Processo C‑12/15
Universal Music International Holding BV
contra
Michael Tétreault Schilling,
Irwin Schwartz,
Josef Brož
[pedido de decisão prejudicial apresentado pelo Hoge Raad der Nederlanden (Tribunal Supremo dos Países Baixos)]
«Reenvio prejudicial – Cooperação judiciária em matéria civil – Regulamento (CE) n.° 44/2001 – Competências especiais – Artigo 5.°, n.° 3 – Matéria extracontratual – Facto danoso – Negligência do advogado ao redigir o contrato – Lugar onde ocorreu o facto danoso»
Sumário do acórdão
1) O artigo 5.°, n.° 3, do Regulamento (CE) n.° 44/2001 do Conselho, de 22 de dezembro de 2000, relativo à competência judiciária, ao reconhecimento e à execução de decisões em matéria civil e comercial, deve ser interpretado no sentido de que, numa situação como a que está em causa no processo principal, na falta de outros elementos de conexão, não se pode considerar que o «lugar onde ocorreu o facto danoso» é o lugar, situado num Estado‑Membro, onde ocorreu o prejuízo, quando esse prejuízo é exclusivamente constituído por uma perda financeira que se materializa diretamente na conta bancária do demandante e que é consequência direta de um ato ilícito ocorrido noutro Estado‑Membro.
2) No âmbito da verificação da competência no termos do Regulamento n.° 44/2001, o órgão jurisdicional chamado a conhecer de um litígio deve apreciar todos os elementos de que dispõe, incluindo, se for caso disso, as objeções apresentadas pelo demandado.
ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Segunda Secção)
16 de junho de 2016 (*)
«Reenvio prejudicial – Cooperação judiciária em matéria civil – Regulamento (CE) n.° 44/2001 – Competências especiais – Artigo 5.°, n.° 3 – Matéria extracontratual – Facto danoso – Negligência do advogado ao redigir o contrato – Lugar onde ocorreu o facto danoso»
No processo C‑12/15,
que tem por objeto um pedido de decisão prejudicial apresentado, nos termos do artigo 267.° TFUE, pelo Hoge Raad der Nederlanden (Tribunal Supremo dos Países Baixos), por decisão de 9 de janeiro de 2015, que deu entrada no Tribunal de Justiça em 14 de janeiro de 2015, no processo
Universal Music International Holding BV
contra
Michael Tétreault Schilling,
Irwin Schwartz,
Josef Brož,
O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Segunda Secção),
composto por: M. Ilešič, presidente de secção, C. Toader (relatora), A. Rosas, A. Prechal e E. Jarašiūnas, juízes,
advogado‑geral: M. Szpunar,
secretário: M. Ferreira, administradora principal,
vistos os autos e após a audiência de 25 de novembro de 2015,
vistas as observações apresentadas:
– em representação da Universal Music International Holding BV, por C. Kroes e S. Janssen, advocaten,
– em representação de Michael Tétreault Schilling, por A. Knigge, P. A. Fruytier e L. Parret, advocaten,
– em representação de Josef Brož, por F. Vermeulen e B. Schim, advocaten,
– em representação do Governo grego, por A. Dimitrakopoulou, S. Lekkou e S. Papaïoannou, na qualidade de agentes,
– em representação da Comissão Europeia, por M. Wilderspin e G. Wils, na qualidade de agentes,
ouvidas as conclusões do advogado‑geral na audiência de 10 de março de 2016,
profere o presente
Acórdão
1 O pedido de decisão prejudicial tem por objeto a interpretação do artigo 5.°, n.° 3, do Regulamento (CE) n.° 44/2001 do Conselho, de 22 de dezembro de 2000, relativo à competência judiciária, ao reconhecimento e à execução de decisões em matéria civil e comercial (JO 2001, L 12, p. 1).
2 Este pedido foi apresentado no âmbito de um litígio entre a Universal Music International Holding BV (a seguir «Universal Music»), com sede nos Países Baixos, e Michael Schilling, Irwin Schwartz e Josef Brož, os três advogados, com domicílio, respetivamente, na Roménia, no Canadá e na República Checa, a propósito da negligência da parte de J. Brož ao redigir, na República Checa, um contrato de aquisição de ações.
Quadro jurídico
Convenção de Bruxelas
3 O artigo 5.° da Convenção de 27 de setembro de 1968 relativa à Competência Jurisdicional e à Execução de Decisões em Matéria Civil e Comercial (JO 1972, L 299, p. 32; EE F1 01 p. 186), conforme alterada pelas sucessivas Convenções relativas à adesão de novos Estados‑Membros a esta Convenção (a seguir «Convenção de Bruxelas»), tem a seguinte redação:
«O réu com domicílio no território de um Estado contratante pode ser demandado num outro Estado contratante:
[…]3) Em matéria extracontratual, perante o tribunal do lugar onde ocorreu o facto danoso.
[…]»Regulamento n.° 44/2001
4 Os considerandos 11, 12, 15 e 19 do Regulamento n.° 44/2001 enunciam:
«(11) As regras de competência devem apresentar um elevado grau de certeza jurídica e devem articular‑se em torno do princípio de que em geral a competência tem por base o domicílio do requerido e que tal competência deve estar sempre disponível, exceto em alguns casos bem determinados em que a matéria em litígio ou a autonomia das partes justificam outro critério de conexão. No respeitante às pessoas coletivas, o domicílio deve ser definido de forma autónoma, de modo a aumentar a transparência das regras comuns e evitar os conflitos de jurisdição.
(12) O foro do domicílio do requerido deve ser completado pelos foros alternativos permitidos em razão do vínculo estreito entre a jurisdição e o litígio ou com vista a facilitar uma boa administração da justiça.
[…](15) O funcionamento harmonioso da justiça a nível comunitário obriga a minimizar a possibilidade de instaurar processos concorrentes e a evitar que sejam proferidas decisões inconciliáveis em dois Estados‑Membros competentes.
[…](19) Para assegurar a continuidade entre a Convenção de Bruxelas e o presente regulamento, há que prever disposições transitórias. A mesma continuidade deve ser assegurada no que diz respeito à interpretação das disposições da Convenção de Bruxelas pelo Tribunal de Justiça [da União Europeia] e o Protocolo [de 3 de junho de 1971 relativo ao trabalho de interpretação da Convenção de Bruxelas pelo Tribunal de Justiça] também deve continuar a aplicar‑se aos processos já pendentes à data em que o regulamento entra em vigor.»
5 O artigo 2.°, n.° 1, deste regulamento, que atribui uma competência geral aos tribunais do Estado do domicílio do demandado, tem a seguinte redação:
«Sem prejuízo do disposto no presente regulamento, as pessoas domiciliadas no território de um Estado‑Membro devem ser demandadas, independentemente da sua nacionalidade, perante os tribunais desse Estado.»
6 O artigo 5.° do mesmo regulamento prevê:
«Uma pessoa com domicilio no território de um Estado‑Membro pode ser demandada noutro Estado‑Membro:
[…]3) Em matéria extracontratual, perante o tribunal do lugar onde ocorreu ou poderá ocorrer o facto danoso;
[…]»Litígio no processo principal e questões prejudiciais
7 A Universal Music é uma empresa discográfica que faz parte do Universal Music Group. A Universal Music International Ltd é uma filial da Universal Music, que pertence ao mesmo grupo.
8 Durante o ano de 1998, a Universal Music International Ltd acordou com parceiros checos, designadamente a empresa discográfica B&M spol. s r. o. e os seus acionistas, que uma ou várias sociedades a designar no Universal Music Group comprariam 70% das ações da B&M. As partes acordaram igualmente que, durante o ano de 2003, o adquirente compraria as restantes ações, devendo o preço ser fixado no momento desta última compra. Um adiantamento do preço de venda já tinha sido pago. O acordo e os pontos principais deste projeto de transação foram registados num memorando de acordo que fixava como objetivo de preço de venda o quíntuplo do lucro médio anual da B&M.
9 As partes acordaram, posteriormente, um contato de venda e de entrega de 70% das ações da B&M, bem como um contrato de opção de compra dos restantes 30% das ações (a seguir «opção de compra de ações»).
