Processo C‑507/14
P
contra
M
[pedido de decisão prejudicial apresentado pelo pelo Supremo Tribunal de Justiça (Portugal)]
«Reenvio prejudicial – Artigo 99.° do Regulamento de Processo do Tribunal de Justiça – Inexistência de dúvida razoável – Competência judiciária em matéria civil – Regulamento (CE) n.° 2201/2003 – Artigo 16.°, n.° 1, alínea a) – Determinação da data em que uma ação foi submetida à apreciação de um órgão jurisdicional – Pedido de suspensão da instância – Irrelevância»
Sumário do Despacho
O artigo 16.°, n.° 1, alínea a), do Regulamento (CE) n.° 2201/2003 do Conselho, de 27 de novembro de 2003, relativo à competência, ao reconhecimento e à execução de decisões em matéria matrimonial e em matéria de responsabilidade parental e que revoga o Regulamento (CE) n.° 1347/2000, deve ser interpretado no sentido de que se considera que uma ação foi submetida à apreciação de um tribunal na data de apresentação, nesse tribunal, do ato introdutório da instância ou de um ato equivalente, ainda que, entretanto, a instância tenha sido suspendida por iniciativa do requerente que a propôs, sem que o referido processo tivesse sido notificado ao requerido ou que este tivesse tido conhecimento da sua existência ou nele tivesse intervindo de alguma forma, desde que o requerente não tenha posteriormente deixado de tomar as medidas que lhe incumbiam para que fosse feita a citação ou a notificação do ato ao requerido.
DESPACHO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Décima Secção)
«Reenvio prejudicial – Artigo 99.° do Regulamento de Processo do Tribunal de Justiça – Inexistência de dúvida razoável – Competência judiciária em matéria civil – Regulamento (CE) n.° 2201/2003 – Artigo 16.°, n.° 1, alínea a) – Determinação da data em que uma ação foi submetida à apreciação de um órgão jurisdicional – Pedido de suspensão da instância – Irrelevância»
No processo C‑507/14,
que tem por objeto um pedido de decisão prejudicial apresentado, nos termos do artigo 267.° TFUE, pelo Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), por decisão de 24 de junho de 2014, que deu entrada no Tribunal de Justiça em 13 de novembro de 2014, no processo
P
contra
M,
O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Décima Secção),
composto por: C. Vajda, presidente de secção, A. Rosas (relator) e E. Juhász, juízes,
advogado‑geral: P. Mengozzi,
secretário: A. Calot Escobar,
vistos os autos,
vistas as observações apresentadas:
– em representação de P, por C. Botelho Moniz, G. Machado Borges e L. do Nascimento Ferreira, advogados,
– em representação de M, por R. Sá Fernandes, I. Montalvo, S. Aguiar e T. Champalimaud, advogados,
– em representação do Governo português, por L. Inez Fernandes e M. Carvalho, na qualidade de agentes,
– em representação do Governo checo, por M. Smolek e J. Vláčil, na qualidade de agentes,
– em representação do Governo espanhol, por M. Sampol Pucurull, na qualidade de agente,
– em representação da Comissão Europeia, por P. Costa de Oliveira e M. Wilderspin, na qualidade de agentes,
vista a decisão tomada, ouvido o advogado‑geral, de decidir por meio de despacho fundamentado, nos termos do artigo 99.° do Regulamento de Processo do Tribunal de Justiça,
profere o presente
Despacho
1 O presente pedido de decisão prejudicial tem por objeto a interpretação do artigo 16.°, n.° 1, alínea a), do Regulamento (CE) n.° 2201/2003 do Conselho, de 27 de novembro de 2003, relativo à competência, ao reconhecimento e à execução de decisões em matéria matrimonial e em matéria de responsabilidade parental e que revoga o Regulamento (CE) n.° 1347/2000 (JO L 338, p. 1).
2 Este pedido foi apresentado no âmbito de um litígio que opõe P a M, a propósito da regulação do exercício das responsabilidades parentais relativamente aos seus filhos menores.
