia necessariamente da existência do referido pacto (11).
32. A este respeito, considero ainda, tendo em conta que o artigo 24.° do Regulamento n.° 44/2001 admite, em termos gerais, uma extensão tácita da competência se o requerido comparecer perante um tribunal diferente do inicialmente convencionado entre as partes (12), que não se deve considerar sem mais de «informações falsas», na aceção do referido considerando 25, o facto de a requerente da injunção de pagamento europeia, para conhecer a reação do devedor, ter indicado como critério atributivo da competência ao tribunal austríaco o lugar de cumprimento das obrigações (artigo 5.°, n.° 1, do Regulamento n.° 44/2001) (13). Como o Tribunal de Justiça já declarou relativamente às disposições equivalentes da Convenção de 27 de setembro de 1968, relativa à competência judiciária e à execução das decisões em matéria civil e comercial (a seguir «Convenção de Bruxelas») (14), «não há qualquer razão decorrente da economia geral ou dos objetivos da convenção para se considerar estarem as partes num pacto atributivo de jurisdição na aceção do artigo 17.° [artigo 23.° do Regulamento n.° 44/2001] impedidas de submeter um litígio a um órgão jurisdicional diferente do estipulado no pacto» (15).
33. Há também que ter em conta que a mera existência de um pacto dessa natureza nas condições contratuais gerais acordadas entre as partes não significa que seja válido nos termos do artigo 23.° do referido Regulamento(16). A apreciação da sua validade formal, em caso de divergência entre as partes, exigiria uma análise mais aprofundada por parte do tribunal que conhece do processo do que a que é exigida nos termos do artigo 8.° do Regulamento n.° 1896/2006 mesmo que se informe da existência desse pacto no formulário de requerimento da injunção de pagamento europeia. Por tal motivo, considero que, caso o requerente de uma injunção de pagamento europeia ponha em causa a validade ou a eficácia do pacto atributiva de jurisdição incluído nas cláusulas contratuais gerais, não está obrigado a invocá‑lo no formulário em que requer a emissão da injunção de pagamento europeia, uma vez que esses aspetos nunca poderão ser discutidos no contexto do procedimento europeu de injunção de pagamento.
34. Assim, entendo que, nestas circunstâncias, só se incluirá nas «circunstâncias excecionais», que permitem ao devedor apresentar o pedido de reapreciação da injunção de pagamento europeia nos termos do artigo 20.°, n.° 2, do Regulamento n.° 1896/2006, o facto de essa injunção se basear nas informações contidas no formulário de requerimento que se tenham revelado falsas ou incorretas num momento efetivamente posterior, após o termo do prazo para deduzir oposição, mesmo que dessas informações dependa a competência do tribunal, em especial, quando o requerente não tenha indicado um eventual pacto atributivo de jurisdição convencionado entre as partes.
35. Por conseguinte, considero que se deve responder à questão prejudicial submetida pelo Handelsgericht Wien que, nas circunstâncias do presente processo, o artigo 20.°, n.° 2, do Regulamento n.° 1896/2006, conjugado com o seu considerando 25, deve ser interpretado no sentido de que não se pode falar de «circunstâncias excecionais», que permitem ao requerido validamente notificado de uma injunção de pagamento europeia apresentar um pedido de reapreciação, pelo tribunal, da injunção de pagamento europeia, o mero facto de essa injunção ter sido emitida com base em informações falsas ou incorretas constantes do formulário de requerimento, mesmo que dessas informações dependa a competência do tribunal, em especial quando o requerente não tenha indicado um eventual pacto atributivo de jurisdição convencionado entre as partes, salvaguardando‑se sempre a possibilidade de o devedor poder provar perante o tribunal nacional que só num momento efetivamente posterior ao termo do prazo para deduzir oposição, fixado no artigo 16.°, n.° 2, do referido regulamento, teve ou podia ter tido conhecimento da falsidade ou incorreção das informações constantes do formulário de requerimento.