10 A pedido do Serviço Jurídico do Universal Music Group, o contrato de opção de compra das restantes ações foi elaborado pelo escritório de advogados checo Burns Schwartz International. Foram trocadas várias versões deste contrato entre este escritório, o Serviço Jurídico do Universal Music Group e os acionistas da B&M.
11 Durante estas negociações, a Universal Music foi designada como adquirente nos termos do contrato de opção de compra de ações. Este foi assinado em 5 de novembro de 1998 pela Universal Music, pela B&M e pelos seus acionistas.
12 Segundo o órgão jurisdicional de reenvio, resulta desse contrato que uma alteração proposta pelo Serviço Jurídico do Universal Music Group não foi integralmente seguida por J. Brož, colaborador do escritório de advogados Burns Schwartz International, o que levou a que o preço de venda fosse quintuplicado relativamente ao preço de venda inicialmente previsto, preço de venda esse que devia posteriormente ser ainda multiplicado pelo número de acionistas.
13 Durante o mês de agosto de 2003, a Universal Music, para cumprir a sua obrigação contratual de comprar as restantes ações, calculou o preço destas últimas segundo a fórmula que tinha previsto e chegou a um montante de 10 180 281 coroas checas (CZK) (cerca de 313 770 euros). Invocando a modalidade de cálculo prevista no contrato, os acionistas da B&M reclamaram um montante de 1 003 605 620 CZK (cerca de 30 932 520 euros).
14 O litígio foi apresentado a uma comissão de arbitragem na República Checa, tendo as partes acordado numa transação em 31 de janeiro de 2005. Em execução desta, a Universal Music pagou o montante de 2 654 280,03 euros (a seguir «montante da transação») pelos restantes 30% das ações por transferência a partir de uma conta bancária de que era titular nos Países Baixos. A transferência foi efetuada para uma conta que os acionistas das ações da B&M tinham na República Checa.
15 A Universal Music interpôs recurso no rechtbank Utrecht (Tribunal de Utrecht, Países Baixos), nos termos do artigo 5.°, n.° 3, do Regulamento n.° 44/2001, destinado a condenar solidariamente M. T. Schilling e I. Schwartz, a título de antigos colaboradores do escritório de advogados Burns Schwartz International, bem como J. Brož no pagamento de 2 767 861,25 euros, acrescidos de juros e das despesas, prejuízo que alega ter sofrido na sequência da negligência por parte deste último ao redigir o texto do contrato de opção de compra de ações. O prejuízo foi materializado pela diferença, resultante dessa negligência, entre o preço de venda inicialmente previsto e o montante da transação assim como pelas despesas da Universal Music no âmbito do processo de arbitragem.
16 Em apoio do seu recurso, a Universal Musical alegou que sofreu o prejuízo em Baarn (Países Baixos), onde tinha a sua sede.
17 Por decisão de 27 de maio de 2009, o rechtbank Utrecht (Tribunal de Utrecht) declarou‑se incompetente para conhecer do litígio que lhe foi submetido por o lugar do prejuízo alegado pela Universal Music, que qualificou de «prejuízo puramente patrimonial direto» ocorrido em Baarn, não poder ser considerado o lugar do «facto danoso», na aceção do artigo 5.°, n.° 3, do Regulamento n.° 44/2001, devido à falta de elementos de conexão suficientes que permitissem determinar a competência do juiz neerlandês.
18 A Universal Music interpôs recurso para o Gerechtshof Arnhem‑Leeuwarden (Tribunal de Recurso de Arnhem‑Leeuwarden, Países Baixos), que, por acórdão de 15 de janeiro de 2013, confirmou a decisão proferida em primeira instância. Esse órgão jurisdicional considerou que, no caso vertente, faltava o elemento de conexão particularmente estreito entre o pedido e o órgão jurisdicional chamado a decidir, que constitui um critério para a aplicação do artigo 5.°, n.° 3, do Regulamento n.° 44/2001. Por conseguinte, o simples facto de o montante resultante da transação ter sido pago por uma sociedade com sede nos Países Baixos não basta para justificar a competência internacional do juiz neerlandês.
19 A Universal Musical recorreu em cassação do acórdão do Gerechtshof Arnhem‑Leeuwarden (Tribunal de Recurso de Arnhem‑Leeuwarden) no órgão jurisdicional de reenvio. M. T. Schilling e J. Brož interpuseram, cada um separadamente, recurso subordinado.
20 Nestas condições, o Hoge Raad der Nederlanden (Tribunal Supremo dos Países Baixos) decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça as seguintes questões prejudiciais:
«1) Deve o artigo 5.°, […] n.° 3, do Regulamento [n.° 44/2001] ser interpretado no sentido de que se pode considerar que o ‘lugar onde ocorreu o facto danoso’ é o lugar, situado num Estado‑Membro, onde ocorreu o prejuízo, quando esse prejuízo é exclusivamente constituído por um prejuízo patrimonial que é consequência direta de um comportamento ilícito ocorrido noutro Estado‑Membro?
2) Em caso de resposta afirmativa à primeira questão:
a) Que critério ou que pontos de vista deve o órgão jurisdicional nacional utilizar, na apreciação da sua competência nos termos do artigo 5.°, […] n.° 3, do Regulamento [n.° 44/2001], para determinar se, no caso vertente, está em causa um prejuízo patrimonial que é consequência direta de um comportamento ilícito (‘prejuízo patrimonial inicial’ ou ‘prejuízo patrimonial direto’), ou um prejuízo patrimonial que é consequência de um prejuízo inicial ocorrido noutro lugar, ou é um prejuízo que decorre de um prejuízo ocorrido noutro lugar (‘prejuízo consequencial’ ou ‘prejuízo patrimonial derivado’)?
b) Que critério ou que pontos de vista deve o órgão jurisdicional nacional utilizar, na apreciação da sua competência nos termos do artigo 5.°, […] n.° 3, do Regulamento [n.° 44/2001], para determinar, no caso vertente, onde ocorreu ou se considera ter ocorrido o prejuízo patrimonial — direto ou derivado?
3) Em caso de resposta afirmativa à primeira questão, deve o Regulamento [n.° 44/2001] ser interpretado no sentido de que o órgão jurisdicional nacional, que deve apreciar se, no caso vertente, é competente por força do Regulamento [44/2001], está obrigado, na sua apreciação, a partir das afirmações relevantes a esse respeito do demandante ou do requerente, ou no sentido de que esse órgão jurisdicional está igualmente obrigado a tomar em consideração o que o demandado alega para contestar essas afirmações?»
Quanto às questões prejudiciais
Quanto à primeira questão
21 Com a sua primeira questão, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, se o artigo 5.°, n.° 3, do Regulamento n.° 44/2001 deve ser interpretado no sentido de que, numa situação como a que está em causa no processo principal, se pode considerar que o «lugar onde ocorreu o facto danoso» é o lugar, situado num Estado‑Membro, onde ocorreu o prejuízo, quando esse prejuízo é exclusivamente constituído por uma perda financeira que é consequência direta de um ato ilícito ocorrido noutro Estado‑Membro.
22 Para responder a esta questão, há que recordar que, na medida em que o Regulamento n.° 44/2001 substitui a Convenção de Bruxelas, a interpretação fornecida pelo Tribunal de Justiça no que respeita às disposições desta Convenção é igualmente válida para as do referido regulamento, quando as disposições desses instrumentos comunitários possam ser qualificadas de equivalentes (acórdãos de 16 de julho de 2009, Zuid‑Chemie, C‑189/08, EU:C:2009:475, n.° 18, e de 10 setembro de 2015, Holterman Ferho Exploitatie e o., C‑47/14, EU:C:2015:574, n.° 38).
23 Há que observar que as disposições do Regulamento n.° 44/2001 pertinentes no presente processo estão redigidas em termos quase idênticos aos da Convenção de Bruxelas. Perante tal equivalência, importa assegurar, em conformidade com o considerando 19 do Regulamento n.° 44/2001, a continuidade na interpretação destes dois instrumentos (acórdão de 16 de julho de 2009, Zuid‑Chemie, C‑189/08, EU:C:2009:475, n.° 19).