Quadro jurídico
3 O artigo 21.° da Convenção relativa à competência judiciária e à execução de decisões em matéria civil e comercial, assinada em Bruxelas, em 27 de setembro de 1968 (JO 1972, L 299, p. 32), conforme alterada pela Convenção de 26 de maio de 1989 relativa à adesão do Reino de Espanha e da República Portuguesa (JO L 285, p. 1, a seguir «Convenção de Bruxelas»), tinha a seguinte redação:
«Quando ações com o mesmo pedido e a mesma causa de pedir e entre as mesmas partes forem submetidas à apreciação de tribunais de diferentes Estados contratantes, o tribunal a que a ação foi submetida em segundo lugar suspende oficiosamente a instância, até que seja estabelecida a competência do tribunal a que a ação foi submetida em primeiro lugar.
Quando estiver estabelecida a competência do tribunal a que a ação foi submetida em primeiro lugar, o segundo tribunal declara‑se incompetente em favor daquele.»
4 O considerando 15 do Regulamento (CE) n.° 44/2001 do Conselho, de 22 de dezembro de 2000, relativo à competência judiciária, ao reconhecimento e à execução de decisões em matéria civil e comercial (JO 2001, L 12, p. 1), enuncia:
«O funcionamento harmonioso da justiça a nível comunitário obriga a minimizar a possibilidade de instaurar processos concorrentes e a evitar que sejam proferidas decisões inconciliáveis em dois Estados‑Membros competentes. Importa prever um mecanismo claro e eficaz para resolver os casos de litispendência e de conexão e para obviar aos problemas resultantes das divergências nacionais quanto à data a partir da qual um processo é considerado pendente. Para efeitos do presente regulamento, é conveniente fixar esta data de forma autónoma.»
5 O artigo 30.° deste regulamento prevê:
«Para efeitos da presente secção, considera‑se que a ação está submetida à apreciação do tribunal:
1) Na data em que é apresentado ao tribunal o ato que determina o início da instância ou um ato equivalente, desde que o requerente não tenha posteriormente deixado de tomar as medidas que lhe incumbem para que seja feita a citação ao requerido; ou
2) Se o ato tiver de ser citado antes de ser apresentado ao tribunal, na data em que é recebido pela autoridade responsável pela citação, desde que o requerente não tenha posteriormente deixado de tomar as medidas que lhe incumbem para que o ato seja apresentado ao tribunal.»
6 Sob a epígrafe «Apreciação da ação por um tribunal», o artigo 16.°, n.° 1, do Regulamento n.° 2201/2003 dispõe:
«Considera‑se que o processo foi instaurado:
a) Na data de apresentação ao tribunal do ato introdutório da instância, ou ato equivalente, desde que o requerente não tenha posteriormente deixado de tomar as medidas que lhe incumbem para que seja feita a citação ou a notificação ao requerido;
ou
b) Se o ato tiver de ser citado ou notificado antes de ser apresentado ao tribunal, na data em que é recebido pela autoridade responsável pela citação ou notificação, desde que o requerente não tenha posteriormente deixado de tomar as medidas que lhe incumbem para que o ato seja apresentado a tribunal.»
7 O artigo 19.°, n.os 2 e 3, deste regulamento prevê:
«2. Quando são instauradas em tribunais de Estados‑Membros diferentes ações relativas à responsabilidade parental em relação a uma criança, que tenham o mesmo pedido e a mesma causa de pedir, o tribunal em que o processo foi instaurado em segundo lugar suspende oficiosamente a instância até que seja estabelecida a competência do tribunal em que o processo foi instaurado em primeiro lugar.
3. Quando estiver estabelecida a competência do tribunal em que o processo foi instaurado em primeiro lugar, o tribunal em que o processo foi instaurado em segundo lugar declara‑se incompetente a favor daquele.
Neste caso, o processo instaurado no segundo tribunal pode ser submetid[o] pelo requerente à apreciação do tribunal em que a ação foi instaurada em primeiro lugar.»