V – Conclusão
36. Tendo em conta as considerações anteriores, proponho ao Tribunal de Justiça que responda do seguinte modo ao Handelsgericht Wien:
«O artigo 20.°, n.° 2, do Regulamento (CE) n.° 1896/2006 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 12 de dezembro de 2006, que cria um procedimento europeu de injunção de pagamento, conjugado com o seu considerando 25, deve ser interpretado, nas circunstâncias do presente processo, no sentido de que de que não se pode falar de «circunstâncias excecionais», que permitem ao requerido validamente notificado de uma injunção de pagamento europeia apresentar um pedido de reapreciação, pelo tribunal, da injunção de pagamento europeia, o mero facto de essa injunção ter sido emitida com base em informações falsas ou incorretas constantes do formulário de requerimento, mesmo que dessas informações dependa a competência do tribunal, em especial quando o requerente não tenha indicado um eventual pacto atributivo de jurisdição convencionado entre as partes, salvaguardando‑se sempre a possibilidade de o devedor poder provar perante o tribunal nacional que só num momento efetivamente posterior ao termo do prazo para deduzir oposição, fixado no artigo 16.°, n.° 2, do referido regulamento, teve ou podia ter tido conhecimento da falsidade ou incorreção das informações constantes do formulário de requerimento».
1 – Língua original: espanhol.
2 – Regulamento (CE) do Parlamento Europeu e do Conselho, de 12 de dezembro de 2006, que cria um procedimento europeu de injunção de pagamento (JO L 399, p. 1). No despacho Novontech‑Zala, C‑324/12, EU:C:2013:205, o Tribunal de Justiça já declarou que a inobservância do prazo para apresentar a declaração de oposição a uma injunção de pagamento europeia, devida ao comportamento negligente do mandatário do requerido, não justifica uma reapreciação dessa injunção de pagamento, não resultando essa inobservância de circunstâncias excecionais na aceção do artigo 20.°, n.° 2, do Regulamento n.° 1896/2006. No acórdão eco cosmetics e Raiffeisenbank St. Georgen, C‑119/13 e C‑120/13, EU:C:2014:2144, o Tribunal de Justiça declarou que o procedimento do artigo 20.° do referido regulamento não é aplicável quando se verifique que uma injunção de pagamento europeia não foi citada ou notificada em conformidade com os requisitos mínimos estabelecidos nos artigos 13.° a 15.° desse regulamento.
3 – Regulamento (UE) do Parlamento Europeu e do Conselho, de 12 de dezembro de 2012, relativo à competência judiciária, ao reconhecimento e à execução de decisões em matéria civil e comercial (JO L 351, p. 1).
4 – Na sua opinião, não parece que tal ocorra no presente processo, em que a Thurner Hotel justificou a competência judiciária internacional do Bezirksgericht für Handelssachen Wien no lugar de cumprimento das obrigações contratuais em conformidade com o artigo 5.° do Regulamento n.° 44/2001.
5 – C‑324/12, EU:C:2013:205, n.° 21.
6 – Na redação da segunda questão prejudicial o Handelsgericht Wien refere‑se ao «vigésimo quinto considerando da Comunicação da Comissão Europeia 2004/0055, de 7 de fevereiro de [2006]». Entendo que se está a fazer referência à Proposta alterada de Regulamento do Parlamento Europeu e do Conselho, de 7 de fevereiro de 2006, que cria um procedimento europeu de injunção de pagamento [COM (2006) 57 final], que introduziu no texto o considerando 25 do regulamento atualmente em vigor.
7 – Em princípio, a dedução de oposição tem como consequência, segundo o artigo 17.°, n.° 1, do Regulamento n.° 1896/2006, que a ação prossiga nos tribunais competentes do Estado‑Membro de origem, de acordo com as normas do processo civil comum. No âmbito desse procedimento pode discutir‑se, por exemplo, a questão da competência judiciária internacional, designadamente, no que respeita ao presente processo, a validade e os efeitos de um pacto atributivo de jurisdição convencionado entre as partes.
8 – Mais, o artigo 8.° do Regulamento n.° 1896/2006 admite inclusivamente que essa análise possa assumir a forma de um procedimento automatizado.