24 Segundo a jurisprudência do Tribunal de Justiça, o conceito de «matéria extracontratual», na aceção do artigo 5.°, n.° 3, do Regulamento n.° 44/2001, abrange qualquer pedido destinado a pôr em causa a responsabilidade de um demandado e que não esteja relacionado com a «matéria contratual», na aceção do artigo 5.°, n.° 1, alínea a), desse regulamento (acórdão de 28 de janeiro de 2015, Kolassa, C‑375/13, EU:C:2015:37, n.° 44). A este respeito, na falta de elementos na decisão de reenvio destinados a indicar a existência de uma relação contratual entre as partes no processo principal, o que cabe, porém, ao órgão jurisdicional de reenvio verificar, o Tribunal de Justiça deve limitar a sua análise ao artigo 5.°, n.° 3, do Regulamento n.° 44/2001, a que respeitam as questões submetidas pelo órgão jurisdicional de reenvio.
25 Como recordou o advogado‑geral no n.° 27 das suas conclusões, só em derrogação à regra geral enunciada no artigo 2.°, n.° 1, do Regulamento n.° 44/2001, que atribui a competência aos tribunais do Estado‑Membro no território do qual o demandado está domiciliado, é que o capítulo II, secção 2, deste regulamento prevê um certo número de atribuições de competências especiais, entre as quais figura a do artigo 5.°, n.° 3, do referido regulamento. Na medida em que a competência dos tribunais do lugar onde ocorreu o facto danoso constitui uma regra de competência especial, deve ser interpretada de maneira autónoma e estrita, o que não permite uma interpretação que vá além dos casos expressamente previstos no referido regulamento (v., neste sentido, acórdãos de 5 de junho de 2014, Coty Germany, C‑360/12, EU:C:2014:1318, n.os 43 a 45, e de 10 de setembro de 2015, Holterman Ferho Exploitatie e o., C‑47/14, EU:C:2015:574, n.° 72 e jurisprudência referida).
26 Segundo jurisprudência constante, a regra de competência especial prevista no artigo 5.°, n.° 3, do referido regulamento baseia‑se na existência de um elemento de conexão particularmente estreito entre o litígio e o tribunal do lugar onde ocorreu o facto danoso, que justifica uma atribuição de competência a esse tribunal por razões de boa administração da justiça e de organização útil do processo (acórdãos de 5 de junho de 2014, Coty Germany, C‑360/12, EU:C:2014:1318, n.° 47, e de 10 de setembro de 2015, Holterman Ferho Exploitatie e o., C‑47/14, EU:C:2015:574, n.° 73 e jurisprudência referida).
27 Em matéria extracontratual, o tribunal do lugar onde ocorreu ou poderá ocorrer o facto danoso é normalmente o mais apto para decidir, nomeadamente, por razões de proximidade do litígio e de facilidade na recolha das provas (acórdãos de 21 de maio de 2015, CDC Hydrogen Peroxide, C‑352/13, EU:C:2015:335, n.° 40, e de 10 de setembro de 2015, Holterman Ferho Exploitatie e o., C‑47/14, EU:C:2015:574, n.° 74).
28 Relativamente ao conceito de «lugar onde oncorreu o facto danoso», que figura no artigo 5.°, n.° 3, do Regulamento n.° 44/2001, como o Tribunal de Justiça já declarou, estes termos referem‑se simultaneamente ao lugar da materialização do dano e ao lugar do evento causal que está na origem desse dano, de modo que o requerido pode ser demandado, à escolha do requerente, perante o tribunal de um ou outro destes lugares (v., em matéria de poluição, acórdão de 30 de novembro de 1976, Bier, 21/76, EU:C:1976:166, n.os 24 e 25; em matéria de contrafação, acórdão de 5 de junho de 2014, Coty Germany, C‑360/12, EU:C:2014:1318, n.° 46; e, em matéria de contrato de administrador de uma sociedade, acórdão de 10 de setembro de 2015, Holterman Ferho Exploitatie e o., C‑47/14, EU:C:2015:574, n.° 72).
29 Embora, para as partes no processo principal, seja claro que a República Checa é o lugar onde ocorreu o evento causal, há desacordo no que respeita à determinação do lugar onde o dano ocorreu.
30 Com efeito, resulta do pedido de decisão prejudicial que o contrato celebrado em 5 de novembro de 1998 entre a B&M e os seus acionistas, por um lado, e a Universal Music, por outro, foi negociado e assinado na República Checa. Foi nesse Estado‑Membro que foram definidos os direitos e as obrigações das partes, incluindo a obrigação de a Universal Music pagar um montante mais elevado do que o inicialmente previsto para os restantes 30% das ações. Esta obrigação contratual, que as partes no contrato não tinham a intenção de criar, nasceu na República Checa.
31 O prejuízo para a Universal Music resultante da diferença entre o preço de venda previsto e o referido nesse contrato foi determinado no momento da transação que as partes acordaram na comissão de arbitragem, na República Checa, em 31 de janeiro de 2005, data em que o preço de venda efetivo foi determinado. Por conseguinte, a obrigação de pagamento onerou irreversivelmente o património da Universal Music.
32 Consequentemente, a perda de elementos do património teve lugar na República Checa, uma vez que foi onde o dano ocorreu. A mera circunstância de, em execução da transação que tinha concluído na comissão de arbitragem, na República Checa, a Universal Music ter pagado o montante da transação por transferência a partir de uma conta bancária de que era titular nos Países Baixos não é suscetível de infirmar esta conclusão.
33 A solução que resulta das considerações feitas nos n.os 30 a 32 do presente acórdão responde às exigências de previsibilidade e de certeza impostas pelo Regulamento n.° 44/2001, uma vez que a atribuição da competência aos órgãos jurisdicionais checos se justifica por razões de boa administração da justiça e de organização útil do processo.
34 Neste contexto, há que recordar que a expressão «lugar onde ocorreu o facto danoso» não pode ser interpretada de modo extensivo ao ponto de englobar todo e qualquer lugar onde possam ser sentidas as consequências danosas de um facto que causou já um prejuízo efetivamente ocorrido noutro lugar (acórdão de 19 de setembro de 1995, Marinari, C‑364/93, EU:C:1995:289, n.° 14).
35 Na sequência desta jurisprudência, o Tribunal de Justiça precisou igualmente que a referida expressão não se refere ao lugar do domicílio do requerente, no qual se localiza o centro do seu património, pelo simples motivo de aí ter sofrido um prejuízo financeiro resultante da perda de elementos do seu património ocorrida e sofrida noutro Estado‑Membro (acórdão de 10 de junho de 2004, Kronhofer, C‑168/02, EU:C:2004:364, n.° 21).
36 Na verdade, no processo que deu origem ao acórdão de 28 de janeiro de 2015, Kolassa (C‑375/13, EU:C:2015:37), o Tribunal de Justiça considerou, no n.° 55 da sua argumentação, a competência dos tribunais do domicílio do demandante, a título da materialização do dano, quando este ocorre diretamente na conta bancária deste demandante num banco estabelecido na área de competência territorial desses órgãos jurisdicionais.
37 No entanto, como observou o advogado‑geral, em substância, nos n.os 44 e 45 das suas conclusões no presente processo, esta consideração inscreve‑se no contexto particular do processo que deu origem ao referido acórdão, que se caracterizava pela existência de circunstâncias concorrentes na atribuição da competência aos referidos tribunais.
38 Por conseguinte, um prejuízo puramente financeiro que se materializa diretamente na conta bancária no demandante não pode, por si só, ser qualificado de «elemento de conexão pertinente», nos termos do artigo 5.°, n.° 3, do Regulamento n.° 44/2001. A este respeito, há igualmente que observar que não é de excluir que uma sociedade como a Universal Music tenha tido a escolha entre várias contas bancárias a partir das quais poderia ter pagado o montante da transação, de maneira que o lugar onde essa conta está situada não constitui necessariamente um critério de conexão fiável.