Litígio no processo principal e questão prejudicial
8 P e M eram casados. Têm dois filhos menores em comum.
9 Resulta da decisão de reenvio e das observações apresentadas ao Tribunal de Justiça que, em 7 de julho de 2011, M apresentou, num tribunal espanhol, um pedido de medidas provisórias, antes de uma ação de divórcio, relativas às responsabilidades parentais em relação aos filhos em comum, previstas no artigo 104.° do Código Civil [espanhol], em conformidade com o disposto no artigo 771.° do Código de Processo Civil (Ley de enjuiciamiento civil), de 7 de janeiro de 2000 (BOE n.° 7, de 8 de janeiro de 2000, p. 575). O processo foi atribuído ao Juzgado de Primera Instancia n° 79 de Madrid (Tribunal de Primeira Instância n.° 79 de Madrid, Espanha). Em 8 de julho de 2011, a Secretaria Judicial acusou a receção do pedido, verificou a competência territorial e marcou uma audiência para 21 de setembro de 2011, subordinando a citação do requerido à apresentação de determinados documentos.
10 Em 18 de julho de 2011, M requereu a suspensão do processo, a fim de tentar chegar a um acordo amigável entre as partes. Por despacho de 19 de julho de 2011, o Juzgado de Primera Instancia n° 79 de Madrid deferiu esse pedido de suspensão, com fundamento no artigo 19.°, n.° 4, do Código de Processo Civil, nos termos do qual o tribunal pode decretar essa medida, a pedido das partes, desde que tal não prejudique o interesse geral ou terceiros e que o período de suspensão não ultrapasse 60 dias. Em conformidade com essa disposição, o despacho de 19 de julho de 2001 limitou o período de suspensão a uma duração máxima de 60 dias a contar da notificação da decisão, especificando que o processo se encontrava na fase de apreciação da admissibilidade e da notificação da ação ao requerido, mas que M tinha solicitado a respetiva suspensão.
11 Durante o mês de agosto de 2011, as partes tentaram, em vão, chegar a um acordo.
12 Em 31 de agosto de 2011, P propôs, no Tribunal de Família e Menores de Lisboa (Portugal), uma ação de regulação das responsabilidades parentais em relação aos filhos do casal, alegando, designadamente, que as crianças eram mantidas ilegalmente por M fora da casa de morada de família, situada em Lisboa.
13 Em 1 de setembro de 2011, primeiro dia útil depois das férias judiciais em Espanha, M requereu a reabertura do processo no Juzgado de Primera Instancia n° 79 de Madrid. Por despacho de 5 de setembro de 2011, este ordenou a reabertura da instância, tendo fixado a residência habitual dos menores em Madrid (Espanha) e adotado diversas medidas provisórias prévias em matéria de responsabilidades parentais, designadamente a proibição de saída do território nacional até ao encerramento definitivo do processo.
14 Em 6 de setembro de 2011, conforme resulta de um documento emitido pela Secretaria do Juzgado de Primera Instancia n° 79 de Madrid, P foi informado telefonicamente da realização de uma audiência em 21 de setembro seguinte. A notificação foi efetuada por correio registado.
15 Em 15 de setembro de 2011, os advogados de P e M compareceram no Juzgado de Primera Instancia n° 79 de Madrid, para efeitos da instrução do processo.
16 Em 21 de setembro de 2011, P e M compareceram pessoalmente naquele tribunal, sendo a audiência, realizada na presença do Ministério Público, dedicada à fixação de medidas provisórias prévias à ação de divórcio.
17 Em 23 de setembro de 2011, o Juzgado de Primera Instancia n° 79 de Madrid proferiu um despacho que fixava as referidas medidas, relativas, designadamente, à separação provisória dos cônjuges, à atribuição do direito de guarda e ao exercício das responsabilidades parentais em relação aos dois filhos menores. O referido despacho continha uma fundamentação detalhada relativa à competência desse órgão jurisdicional à luz do artigo 8.°, n.° 1, do Regulamento n.° 2201/2003.