9 – Concretamente, o artigo 6.°, n.° 1, do Regulamento n.° 1896/2006 dispõe, no que interessa para o presente processo (no qual não se encontra implicado nenhum consumidor), que «para efeitos da aplicação do presente regulamento, a competência judiciária é determinada em conformidade com as regras do direito comunitário aplicáveis na matéria, designadamente o Regulamento (CE) n.° 44/2001». O Regulamento (CE) n.° 44/2001, do Conselho, de 22 de dezembro de 2000, relativo à competência judiciária, ao reconhecimento e à execução de decisões em matéria civil e comercial (JO 2001, L 12, p. 1), foi substituído a partir de 10 de janeiro de 2015, pelo Regulamento n.° 1215/2012, que não era aplicável no momento em que ocorreram os factos do presente processo.
10 – Segundo Kormann, «só é possível efetuar uma análise de verosimilhança através da comparação com os dados relativos a crédito principal» (J. M. Kormann, Das neue Europäische Mahnverfahren im Vergleich zu den Mahnverfahren in Deutschland und Österreich. Jena: Jenaer Wissenschaftliche Verlagsgesellschaft, 2007, p. 96).
11 – Deve‑se ter em conta que, segundo o artigo 7.°, n.° 2, alínea e), do Regulamento n.° 1896/2006, nesta fase, o requerente da injunção de pagamento europeia só tem de juntar, uma descrição das provas que sustentam o pedido, pelo que é mais do que provável que, ao efetuar a análise a que alude o referido artigo 8.°, o tribunal ao qual é apresentado o requerimento nem sequer disponha do contrato celebrado entre as partes.
12 – O artigo 24.° do referido Regulamento admite que, embora tenha sido convencionado entre as partes um pacto atributivo de jurisdição, o requerente pode intentar a ação num tribunal diferente do convencionado e o requerido aceitar tacitamente a competência desse tribunal comparecendo perante ele, o que deixaria validamente sem efeito o pacto atributivo de jurisdição que eventualmente tivessem acordado (salvo nos casos de competência exclusiva nos termos do artigo 22.° do Regulamento n.° 44/2001). Neste sentido o Tribunal de Justiça já declarou, precisamente quanto ao procedimento europeu de injunção de pagamento, que «uma oposição à injunção de pagamento europeia que não contenha uma contestação da competência do tribunal do Estado‑Membro de origem não pode ser considerada como uma comparência na aceção do artigo 24.° do Regulamento (CE) n.° 44/2001», mesmo no caso de o requerido ter formulado, na oposição deduzida, alegações sobre o mérito da causa (acórdão Goldbet Sportwetten, C‑144/12, EU:C:2013:393). V. também, de forma geral, sobre o referido artigo 24.°, o acórdão Cartier parfums‑lunettes e Axa Corporate Solutions assurances, C‑1/13, EU:C:2014:109, n.os 34 e segs.
13 – Tendo em conta, além do mais, que a Thurner Hotel contesta a existência do pacto atributivo de jurisdição a que a Thomas Cook se refere (v. os n.os 2 e 3 das observações da Thurner Hotel).
14 – JO 1972, L 299, p. 32; EE 01 F1 p. 186 conforme alterada pelas posteriores Convenções relativas à adesão dos novos Estados‑Membros a essa convenção.
15 – Acórdão Elefanten Schuh, 150/80, EU:C:1981:148, n.° 10. V. também o acórdão ČPP Vienna Insurance Group, C‑111/09, EU:C:2010:290, n.os 21 e segs. Neste ponto deve também recordar‑se que o artigo 35.°, n.° 1, do Regulamento n.° 44/2001 não impede que seja reconhecida uma decisão se tiver sido desrespeitado um pacto atributivo de jurisdição convencionado nos termos do artigo 23.° do mesmo. Só impede que sejam reconhecidas as decisões proferidas desrespeitando o disposto nas secções 3 (competência em matéria de seguros), 4 (competência em matéria de contratos celebrados por consumidores) e 6 (competências exclusivas) do capítulo II do referido Regulamento, ou no caso previsto no seu artigo 72.°
16 – V., a este respeito, P. Mankowski, «Artikel 23 Brüssel I‑VO», em T. Rauscher (ed.): Europäisches Zivilprozess‑ und Kollisionsrecht‑ EuZPR / EuIPR. Múnich: Sellier, 2006, pp. 411 e segs., nomeadamente os n.os 16 e segs.