39 É unicamente numa situação em que as outras circunstâncias particulares do processo concorrem igualmente para atribuir a competência ao tribunal do lugar da materialização de um prejuízo puramente financeiro que esse prejuízo pode, de maneira justificada, permitir ao demandante intentar a ação nesse tribunal.
40 Tendo em conta as considerações precedentes, há que responder à primeira questão que o artigo 5.°, n.° 3, do Regulamento n.° 44/2001 deve ser interpretado no sentido de que, numa situação como a que está em causa no processo principal, na falta de outros elementos de conexão, não se pode considerar que o «lugar onde ocorreu o facto danoso» é o lugar, situado num Estado‑Membro, onde ocorreu o prejuízo, quando esse prejuízo é exclusivamente constituído por uma perda financeira que se materializa diretamente na conta bancária do demandante e que é a consequência direta de um ato ilícito ocorrido noutro Estado‑Membro.
41 Tendo em conta a resposta dada à primeira questão, não há que responder à segunda questão submetida.
Quanto à terceira questão
42 Com a sua terceira questão, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, se, no âmbito da verificação da competência nos termos do Regulamento n.° 44/2001, o órgão jurisdicional chamado a conhecer de um litígio deve apreciar todos os elementos de que dispõe, incluindo, se for caso disso, as objeções apresentadas pelo demandado.
43 Como observou o advogado‑geral no n.° 52 das suas conclusões, apesar de o órgão jurisdicional de reenvio submeter esta questão apenas em caso de resposta afirmativa à primeira questão, há interesse em responder, dado que esta questão se refere à apreciação geral da competência e não apenas à questão de saber se um prejuízo patrimonial é suficiente para determinar a competência.
44 Tratando‑se especificamente do artigo 5.°, n.° 3, do Regulamento n.° 44/2001, o Tribunal de Justiça esclareceu que, na fase da verificação da competência internacional, o órgão jurisdicional onde foi intentada a ação não aprecia a admissibilidade nem a procedência da ação segundo as regras do direito nacional, mas identifica unicamente os elementos de conexão com o Estado do foro que justificam a sua competência por força desta disposição. Assim, esse órgão jurisdicional pode considerar assentes, meramente para efeitos de verificação da sua competência nos termos desta disposição, as alegações pertinentes do demandante quanto aos requisitos da responsabilidade extracontratual (v., neste sentido, acórdãos de 25 de outubro de 2012, Folien Fischer e Fofitec, C‑133/11, EU:C:2012:664, n.° 50, e de 28 de janeiro de 2015, Kolassa, C‑375/13, EU:C:2015:37, n.° 62 e jurisprudência referida).
45 Ainda que o órgão jurisdicional nacional onde foi intentada a ação não esteja obrigado, em caso de contestação das alegações do demandante por parte do demandado, a proceder a uma produção de prova na fase da determinação da competência, o Tribunal de Justiça considerou que tanto o objetivo da boa administração da justiça, subjacente ao Regulamento n.° 44/2001, como o respeito devido à autonomia do juiz no exercício das suas funções exigem que o órgão jurisdicional onde foi intentada a ação possa apreciar a sua competência internacional à luz de todas as informações de que dispõe, incluindo, se for caso disso, as objeções apresentadas pelo demandado (acórdão de 28 de janeiro de 2015, Kolassa, C‑375/13, EU:C:2015:37, n.° 64).
46 Tendo em conta as considerações precedentes, há que responder à terceira questão submetida que, no âmbito da verificação da competência nos termos do Regulamento n.° 44/2001, o órgão jurisdicional chamado a conhecer de um litígio deve apreciar todos os documentos de que dispõe, incluindo, se for caso disso, as objeções apresentadas pelo demandado.
Quanto às despesas
47 Revestindo o processo, quanto às partes na causa principal, a natureza de incidente suscitado perante o órgão jurisdicional de reenvio, compete a este decidir quanto às despesas. As despesas efetuadas pelas outras partes para a apresentação de observações ao Tribunal de Justiça não são reembolsáveis.
Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Segunda Secção) declara:
1) O artigo 5.°, n.° 3, do Regulamento (CE) n.° 44/2001 do Conselho, de 22 de dezembro de 2000, relativo à competência judiciária, ao reconhecimento e à execução de decisões em matéria civil e comercial, deve ser interpretado no sentido de que, numa situação como a que está em causa no processo principal, na falta de outros elementos de conexão, não se pode considerar que o «lugar onde ocorreu o facto danoso» é o lugar, situado num Estado‑Membro, onde ocorreu o prejuízo, quando esse prejuízo é exclusivamente constituído por uma perda financeira que se materializa diretamente na conta bancária do demandante e que é consequência direta de um ato ilícito ocorrido noutro Estado‑Membro.
2) No âmbito da verificação da competência no termos do Regulamento n.° 44/2001, o órgão jurisdicional chamado a conhecer de um litígio deve apreciar todos os elementos de que dispõe, incluindo, se for caso disso, as objeções apresentadas pelo demandado.
Assinaturas
* Língua do processo: neerlandês.
MACIEJ SZPUNAR
apresentadas em 10 de março de 2016 (1)
Processo C‑12/15
Universal Music International Holding BV
contra
Michael Tétreault Schilling,
Irwin Schwartz,
Josef Brož
[pedido de decisão prejudicial apresentado pelo Hoge Raad der Nederlanden (Países Baixos)]
«Espaço de liberdade, segurança e justiça – Cooperação judiciária em matéria civil e comercial – Regulamento (CE) n.° 44/2001 – Artigo 5.°, ponto 3 – Matéria extracontratual – Lugar de ocorrência do facto danoso – Prejuízo puramente patrimonial»
I – Introdução
1. Como é sabido, o sistema de atribuição de competência judiciária em matéria civil e comercial, instituído pelo Regulamento (CE) n.° 44/2001 (2), assenta na regra geral enunciada no artigo 2.°, n.° 1, desse regulamento, nos termos do qual as pessoas domiciliadas no território de um Estado‑Membro devem ser demandadas, independentemente da sua nacionalidade, perante os tribunais desse Estado, sendo que uma das derrogações a essa regra figura no artigo 5.°, ponto 3, do Regulamento n.° 44/2001, em virtude do qual, em matéria extracontratual, uma pessoa com domicílio no território de um Estado‑Membro pode ser demandada noutro Estado‑Membro, perante o tribunal do lugar onde ocorreu o facto danoso.
2. A questão fundamental no presente processo consiste em saber se um dano patrimonial sofrido num Estado‑Membro em consequência de um ato ilícito cometido noutro Estado‑Membro pode, por si só, justificar uma competência judiciária na aceção do artigo 5.°, ponto 3, do Regulamento n.° 44/2001.
II – Quadro jurídico
3. O artigo 2.°, n.° 1, do Regulamento n.° 44/2001 dispõe:
«Sem prejuízo do disposto no presente regulamento, as pessoas domiciliadas no território de um Estado‑Membro devem ser demandadas, independentemente da sua nacionalidade, perante os tribunais desse Estado.»
4. O artigo 5.° do mesmo regulamento prevê que:
«Uma pessoa com domicílio no território de um Estado‑Membro pode ser demandada noutro Estado‑Membro:
[…]3) Em matéria extracontratual, perante o tribunal do lugar onde ocorreu ou poderá ocorrer o facto danoso;
[…]»III – Factos na origem do litígio no processo principal e questões prejudiciais
5. A Universal Music International Holding BV (a seguir «Universal Music») é uma empresa discográfica, estabelecida em Baarn (Países Baixos), que faz parte do Universal Music Group, estabelecido nos Estados Unidos. A Universal Music International Ltd (a seguir «Universal Ltd») é uma filial da Universal Music e faz igualmente parte do Universal Music Group.
6. Em 1998, a Universal Ltd, a B&M spol s.r.o. (a seguir «B&M»), sociedade estabelecida na República Checa, e os acionistas da B&M chegaram a acordo no sentido de que uma ou várias sociedades do designadas para esse fim no seio Universal Music Group adquiririam, numa primeira fase, 70% das ações da B&M e posteriormente, em 2003, as restantes ações. O preço das ações seria fixado em 2003, no momento da aquisição dos restantes 30%. Estas operações ficaram consignadas num memorando de acordo que fixava como objetivo um preço de venda equivalente ao quíntuplo do lucro médio anual da B&M.