18 Em 24 de outubro de 2011, M propôs uma ação de divórcio nos tribunais espanhóis. Por despacho de 11 de janeiro de 2012, o Juzgado de Primera Instancia n° 79 de Madrid julgou improcedente uma exceção de incompetência suscitada por P. Em 26 de outubro de 2012, esse órgão jurisdicional decretou a dissolução do matrimónio entre P e M, tendo atribuído o direito de guarda dos dois filhos menores a M e o exercício conjunto das responsabilidades parentais a ambos os progenitores. A sentença regulava igualmente o regime de residência e o direito de visita dos pais, bem como a pensão alimentar.
19 P e M recorreram da decisão de 26 de outubro de 2012 do Juzgado de Primera Instancia n° 79 de Madrid para a Audiencia Provincial de Madrid (Tribunal Regional de Madrid, Espanha). Por acórdão de 25 de junho de 2013, esse tribunal julgou improcedente, designadamente, a exceção de litispendência suscitada por P, pelo facto de a mesma não ter sido suscitada atempadamente e de, em todo o caso, as ações propostas em Espanha relativas às medidas provisórias e ao divórcio serem anteriores às ações propostas em Portugal. A Audiencia Provincial de Madrid recusou‑se a submeter ao Tribunal de Justiça a questão prejudicial sugerida por P.
20 P interpôs recurso de cassação do acórdão da Audiencia Provincial de Madrid no Tribunal Supremo (Supremo Tribunal de Espanha). O recurso está pendente neste último tribunal, que, por despacho de 27 de novembro de 2014, suspendeu a instância até haver uma decisão do Tribunal de Justiça no presente reenvio prejudicial.
21 Paralelamente ao processo pendente nos órgãos jurisdicionais espanhóis, P propôs uma ação de divórcio em Portugal, por petição apresentada em 27 de outubro de 2011 no Tribunal de Família e Menores de Lisboa. Este tribunal português considerou que tanto na ação de regulação das responsabilidades parentais como na ação de divórcio os processos pendentes em Madrid tinham sido instaurados antes das ações propostas em Portugal, decidindo suspender a instância em ambos os processos até que a questão da competência internacional fosse definitivamente decidida pelos órgãos jurisdicionais espanhóis.
22 No que diz respeito à regulação do exercício das responsabilidades parentais em relação aos filhos menores, o Tribunal de Família e Menores de Lisboa, por sentença de 17 de maio de 2013, declarou que o pedido de medidas provisórias apresentado por M, em 7 de julho de 2011, no Juzgado de Primera Instancia n° 79 de Madrid era anterior ao que havia sido proposto naquele tribunal por P, em 31 de agosto de 2011. O Tribunal de Família e Menores de Lisboa referiu que a suspensão da instância entre 18 de julho e 5 de setembro se justificava pela tentativa de chegar a um acordo amigável, o que considerava ser habitual em ações desta natureza, pelo que não havia dúvidas, segundo este órgão jurisdicional, de que aquela suspensão não constituía uma prática negligente, por parte de M, de tomar as medidas que lhe incumbiam para que a sua petição fosse notificada ao requerido, na aceção do artigo 16.°, n.° 1, alínea a), do Regulamento n.° 2201/2003. O Tribunal de Família e Menores de Lisboa decidiu que não era necessário colocar uma questão prejudicial ao Tribunal de Justiça sobre a interpretação desta disposição.
23 P recorreu desta decisão para o Tribunal da Relação de Lisboa (Portugal). Por acórdão de 21 de novembro de 2013, este órgão jurisdicional recusou‑se a colocar ao Tribunal de Justiça a questão prejudicial sugerida por P e negou provimento ao seu recurso. Em apoio da sua decisão, considerou que, «[p]erante a descrita factualidade, afigura‑se indiscutível, à luz do [Regulamento n.° 2201/2003], ter sido o processo que correu termos no [Juzgado de Primera Instancia n.° 79 de Madrid] instaurado em primeiro lugar – uma vez que, da circunstância de a aí requerente ter solicitado a suspensão da instância, manifestamente não decorre haja a mesma deixado de tomar as medidas, que lhe incumbiam, para que fosse feita a citação do requerido.
Tanto mais que, como é comum em processos desta natureza, e resulta dos presentes autos […], visou tal suspensão permitir o desenvolvimento de negociações, tendentes à obtenção de acordo entre as partes.»