7. As partes negociaram a venda e entrega de 70% das ações da B&M e um contrato de opção de compra dos restantes 30% das ações. A pedido do serviço jurídico (Group Legal Department) do Universal Music Group, o contrato de opção de compra de ações foi elaborado pelo escritório de advogados checo Burns Schwartz International. A partir do final de agosto de 1998, o serviço jurídico do Universal Music Group, a Burns Schwartz International e os acionistas da B&M trocaram, entre si, oito projetos de contrato. Durante estas negociações, a Universal Music foi designada como compradora.
8. Em 5 de novembro de 1998, a Universal Music, a B&M e os acionistas desta última celebraram o contrato de opção de compra de ações.
9. Resulta dos autos do processo submetidos ao Tribunal de Justiça que uma alteração proposta pelo serviço jurídico do Universal Music Group não foi integralmente adotada por um colaborador da Burns Schwartz International, o que levou a que o preço de venda fosse quintuplicado relativamente ao preço de venda previsto, preço de venda esse que devia posteriormente ser ainda multiplicado pelo número de acionistas.
10. Quando, em agosto de 2003, a Universal Music cumpriu a sua obrigação de adquirir os restantes 30% das ações aos acionistas da B&M e calculou o preço de venda previsto, no montante de 10 180 281 CZK (cerca de 313 770,41 EUR), os acionistas da B&M reclamaram a importância resultante da fórmula prevista no contrato de opção de compra de ações, que ascendia a 1 003 605 620 CZK (cerca de 30 932 520,27 EUR).
11. A Universal Musical e os acionistas da B&M decidiram submeter o seu diferendo a uma comissão arbitral, perante a qual chegaram a acordo em 31 de janeiro de 2005. Em cumprimento desse acordo de transação, a Universal Musical pagou a importância de 2 654 280,03 EUR pelos restantes 30% das ações (a seguir «montante resultante da transação»). Pagou esse montante por transferência bancária de uma conta de que é titular nos Países Baixos. A transferência foi efetuada para uma conta de que os acionistas das ações da B&M são titulares na República Checa.
12. A Universal Music interpôs recurso para o rechtbank Utrecht, pedindo a condenação solidária dos recorridos no pagamento de 2 767 861,25 EUR, acrescido de juros e despesas em virtude da sua responsabilidade extracontratual. Este pedido corresponde ao prejuízo que a Universal Music alega ter sofrido devido à negligência de um colaborador da Burns Schwartz International ao redigir o texto do contrato de opção de compra de ações. O montante do prejuízo reclamado consiste na diferença entre, por um lado, o preço de venda previsto e, por outro, o montante resultante da transação e as despesas relativas à arbitragem e ao acordo de transação que a Universal Music foi obrigada a efetuar.
13. A Universal Music alegou que, na sequência do ato imputado aos recorridos, sofreu um «prejuízo patrimonial inicial» nos Países Baixos, pelo facto de ter pago o montante resultante da transação e as despesas relativas à arbitragem e ao acordo de transação utilizando o seu património localizado nos Países Baixos, onde está situada a sua sede.
14. M. Schilling e J. Brož, residentes, respetivamente, na Roménia e na República Checa, contestaram a competência do órgão jurisdicional neerlandês, invocando que o pagamento do montante resultante da transação e das despesas suportadas pelo património da Universal Music não pode ser considerado um prejuízo patrimonial inicial sofrido nos Países Baixos em consequência do comportamento ocorrido na República Checa.
15. Por acórdão de 27 de maio de 2009, o rechtbank Utrecht declarou‑se incompetente para conhecer da ação intentada pela Universal Music. Segundo este tribunal, o prejuízo alegado pela Universal Music é um prejuízo puramente patrimonial que é consequência direta do facto danoso. A questão que se coloca é a de saber se o lugar onde este prejuízo se verificou, neste caso, Baarn, na sede da Universal Music, podiaser considerado o lugar onde ocorreu o facto danoso na aceção do artigo 5.°, ponto 3, do Regulamento n.° 44/2001. Na opinião do rechtbank Utrecht, não é esse o caso, porque não existem elementos de conexão suficientes para presumir a competência do juiz neerlandês ao abrigo do artigo 5.°, ponto 3, do referido regulamento.
16. O Gerechtshof Arnhem‑Leeuwarden, chamado a pronunciar‑se em sede de recurso interposto pela Universal Music, confirmou a sentença do tribunal por acórdão de 15 de janeiro de 2013. No que respeita ao artigo 5.°, ponto 3, considerou que, no caso vertente, faltava o elemento de conexão particularmente estreito entre o litígio e o órgão jurisdicional chamado a decidir, que constitui um critério para a aplicação do artigo 5.°, ponto 3, do Regulamento n.° 44/2001. O simples facto de o montante resultante da transação ter sido suportado por uma sociedade com sede nos Países Baixos não basta para justificar a competência do juiz neerlandês.
17. A Universal Music interpôs recurso de cassação do acórdão do Gerechtshof para o Hoge Raad der Nederlanden. M. Schilling e J. Brož interpuseram, separadamente, um recurso subordinado.
18. O órgão jurisdicional de reenvio indica que o Tribunal de Justiça decidiu, no acórdão Marinari (3), que o lugar em que a vítima alega ter sofrido um prejuízo patrimonial consecutivo a um dano inicial ocorrido noutro Estado‑Membro não pode ser considerado o lugar onde ocorreu o facto danoso, nos termos do artigo 5.°, ponto 3, do Regulamento n.° 44/2001.
19. No entanto, o Tribunal de Justiça ainda não indicou que critério ou ponto de vista deve o órgão jurisdicional nacional utilizar para determinar se se trata de um prejuízo patrimonial inicial, também designado «prejuízo patrimonial direto», ou de um prejuízo patrimonial que resulta deste último ou que é consequência dele, também designado prejuízo consequencial ou prejuízo indireto.
20. O Tribunal de Justiça também não indicou o critério ou o ponto de vista com base no qual o órgão jurisdicional nacional devia determinar o lugar em que ocorreu, ou em que se considera que ocorreu, o prejuízo patrimonial direto ou indireto.
21. Na opinião do Hoge Raad der Nederlanden, levanta‑se igualmente a questão de saber se, e em que medida, o juiz nacional chamado a apreciar se é competente, no caso vertente, ao abrigo do Regulamento n.° 44/2001, é obrigado a basear a sua apreciação nas afirmações pertinentes a esse respeito do demandante ou do requerente ou se deve tomar igualmente em consideração os elementos invocados pelo demandado para contestar essas afirmações.
22. Nestas circunstâncias, o órgão jurisdicional de reenvio decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça as seguintes questões prejudiciais:
«1) Deve o artigo 5.°, [ponto] 3, do Regulamento (CE) n.° 44/2001 ser interpretado no sentido de que se pode considerar que o «lugar onde ocorreu o facto danoso» é o lugar, situado num Estado‑Membro, onde ocorreu o prejuízo, quando esse prejuízo é exclusivamente constituído por um prejuízo patrimonial que é consequência direta de um comportamento ilícito ocorrido noutro Estado‑Membro?
2) Em caso de resposta afirmativa à primeira questão:
a) Que critério ou que pontos de vista deve o órgão jurisdicional nacional utilizar, na apreciação da sua competência nos termos do artigo 5.°, [ponto] 3, do Regulamento (CE) n.° 44/2001, para determinar se, no caso vertente, está em causa um prejuízo patrimonial que é consequência direta de um comportamento ilícito («prejuízo patrimonial inicial» ou «prejuízo patrimonial direto»), ou um prejuízo patrimonial que é consequência de um prejuízo inicial ocorrido noutro lugar, ou é um prejuízo que decorre de um prejuízo ocorrido noutro lugar («prejuízo consequencial» ou «prejuízo patrimonial [indireto]»)?
b) Que critério ou que pontos de vista deve o órgão jurisdicional nacional utilizar, na apreciação da sua competência nos termos do artigo 5.°, [ponto] 3, do Regulamento (CE) n.° 44/2001, para determinar, no caso vertente, onde ocorreu ou se considera ter ocorrido o prejuízo patrimonial – direto ou [indireto]?
3) Em caso de resposta afirmativa à primeira questão, deve o Regulamento (CE) n.° 44/2001 ser interpretado no sentido de que o órgão jurisdicional nacional, que deve apreciar se, no caso vertente, é competente por força do Regulamento […], está obrigado, na sua apreciação, a partir das afirmações relevantes a esse respeito do demandante ou do requerente, ou no sentido de que esse órgão jurisdicional está igualmente obrigado a tomar em consideração o que o demandado alega para contestar essas afirmações?»
23. A recorrente no processo principal, M. Schilling e J. Brož, o Governo grego e a Comissão Europeia apresentaram observações e foram ouvidos na audiência de 25 de novembro de 2015.
IV – Análise
A – Observações preliminares
24. Nas presentes conclusões, cito a jurisprudência do Tribunal de Justiça respeitante à Convenção de 27 de setembro de 1968 relativa à competência judiciária e à execução de decisões em matéria civil e comercial (4), conforme alterada pelas sucessivas convenções relativas à adesão de novos Estados‑Membros a essa Convenção (a seguir «Convenção de Bruxelas»), uma vez que, na medida em que o Regulamento n.° 44/2001 substituiu a Convenção de Bruxelas, a interpretação fornecida pelo Tribunal de Justiça no que respeita às disposições dessa Convenção é válida igualmente para as do referido regulamento, quando as disposições desses instrumentos possam ser qualificadas de equivalentes (5). Com efeito, a disposição‑chave do presente processo, designadamente o artigo 5.°, ponto 3, do Regulamento n.° 44/2001, está redigida em termos quase idênticos aos da disposição homóloga da Convenção de Bruxelas e tem a mesma economia. Perante tal equivalência, importa assegurar, em conformidade com o considerando 19 do Regulamento n.° 44/2001, a continuidade na interpretação desses dois instrumentos (6).
B – Quanto à primeira questão
25. Com a sua primeira questão, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta se o artigo 5.°, ponto 3, do Regulamento n.° 44/2001 deve ser interpretado no sentido de que se pode considerar que o «lugar onde ocorreu o facto danoso» é o lugar, situado num Estado‑Membro, onde ocorreu o prejuízo (7), quando esse prejuízo consiste exclusivamente num prejuízo patrimonial que resulta diretamente de um ato ilícito cometido noutro Estado‑Membro.
26. O órgão jurisdicional de reenvio pretende assim saber, em substância, se um prejuízo patrimonial sofrido num Estado‑Membro é um critério de conexão suficiente para determinar a competência jurisdicional nos termos do artigo 5.°, ponto 3, do Regulamento n.° 44/2001.
27. Só em derrogação ao princípio fundamental enunciado no artigo 2.°, n.° 1, do Regulamento n.° 44/2001, que atribui a competência aos órgãos jurisdicionais do Estado‑Membro no território do qual o requerido está domiciliado, é que o capítulo II, secção 2, deste regulamento prevê um certo número de atribuições de competências especiais, entre as quais figura a do artigo 5.°, ponto 3, do referido regulamento (8). Na medida em que constitui uma regra de competência especial, a competência dos órgãos jurisdicionais do lugar onde ocorreu ou poderá ocorrer o facto danoso deve ser interpretada de maneira autónoma e estrita (9), o que não permite uma interpretação que vá além das situações contempladas expressamente pelo referido regulamento (10).
28. Segundo jurisprudência constante do Tribunal de Justiça, a regra de competência especial enunciada no artigo 5.°, ponto 3, do Regulamento n.° 44/2001 baseia‑se na existência de um elemento de conexão particularmente estreito entre o litígio e o tribunal do lugar onde ocorreu o facto danoso, que justifica uma atribuição de competência a esse tribunal por razões de boa administração da justiça e de organização útil do processo (11). Com efeito, o tribunal do lugar onde ocorreu o facto danoso é normalmente o mais apto para decidir, designadamente por razões de proximidade do litígio e de facilidade na recolha das provas (12).
29. O artigo 5.°, ponto 3, do Regulamento n.° 44/2001 dispõe, portanto, que uma pessoa com domicílio no território de um Estado‑Membro pode ser demandada noutro Estado‑Membro em matéria extracontratual, perante o tribunal do lugar onde ocorreu ou poderá ocorrer o facto danoso.
30. Note‑se que esta disposição não fala de um dano ou um prejuízo, mas apenas de um facto danoso. Isso significa que o que o artigo 5.°, ponto 3, do Regulamento n.° 44/2001 tem principalmente em vista não é o dano, mas sim o facto que deu origem ao dano. A lógica desta disposição parece‑me evidente: normalmente, um juiz estará em melhores condições para se inteirar dos factos, ouvir testemunhas e realizar qualquer ato processual no local onde o dano foi efetivamente causado.
31. No entanto, como é sabido, o Tribunal de Justiça, desde o processo que deu origem ao acórdão Bier, dito «Mines de potasse d’Alsace» (13), interpretou a expressão «lugar onde ocorreu o facto danoso» como abrangendo dois locais distintos, ou seja, o lugar onde o dano ocorreu (14) e o lugar do evento causal (15) que está na origem desse dano (16).
32. No que respeita aos prejuízos patrimoniais, o Tribunal declarou, no acórdão Marinari (17), que o conceito de «lugar onde ocorreu o facto danoso» não abrangia o lugar em que a vítima [alegava] ter sofrido um prejuízo patrimonial consecutivo a um dano inicial ocorrido e sofrido por ela num outro Estado‑Membro (18). No caso vertente, o recorrente tinha depositado na filial de um banco no Reino Unido um maço de livranças, que os empregados do banco recusaram restituir, tendo assinalado à polícia a existência destes títulos, declarando‑os de proveniência duvidosa, o que implicou a prisão do recorrente e a apreensão das livranças. Depois de ter sido absolvido pela justiça inglesa, o recorrente submeteu o assunto à apreciação de um órgão jurisdicional italiano a fim de obter a condenação do banco no pagamento dos prejuízos causados pelos seus empregados. O pedido visava o pagamento do contravalor das livranças e a reparação do dano pretensamente sofrido devido à sua detenção, bem como à rescisão de vários contratos e por ofensa à sua reputação.
33. No processo principal, o contrato que contém a cláusula errada foi negociado e assinado na República Checa. Foi nesse Estado‑Membro que foram definidos os direitos e as obrigações das partes, incluindo a obrigação de a Universal Music pagar um montante mais elevado do que o inicialmente previsto para os restantes 30% das ações. Essa obrigação contratual, que as partes contratantes não tinham a intenção de criar, surgiu na República Checa. Portanto, foi nesse Estado‑Membro que a obrigação de pagar um preço mais elevado do que o previsto se tornou irreversível e incontornável e que, em meu entender, o dano ocorreu.
34. Tal implicaria que as duas primeiras questões se tornassem hipotéticas, na medida em que, segundo jurisprudência constante, o «lugar onde ocorreu o facto danoso» se situa na República Checa.
35. O órgão jurisdicional de reenvio afirma, porém, não ter encontrado na jurisprudência do Tribunal de Justiça resposta à questão de saber se um prejuízo exclusivamente patrimonial pode constituir um «Erfolgsort» e, assim, fundar uma competência ao abrigo do artigo 5.°, ponto 3, do Regulamento n.° 44/2001. Por outras palavras, questiona‑se se existe uma competência ao abrigo da referida disposição quando não tiver já ocorrido um prejuízo inicial como no processo que deu origem ao acórdão Marinari (19).
36. A título subsidiário e nessa hipótese, a questão fundamental no presente processo consiste, portanto, em saber se a afirmação do Tribunal de Justiça no acórdão Mines de potasse d’Alsace (20), segundo a qual a expressão «lugar onde ocorreu o facto danoso» abrange os dois lugares, também se aplica quando está em causa um prejuízo exclusivamente patrimonial.