24 P interpôs recurso desse acórdão para o órgão jurisdicional de reenvio.
25 Nestas condições, o Supremo Tribunal de Justiça (Portugal) decidiu suspender a instância e colocar a seguinte questão prejudicial ao Tribunal de Justiça:
«Tendo sido iniciado num Estado‑Membro um processo relativo a responsabilidades parentais, e existindo outro processo, em que se verifique identidade do pedido e da causa de pedir, cuja iniciativa processual havia tido lugar em momento anterior noutro Estado‑Membro diferente, processo este que entretanto havia sido suspenso por iniciativa da respetiva requerente, sem que o requerido nele tivesse sido citado, do mesmo tivesse tido qualquer conhecimento ou nele tivesse tido qualquer intervenção, suspensão essa que se mantinha quando o processo referido em primeiro lugar foi iniciado por aquele requerido, pode considerar‑se, face ao estatuído no art. 16°, n.° 1, al. a) do Regulamento (CE) n.° 2201/2003 do Conselho de 27/11/2003, e para efeitos de aplicação do disposto no art. 19°, n.° 2 do mesmo Regulamento, que o processo onde tal suspensão ocorreu foi instaurado em primeiro lugar?»
26 Por acórdão de 7 de outubro de 2014, o Supremo Tribunal de Justiça julgou improcedente, por um lado, o pedido de P no sentido de aquele órgão jurisdicional requerer ao Tribunal de Justiça que aplicasse a tramitação prejudicial urgente e, por outro, o pedido de alteração da questão prejudicial apresentado por M.
27 Seguidamente, P sugeriu ao Tribunal de Justiça a aplicação da tramitação prejudicial urgente e a preservação do anonimato das partes no processo principal, a fim de proteger o bem‑estar dos filhos menores. O presidente do Tribunal de Justiça recusou a aplicação da tramitação prejudicial urgente, mas decidiu que o processo seria julgado com prioridade, nos termos do artigo 53.°, n.° 3, do Regulamento de Processo do Tribunal de Justiça, e deferiu o pedido de anonimato, nos termos do artigo 95.°, n.° 2, do mesmo regulamento.
Quanto à questão prejudicial
28 Por força do artigo 99.° do seu Regulamento de Processo, quando a resposta a uma questão submetida a título prejudicial não suscite nenhuma dúvida razoável, o Tribunal de Justiça pode, a qualquer momento, mediante proposta do juiz‑relator, ouvido o advogado‑geral, decidir pronunciar‑se por meio de despacho fundamentado.
29 Há que aplicar esta disposição no âmbito do presente reenvio prejudicial.
30 Tal como salientaram alguns intervenientes que apresentaram observações, a redação do artigo 16.° do Regulamento n.° 2201/2003 é comparável à do artigo 30.° do Regulamento n.° 44/2001, adotado para substituir o artigo 21.° da Convenção de Bruxelas e para dar uma definição autónoma da data em que se considera que uma ação foi submetida à apreciação de um órgão jurisdicional.
31 Com efeito, a falta de uma definição autónoma desta data no artigo 21.° da Convenção de Bruxelas causou algumas dificuldades. Como resulta da exposição de motivos do artigo 30.° da Proposta de regulamento (CE) do Conselho relativo ao reconhecimento e à execução de decisões em matéria civil e comercial, apresentada pela Comissão, em Bruxelas, em 14 de julho de 1999 [COM(1999) 348 final], a solução, juridicamente segura, que consiste em não considerar um processo como pendente enquanto não estiverem ultrapassadas as duas fases processuais que são a citação ou a notificação e a distribuição do processo no tribunal competente, tinha, no entanto, um efeito negativo, nomeadamente o da determinação tardia da situação de litispendência.