37. Não penso que seja esse o caso.
38. Uma vez que estamos perante um prejuízo patrimonial, isto é, um prejuízo que consiste unicamente numa diminuição dos ativos financeiros (21), não penso que o conceito «Erfolgsort» seja totalmente pertinente (22). Em certas situações, não é possível distinguir entre os conceitos de «Handlungsort» e «Erfolgsort». Para determinar um eventual «Erfolgsort», tudo dependeria, em tal situação, da questão de saber onde estão situados os ativos financeiros, o que normalmente coincide com o lugar de residência ou, no caso de uma pessoa coletiva, o lugar da sede social. Esta questão é frequentemente aleatória e está relacionada com considerações que não têm qualquer nexo com os factos em causa.
39. Por conseguinte, há que ser prudente ao transpor à letra a jurisprudência decorrente do acórdão Mines de potasse d’Alsace (23) para uma situação em que o prejuízo é patrimonial. Como a Comissão muito bem sublinha nas suas observações, não foi para alargar a derrogação à regra geral de competência que o Tribunal de Justiça admitiu, no acórdão Mines de potasse d’Alsace (24), a possibilidade de o autor escolher entre o lugar onde se produziu o dano e o lugar onde ocorreu o evento causal na origem do dano. A razão dessa escolha prende‑se com a necessidade de manter a maior proximidade possível com os factos do litígio e o órgão jurisdicional mais apto para apreciar o processo e, neste contexto, para organizar utilmente um processo, por exemplo, recolhendo provas e ouvindo testemunhas.
40. Como vimos acima, todos os fatores que permitem a um órgão jurisdicional organizar utilmente um processo situam‑se portanto na República Checa.
41. Por outras palavras, por razões de boa administração da justiça e de economia processual, o simples facto de um montante resultante da transação ter sido suportado por uma sociedade com sede nos Países Baixos não é suficiente para fundar a competência do órgão jurisdicional neerlandês.
42. Uma análise da jurisprudência do Tribunal de Justiça não me parece invalidar esta abordagem.
43. No processo que deu origem ao acórdão Kronhofer (25), a pessoa lesada, domiciliada na Áustria, tinha respondido a uma proposta de abrir uma conta na Alemanha, para a qual tinha transferido capital. O Tribunal de Justiça declarou que o artigo 5.°, ponto 3, da Convenção de Bruxelas devia ser interpretado no sentido de que a expressão «lugar onde ocorreu o facto danoso» não se refere ao lugar do domicílio do requerente, no qual se localiza «o centro do seu património», pelo simples motivo de aí ter sofrido um prejuízo financeiro resultante da perda de elementos do seu património ocorrida e sofrida noutro Estado contratante (26). Esta constatação é convincente, na medida em que o lugar em questão é, de certa forma, fortuito e não constitui necessariamente um critério de conexão fiável.
44. No processo que deu origem ao acórdão Kolassa (27), um investidor tinha investido uma quantia bem definida num banco do seu próprio país, a Áustria. Para o Tribunal de Justiça, o dano ocorreu no lugar onde o investidor o sofreu (28), ou seja, na Áustria. Segundo o Tribunal, estava estabelecida uma competência ao abrigo do artigo 5.°, ponto 3, do Regulamento n.° 44/2001 (29).
45. Julgo, no entanto, que não se pode inferir deste processo uma regra geral segundo a qual um prejuízo patrimonial constitui um critério de conexão suficiente para efeitos de aplicação da disposição acima referida. Com efeito, os factos no processo que deu origem ao acórdão Kolassa (30) eram muito específicos. A parte demandada nesse processo, um banco britânico, tinha publicado um prospeto relativo aos certificados financeiros em causa na Áustria (31), e esses certificados foram (re)vendidos por um banco austríaco.
46. No processo que deu origem ao acórdão CDC Hydrogen Peroxide, relativo ao direito da concorrência, em que as vítimas se encontravam em diversos Estados‑Membros, o Tribunal de Justiça reconheceu que esses diferentes lugares podiam servir de elemento de conexão (32). O Tribunal declarou que, «[q]uanto ao dano que consiste em acréscimo de custos pagos em razão de um preço artificialmente elevado, […], esse lugar só é identificável para cada alegada vítima individualmente considerada e, em princípio, encontra‑se na sede social desta» (33).
47. Não penso que esta afirmação possa servir de base a uma regra geral segundo a qual a sede social de uma empresa lesada constitui o lugar onde ocorreu um dano. Pelo contrário, esta afirmação explica‑se igualmente pelas especificidades do referido processo, no qual tinha sido lesado um número elevado de pessoas. Por conseguinte, não era possível identificar um único local como lugar onde o cartel tinha sido concluído nem, portanto, como lugar do evento causal. Além disso, parece‑me que a sede social de uma empresa tende a coincidir com as suas atividades económicas.
48. Em suma, não vejo de que modo o artigo 5.°, ponto 3, do Regulamento n.° 44/2001 poderia fundar a competência judiciária de um tribunal situado num Estado‑Membro cujo único elemento de conexão com o litígio é o facto de a pessoa lesada aí ter sofrido um prejuízo patrimonial.
49. Por conseguinte, proponho que se responda à primeira questão que o artigo 5.°, ponto 3, do Regulamento n.° 44/2001 deve ser interpretado no sentido de que, na falta de outros elementos de conexão, não se pode considerar que o «lugar onde ocorreu o facto danoso» é o lugar, situado num Estado‑Membro, onde ocorreu o prejuízo, quando esse prejuízo consiste exclusivamente num prejuízo patrimonial que resulta de um ato ilícito cometido noutro Estado‑Membro.
50. Tendo em conta esta proposta, não há que analisar a segunda questão.
C – Quanto à terceira questão
51. Com a sua terceira questão, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, se o artigo 5.°, ponto 3, do Regulamento n.° 44/2001 deve ser interpretado no sentido de que o órgão jurisdicional nacional chamado a apreciar se é competente ao abrigo desta disposição, é obrigado a basear a sua apreciação nas afirmações feitas pelo demandante ou se deve tomar igualmente em consideração os elementos invocados pelo demandado para contestar essas afirmações.
52. Apesar de o órgão jurisdicional de reenvio colocar esta questão apenas em caso de resposta afirmativa à primeira questão, considero que há interesse em responder, dado que se trata de uma questão de alcance geral que se refere à apreciação da competência e não apenas à questão de saber se um prejuízo patrimonial é suficiente para determinar uma competência.
53. A título preliminar, importa recordar (34) que a competência jurisdicional é estabelecida com base nas regras autónomas do Regulamento n.° 44/2001, ao passo que o mérito da causa é apreciado à luz do direito nacional aplicável, determinado pelas regras de conflitos de leis em matéria de obrigações contratuais (35) ou extracontratuais (36).
54. Parece‑me que a jurisprudência existente já nos fornece várias pistas para responder a esta questão.
55. O Regulamento n.° 44/2001 não especifica o alcance das obrigações de fiscalização que incumbem a um órgão jurisdicional nacional no âmbito da verificação da sua competência. Resulta de jurisprudência constante que a Convenção de Bruxelas não tinha por objeto unificar as regras processuais dos Estados contratantes, mas repartir as competências judiciárias para a solução dos litígios em matéria civil e comercial nas relações entre os Estados contratantes e facilitar a execução das decisões judiciais (37). Resulta também de jurisprudência constante que, relativamente às regras processuais, devem ter‑se em conta as regras nacionais aplicáveis pelo tribunal onde foi proposta a ação, na condição de a aplicação dessas regras não afetar o efeito útil da Convenção de Bruxelas (38).
56. O Tribunal declarou assim que um requerente beneficiava do foro do lugar de execução do contrato previsto no artigo 5.°, ponto 1, da Convenção de Bruxelas, ainda que a formação do contrato que estava na origem do recurso fosse discutida entre as partes (39). Especificou igualmente que o facto de o juiz nacional a quem foi submetida a questão poder facilmente pronunciar‑se sobre a sua própria competência com base nas regras da referida Convenção, sem ser obrigado a proceder a um exame do processo quanto ao mérito, também era conforme ao espírito de segurança jurídica (40).