32 Foi para resolver esta situação e ao mesmo tempo assegurar a igualdade de armas entre as partes requerentes no processo, por um lado, e uma proteção contra os abusos processuais, por outro, que esta proposta da Comissão adotou um conceito uniforme da data de instauração de um processo, que é determinada, segundo o sistema processual em causa, pela realização de um único ato, designadamente a apresentação do ato introdutório da instância ou da notificação, mas que, apesar disso, tem em conta a subsequente realização efetiva do segundo ato. Assim, nos termos do artigo 30.°, alínea a), do Regulamento n.° 44/2001 e do artigo 16.°, n.° 1, alínea a), do Regulamento n.° 2201/2003, a data da instauração do processo é a data da apresentação ao tribunal do ato introdutório da instância ou ato equivalente, desde que o requerente não tenha posteriormente deixado de tomar as medidas que lhe incumbiam para que fosse feita a citação ou a notificação do ato ao requerido.
33 A ação proposta por M é abrangida por esse sistema, previsto no artigo 16.°, n.° 1, alínea a), do Regulamento n.° 2201/2003. Por conseguinte, há que interpretar o requisito enunciado nesta disposição, segundo o qual o requerente não pode ter posteriormente deixado de tomar as medidas que lhe incumbiam para que fosse feita a citação ou a notificação do ato ao requerido.
34 Como salientam P, os Governos português e espanhol e a Comissão Europeia nas suas observações escritas, o objetivo deste requisito é garantir uma proteção contra os abusos processuais. Deste modo, não se tomarão em conta, para efeitos da verificação deste requisito, os atrasos devidos ao sistema judicial do foro, mas apenas a falta de diligência por parte do requerente.
35 Segundo P, importa fazer referência à exigência da instauração definitiva da ação, conforme decorre do acórdão Zelger (129/83, EU:C:1984:215), relativo ao artigo 21.° da Convenção de Bruxelas. No que diz respeito ao processo principal, P considera que não havia instauração definitiva da ação no órgão jurisdicional espanhol, uma vez que, por um lado, M não tinha apresentado todos os documentos necessários para o envio da notificação e que, por outro, ela tinha paralisado a sua própria ação, ao pedir a suspensão da mesma.
36 P contesta a possibilidade de pedir a suspensão do processo com vista à obtenção de um acordo, quando o requerido não seja informado da propositura da ação através de uma notificação. Essa circunstância resultaria na desproteção total do requerido, que participaria em negociações não transparentes e, seguidamente, seria chamado a juízo, pela parte contrária, num órgão jurisdicional onde, quando muito, poderia apresentar um pedido reconvencional, estando privado do direito de escolher o foro competente mais adequado.
37 A este respeito, há que observar que, nos termos do artigo 16.°, n.° 1, alínea a), do Regulamento n.° 2201/2003, a instauração da ação não exige uma dupla condição, designadamente, a apresentação do ato introdutório da instância ou ato equivalente e a citação ou a notificação desse ato ao requerido, mas uma única condição, isto é, a apresentação do ato introdutório da instância ou ato equivalente. Nos termos desta disposição, só essa apresentação constitui a instauração da ação, «desde que o requerente não tenha posteriormente deixado de tomar as medidas que lhe incumbem para que seja feita a citação ou a notificação ao requerido».
38 Além disso, não parece decorrer das observações de P nem dos autos apresentados no Tribunal de Justiça que P tenha contestado a regularidade da notificação do pedido de medidas provisórias prévias à ação de divórcio, que ocorreu depois do pedido de reabertura do processo, em 1 de setembro de 2011, pelo facto de os documentos necessários a essa notificação não terem sido apresentados nos prazos previstos, o que, porém, cabe ao órgão jurisdicional verificar.
39 No que diz respeito à suspensão da instância, há que observar que o artigo 16.°, n.° 1, alínea a), do Regulamento n.° 2201/2003 não prevê que se trate de um elemento pertinente, enquanto tal, para a determinação da data em que se considera que uma ação foi submetida à apreciação de um órgão jurisdicional. Todavia, essa suspensão poderá ser tomada em consideração se resultar de uma negligência imputável ao requerente, por este não ter tomado as medidas que lhe incumbiam para que fosse feita a citação ou a notificação do ato ao requerido. A este respeito, o Governo espanhol e a Comissão salientam que o Regulamento n.° 2201/2003 dá valor aos acordos amigáveis e, quanto ao processo principal, consideram que um pedido de suspensão para tentar chegar a um acordo amigável não constitui negligência por parte de M. Conforme resulta dos autos apresentados no Tribunal de Justiça, foi neste sentido que decidiu o Tribunal da Relação de Lisboa no seu acórdão de 21 de novembro de 2013, do qual foi interposto recurso no órgão jurisdicional de reenvio.
40 Resulta igualmente dos autos apresentados no Tribunal de Justiça que o pedido de suspensão apresentado por M não teve influência na data da comparência das partes no órgão jurisdicional espanhol, marcada no momento da apresentação do ato introdutório da instância nesse órgão jurisdicional. Além disso, como foi referido no n.° 22 do presente despacho, o Tribunal de Família e Menores de Lisboa declarou que a suspensão da instância entre 18 de julho e 5 de setembro de 2011 se justificava pela tentativa de chegar a um acordo amigável, o que considerava ser habitual em ações desta natureza, pelo que não havia dúvidas, segundo esse órgão jurisdicional, de que aquela suspensão não constituía uma prática negligente, por parte de M, de tomar as medidas que lhe incumbiam para que a sua petição fosse notificada ao requerido, na aceção do artigo 16.°, n.° 1, alínea a), do Regulamento n.° 2201/2003.
41 Quanto ao argumento de P relativo à falta de notificação da propositura da ação antes da suspensão desta, há que concluir que esse argumento é, enquanto tal, destituído de pertinência para efeitos da interpretação do artigo 16.°, n.° 1, alínea a), do Regulamento n.° 2201/2003.
42 Em todo o caso, importa recordar que não cabe ao Tribunal de Justiça qualificar os factos em causa no processo principal, uma vez que essa qualificação é da exclusiva competência do juiz nacional. O papel do Tribunal de Justiça limita‑se a fornecer àquele uma interpretação do direito da União útil para a decisão que lhe cabe tomar no processo que lhe foi submetido (v., designadamente, acórdãos Parking Brixen, C‑458/03, EU:C:2005:605, n.° 32, e Kansaneläkelaitos, C‑269/14, EU:C:2015:329, n.° 25).
43 Face ao exposto, há que responder à questão colocada que o artigo 16.°, n.° 1, alínea a), do Regulamento n.° 2201/2003 deve ser interpretado no sentido de que se considera que uma ação foi submetida à apreciação de um tribunal na data de apresentação, nesse tribunal, do ato introdutório da instância ou de um ato equivalente, ainda que, entretanto, a instância tenha sido suspendida por iniciativa do requerente que a propôs, sem que o referido processo tivesse sido notificado ao requerido ou que este tivesse tido conhecimento da sua existência ou nele tivesse intervindo de alguma forma, desde que o requerente não tenha posteriormente deixado de tomar as medidas que lhe incumbiam para que fosse feita a citação ou a notificação do ato ao requerido.
Quanto às despesas
44 Revestindo o processo, quanto às partes na causa principal, a natureza de incidente suscitado perante o órgão jurisdicional de reenvio, compete a este decidir quanto às despesas. As despesas efetuadas pelas outras partes para a apresentação de observações ao Tribunal de Justiça não são reembolsáveis.
Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Décima Secção) declara:
O artigo 16.°, n.° 1, alínea a), do Regulamento (CE) n.° 2201/2003 do Conselho, de 27 de novembro de 2003, relativo à competência, ao reconhecimento e à execução de decisões em matéria matrimonial e em matéria de responsabilidade parental e que revoga o Regulamento (CE) n.° 1347/2000, deve ser interpretado no sentido de que se considera que uma ação foi submetida à apreciação de um tribunal na data de apresentação, nesse tribunal, do ato introdutório da instância ou de um ato equivalente, ainda que, entretanto, a instância tenha sido suspendida por iniciativa do requerente que a propôs, sem que o referido processo tivesse sido notificado ao requerido ou que este tivesse tido conhecimento da sua existência ou nele tivesse intervindo de alguma forma, desde que o requerente não tenha posteriormente deixado de tomar as medidas que lhe incumbiam para que fosse feita a citação ou a notificação do ato ao requerido.
Assinaturas
* Língua do processo: português.