57. O Tribunal considerou que, na fase da verificação da competência internacional, o órgão jurisdicional onde foi intentada a ação não aprecia a admissibilidade nem a procedência da ação de declaração negativa segundo as regras do direito nacional, mas identifica unicamente os elementos de conexão com o Estado do foro que justificam a sua competência ao abrigo do artigo 5.°, ponto 3, do Regulamento n.° 44/2001 (41). Considerou igualmente que, para efeitos da aplicação do artigo 5.°, ponto 3, do Regulamento n.° 44/2001, o órgão jurisdicional chamado a decidir pode dar como provadas, unicamente com o intuito de verificar a sua competência ao abrigo desta disposição, as alegações do demandante quanto às condições da responsabilidade extracontratual (42). Por último, declarou que, no âmbito da verificação da competência ao abrigo do Regulamento n.° 44/2001, não há que proceder a uma produção exaustiva da prova em relação aos elementos de facto controvertidos que são pertinentes quer para a questão da competência quer para o exame da existência do direito invocado e que, todavia, o órgão jurisdicional onde foi intentada a ação pode apreciar a sua competência internacional à luz de todas as informações de que dispõe, incluindo, se for caso disso, as contestações apresentadas pelo demandado (43).
58. Assim, proponho que se responda à terceira questão que, a fim de determinar a sua competência ao abrigo das disposições do Regulamento n.° 44/2001, o órgão jurisdicional chamado a conhecer de um litígio deve apreciar todos os elementos de que dispõe, incluindo, se for caso disso, os elementos apresentados pelo demandado.
V – Conclusão
59. À luz das considerações que precedem, proponho que o Tribunal de Justiça responda do seguinte modo às questões prejudiciais que lhe foram submetidas pelo Hoge Raad der Nederlanden:
1) O artigo 5.°, ponto 3, do Regulamento (CE) n.° 44/2001 do Conselho, de 22 de dezembro de 2000, relativo à competência judiciária, ao reconhecimento e à execução de decisões em matéria civil e comercial, deve ser interpretado no sentido de que, na falta de outros elementos de conexão, não se pode considerar que o «lugar onde ocorreu o facto danoso» é o lugar, situado num Estado‑Membro, onde ocorreu o prejuízo, quando esse prejuízo consiste exclusivamente num prejuízo patrimonial que resulta de um ato ilícito cometido noutro Estado‑Membro.
2) A fim de determinar a sua competência ao abrigo das disposições do Regulamento n.° 44/2001, o órgão jurisdicional chamado a conhecer de um litígio deve apreciar todos os elementos de que dispõe, incluindo, se for caso disso, os elementos apresentados pelo demandado.
1 – Língua original: francês.
2 – Regulamento do Conselho, de 22 de dezembro de 2000, relativo à competência judiciária, ao reconhecimento e à execução de decisões em matéria civil e comercial (JO L 12, p. 1).
3 – C‑364/93, EU:C:1995:289.
4 – JO 1972, L 299, p. 32.
5 – Acórdão TNT Express Nederland (C‑533/08, EU:C:2010:243, n.° 36 e jurisprudência referida).
6 – V. igualmente, no que se refere especificamente ao artigo 5.°, n.° 3, do Regulamento n.° 44/2001, acórdão Zuid‑Chemie (C‑189/08, EU:C:2009:475, n.° 19).
7 – A fim de evitar qualquer risco de confusão, saliento que os termos «prejuízo» e «dano» são utilizados indiscriminadamente nas presentes conclusões.
8 – V., a título de exemplo, acórdãos Coty Germany (C‑360/12, EU:C:2014:1318, n.° 44) e Melzer (C‑228/11, EU:C:2013:305, n.° 23).
9 – Segundo jurisprudência constante. V., a título de exemplo, acórdãos Holterman Ferho Exploitatie e o. (C‑47/14, EU:C:2015:574, n.° 72), CDC Hydrogen Peroxide (C‑352/13, EU:C:2015:335, n.° 37) e Kolassa (C‑375/13, EU:C:2015:37, n.° 43).
10 – V., a título de exemplo, acórdãos Coty Germany (C‑360/12, EU:C:2014:1318, n.° 45) e Melzer (C‑228/11, EU:C:2013:305, n.° 24).
11 – V. acórdão Zuid‑Chemie (C‑189/08, EU:C:2009:475, n.° 24 e jurisprudência referida).
12 – Acórdão Zuid‑Chemie (C‑189/08, EU:C:2009:475, n.° 24 e jurisprudência referida).
13 – 21/76, EU:C:1976:166.
14 – Denominado «Erfolgsort» segundo a doutrina alemã.
15 – Denominado «Handlungsort» segundo a doutrina alemã.
16 – 21/76, EU:C:1976:166, n.° 24); v. igualmente acórdãos Zuid‑Chemie (EU:C:2009:475, n.° 23) e Kainz (C‑45/13, EU:C:2014:7, n.° 23).
17 – C‑364/93, EU:C:1995:289.
18 – V. acórdão Marinari (C‑364/93, EU:C:1995:289, n.° 21).
19 – C‑364/93, EU:C:1995:289,
20 – 21/76, EU:C:1976:166.
21 – «Vermogensschade» na terminologia do órgão jurisdicional de reenvio.
22 – A situação seria, obviamente, diferente se o ato ilícito visasse o património em si. Em tal situação, é evidente para mim que o «Erfolgsort» pode muito bem ser o lugar onde ocorreu o prejuízo patrimonial. V. igualmente, neste sentido, Mankowski, P., em U. Magnus/ P. Mankowski, Commentary, Brussels Ibis Regulation, Verlag Dr. Otto Schmidt, Colónia, 2016, artigo 7.°, n.° 328.
23 – 21/76, EU:C:1976:166.
24 – 21/76, EU:C:1976:166.
25 – C‑168/02, EU:C:2004:364.
26 – Acórdão Kronhofer (C‑168/02, EU:C:2004:364, n.° 21).
27 – C‑375/13, EU:C:2015:37.
28 – Acórdão Kolassa (C‑375/13, EU:C:2015:37, n.° 54).
29 – Acórdão Kolassa (C‑375/13, EU:C:2015:37, n.° 57).
30 – C‑375/13, EU:C:2015:37.
31 – V. igualmente as minhas conclusões no processo que deu origem ao acórdão Kolassa (C‑375/13, EU:C:2014:2135, n.° 64).
32 – C‑352/13, EU:C:2015:335.
33 – Acórdão CDC Hydrogen Peroxide (C‑352/13, EU:C:2015:335, n.° 52).
34 – V. igualmente as minhas conclusões no processo que deu origem ao acórdão Kolassa (C‑375/13, EU:C:2014:2135, n.° 69).
35 – Regulamento (CE) n.° 593/2008 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 17 de junho de 2008, sobre a lei aplicável às obrigações contratuais (Roma I) (JO L 177, p. 6).
36 – Regulamento (CE) n.° 864/2007 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 11 de julho de 2007, relativo à lei aplicável às obrigações extracontratuais (Roma II) (JO L 199, p. 40).
37 – V., a este respeito, acórdãos Shevill e o. (C-68/93, EU:C:1995:61, n.° 35), Italian Leather (C‑80/00, EU:C:2002:342, n.° 43) e DFDS Torline (C‑18/02, EU:C:2004:74, n.° 23).
38 – Acórdãos Hagen (C‑365/88, EU:C:1990:203, n.os 19 e 20) e Shevill e o. (C-68/93, EU:C:1995:61, n.° 36).
39 – Acórdão Effer (38/81, EU:C:1982:79, n.° 8).
40 – Acórdão Benincasa (C‑269/95, EU:C:1997:337, n.° 27).
41 – Acórdão Folien Fischer e Fofitec (C‑133/11, EU:C:2012:664, n.° 50).
42 – Acórdão Hi Hotel HCF (C‑387/12, EU:C:2014:215, n.° 20).
43 – Acórdão Kolassa (C‑375/13, EU:C:2015:37, n.° 65).